Descrição de chapéu
Livros

Elena Ferrante faz pastiche de si mesma em novo romance

'La Vita Bugiarda degli Adulti' é espécie de pot-pourri de trabalhos anteriores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

LA VITA BUGIARDA DEGLI ADULTI

  • Preço € 16,15 (cerca de R$ 73; 336 págs.); ebook € 12,99 (cerca de R$ 59) em italiano, no formato epub
  • Autor Elena Ferrante
  • Editora Edizion E/O

Depois de sua aclamada "Tetralogia Napolitana", era natural que o novo romance de Ferrante fosse aguardado com ânsia. Seria ela capaz de manter o fascínio da história de Lenu e Lila, que conquistou fãs em todo o mundo?

“La Vita Bugiarda degli Adulti”, ou a vida mentirosa dos adultos, saiu na Itália na quinta (7). Seu parágrafo de abertura, divulgado em setembro, anunciava a presença de aspectos caros à autora. 

Pelo trecho, aprendemos que a narradora era uma mulher; que seu pai deixaria o lar; que versaria sobre a imagem e, assim, sobre a posição social feminina; que abordaria um conflito familiar.

O título, revelado mais tarde, sugeriu a mentira, que permeia a produção de Ferrante, como o cerne da trama. E, se mentirosos são os adultos, era de se esperar que o ponto de vista fosse de alguém por crescer.

Giovanna, aos 12 anos, ouve uma conversa de seus pais e fica sabendo não só que, para o pai, ela parecia feia como também que estava se tornando como Vittoria. 

Dessa tia, irmã de seu adorado pai, Andrea, nada sabe além de que é a imagem acabada da feiura e da maldade. À  procura de si mesma, empreenderá uma busca por Vittoria e pelas razões do dilaceramento da família paterna. Como é presumível, versões contraditórias virão à tona.

O ponto de partida era interessante e abria espaço para que Ferrante manejasse o drama como fez tão habilmente até aqui. 

Além disso, apesar de aparentado tematicamente ao restante de sua obra, “La Vita Bugiarda degli Adulti” se distanciava de forma salutar do mundo da tetralogia.

Estamos em Nápoles, sim, mas na elegante parte alta, em vez de na periferia miserável. A trama se passa nos anos 1990, o que sabemos porque Giovanna menciona ter nascido em 1979. A data não introduz dados históricos, mas permite localizar a menina como uma espécie de neta de Lenu.

Seus pais não vieram da alta classe, mas não são ignorantes. Foram à escola. Mais do que isso, são professores, adoram ler e estimulam o questionamento. Parecia promissor e, no começo, o livro flui. Ainda assim, algo desanda. Ferrante parece em muitos momentos fazer um pastiche de si mesma.

Em todos os romances da autora, Nápoles é mais do que um pano de fundo. É o símbolo da claustrofobia social, um lugar a ser deixado por heroínas em fuga, que rejeitam o dialeto como um último traço de atraso que as assombra.

Giovanna guarda certo temor para com as partes da cidade que não conhece. Para achar a tia, era preciso descer mais e mais —a metáfora não é sutil. 

A tia não só fala em dialeto, fato lembrado o livro todo. Ela grita palavrões que ecoam nas paredes esburacadas de seu prédio esquálido. A cidade toda parece um cenário mal construído, sem as descrições que Ferrante sabe elaborar. As falas soam programáticas.

A dada altura, o leitor benevolente pode até se perguntar se Ferrante, que jogou tão bem com gêneros como o romance de formação e o romance histórico, não estaria parodiando a pobreza estilística do romance rosa —afinal, Nella, a mãe da narradora, faz, como bico, a revisão desse tipo de livro.  

As personagens parecem se revezar no papel de outras, vindas de outros livros. Há o namorado tosco, o ricaço cafona, o intelectual sedutor. Sobretudo, há uma insistência em fazer com que Giovanna apareça como uma “amiga genial” por desabrochar.

Mas Giovanna não é Lenu. Talvez porque não a apresente como escritora ou professora de literatura confrontando seu passado, Ferrante tenha feito do grosso de sua narração um texto quase relatorial, o que só melhora no terço final.

É difícil crer que, após o tour de force de 1.700 páginas, a autora não tenha sido capaz de manter a graça, o ritmo e o interesse nas 336 de “La Vita Bugiarda”. Até porque escreveu livros de grande força e densidade sem requerer proporções épicas, como “Dias de Abandono” e “A Filha Perdida”. 

Ao final, pode-se pensar que a história continuará. Não de modo evidente, mas da forma ambígua como termina uma série de TV que ainda não teve nova temporada garantida. 

Espécie de pot-pourri de trabalhos anteriores, este livro sobre a mentira carece de verdade própria. 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.