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Brancos não falam do racismo porque isso os beneficia, diz autora jamaicana

Em ensaio de seu próximo livro, Claudia Rankine questiona os privilégios dos homens brancos

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Guilherme Henrique
São Paulo

A inquietação surgiu como um estampido seco no cérebro da escritora e professora de poesia da Universidade de Yale, Claudia Rankine, 56, enquanto observava o jardim de sua casa: o que significaria perguntar aleatoriamente a homens brancos como eles entendiam seu privilégio?

A dúvida é o principal argumento do ensaio publicado na edição deste mês da revista Serrote, do Instituto Moreira Salles, intitulado “Eu queria saber o que os homens brancos pensavam de seu privilégio. Então perguntei”. O texto faz parte do seu próximo livro, “Just Us” (só nós), programado para setembro de 2020. 

“Pensei em ter essas conversas para saber se eles entendem a fluidez de seu movimento no mundo como uma forma de privilégio”, diz Rankine, uma das principais autoras a discutir racismo e diversidade hoje.

A escritora jamaicana Claudia Rankine, que teve ensaio publicado na última edição da revista Serrote, do Instituto Moreira Salles
A escritora jamaicana Claudia Rankine, que teve ensaio publicado na última edição da revista Serrote, do Instituto Moreira Salles - Elizabeth Weinberg/The New York Times

Ao longo do artigo, a escritora jamaicana radicada nos Estados Unidos narra suas tentativas de estabelecer conexões com homens brancos em voos e saguões de aeroportos. Em uma das histórias, ela relata que foi ignorada por um senhor enquanto aguardava na fila de embarque. Ao repreendê-lo, ouviu ele dizer ao amigo que “hoje você nunca sabe quem estão aceitando na 1ª classe”.

O embate, segundo Rankine, demonstra como brancos e negros compartilham o espaço comum. “Uma das coisas sobre as quais a branquitude é construída é um entendimento de segregação espacial.

Pessoas negras e pardas não pressupõem que podem atravessar a vida sem ter que interagir com brancos. Os brancos, por sua vez, pressupõem que podem atravessar a vida sem ter essas interações, e isso tem muito a ver com a presunção do privilégio”, analisa.

Rankine argumenta que é preciso desconstruir estereótipos contra negros. “Há uma espécie de ‘imaginário branco’. Esse é o ponto mais grave desse fenômeno, porque isso reflete o assassinato de negros e negras pela polícia e por cidadãos comuns. Eles conseguem se livrar da culpa falando que sentiram medo, porque o sistema de justiça em si foi estruturado sobre estereótipos de negritude”, pondera.

A tensão descrita no ensaio é, para a autora, o reflexo de uma sociedade construída e amparada pelo racismo. “Pessoas brancas têm uma resistência em falar sobre construções raciais por conta da culpa branca e porque se beneficiam do racismo”, diz.

Há três anos, Rankine ganhou a bolsa para gênios da Fundação MacArthur, no valor de US$ 625 mil (cerca de R$ 2,6 milhões), por sua atuação literária na discussão sobre o racismo nos EUA, especialmente no livro “Citizen” (cidadão), um híbrido de poesia e ensaio. “Dizem que as ciências e a academia são neutras e objetivas, mas isso é uma besteira. A linguagem poética abarca o fato de que o sentir de um sujeito é tão importante quanto qualquer fato”, ressalta a autora.

Com o prêmio, ela fundou o Instituto de Imaginário Racial, que promove discussões sobre o que foi ensinado sobre a construção de raça a negros e a brancos.

Para além do imaginário, Claudia Rankine argumenta que a criação do instituto teve como objetivo se contrapor a eleição de Donald Trump. “Senti a urgência de entrar nesse debate em um momento no qual o atual governo amplificou e empoderou o racismo ao ponto de as pessoas falarem abertamente coisas racistas”.

Ao finalizar o ensaio, Rankine descreve um encontro no qual, em confronto com uma situação de racismo, ela “pôde dizer ‘não’ aos mecanismos silenciadores de bons modos”. “A realidade perturbadora da mulher negra não foi silenciada”, ela comemora. Que vire rotina.

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