Descrição de chapéu Artes Cênicas

Futuro do bar e teatro Cemitério de Automóveis depende de vaquinha

Espaço, que movimentar a cena cultural do centro de SP, corre o risco de fechar as portas

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São Paulo

Entrar no Cemitério de Automóveis, misto de teatro e bar fincado em meio à efervescência das ruas Augusta e Frei Caneca, no centro de São Paulo, pode lembrar um pouco a Nova York dos anos 1950 e a geração beatnik. O rock e o blues fazem parte da trilha sonora do espaço, que ajuda a movimentar a cena cultural da região há seis anos. Mas o lugar corre o risco de fechar as portas.

O dono e idealizador do lugar, o dramaturgo Mário Bortolotto, e o seu sócio, Marcos Gomes, lançaram um financiamento coletivo para arrecadar R$ 20 mil até sexta-feira (15) —e, assim, evitar o encerramento das atividades.

Entre os doadores estão nomes como Bruno Mazzeo e Matheus Nachtergaele. “É um espaço de resistência. Tem um sabor específico do underground de São Paulo”, afirma Nachtergaele, que considera Bortolotto o herdeiro do escritor Plínio Marcos. “A minha contribuição é para que, de um jeito pequeno e simbólico, se mantenha de portas abertas. Apoiei com a maior alegria. Nesses tempos difíceis, ir ao teatro também é apoiar.”

Para Bortolotto, que recebeu a reportagem vestido com os habituais óculos escuros e jaqueta de couro, o Cemitério é um lugar em que as pessoas assistem uma peça e podem sentar no bar para discutir e refletir. “A boêmia na cidade está acabando. As pessoas não estão mais achando lugares em que possam ficar à vontade, conversar e beber.”

Tanto que, lá pela meia-noite, as portas são abaixadas e o ambiente segue funcionando até o último cliente, muitas vezes quando o dia já está raiando. Em uma área de 300 m², o bar divide espaço com uma parede dedicada a exposições. Há também ali a Buenas Book Store, que vende livros alternativos, CDs e vinis. O teatro, ao fundo, tem capacidade para 35 pessoas. 

Nele, já foram apresentados saraus, mostras de cinema, oficinas de dramaturgia, shows e mais de 50 peças —atualmente está em cartaz ali “Toda a Saudade do Mundo”, com Paulo Vilhena no elenco.  “Ele é o síndico do teatro brasileiro”, diz o ator. 

Outro espetáculo em cartaz, de sexta a domingo e com direção e atuação de Bortolotto, é “Barrela”, peça escrita por Plínio Marcos em 1958 e censurada por 20 anos, até a abertura política do país. 

Bortolotto explica que problemas com uma caixa d’água, vazamentos e outros reparos inesperados deixaram uma dívida alta, impossibilitando a manutenção do espaço.

Os atores Ana Hartmann e Carlos Carcarah em cena da peça "Killer Joe", no Teatro Cemitério de Automóveis - Lenise Pinheiro/Folhapress

“Ali fico muito à vontade. É um centro cultural onde é feito um teatro de raiz, de resistência e alternativo. Tem pulsação artística”, afirma o ator Sérgio Guizé, que interpreta Chiclete em “A Dona do Pedaço”. 

Para ele, que já atuou no espaço com a peça “Oeste Verdadeiro”, de Sam Shepard, é na noite do bar que surgem histórias que inspiram contos e até livros. Guizé fará a leitura da peça “O Homem que Matou Liberty Valance” no Cemitério, em dezembro. “É um lugar atemporal com um trabalho coerente e brutalmente importante. É de uma simplicidade tocante. É tipo os Ramones, não perde a essência.”

O escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva afirma ser revoltante que Bortolotto precise fazer um financiamento coletivo. Para ele, o Cemitério é uma universidade do teatro, da literatura e da cultura do país. “Forma atores e músicos. Bortolotto tem um estilo próprio reconhecido. Seus textos são brilhantes, ele merecia ter uma coluna no The New York Times”, afirma. “O Brasil maltrata muito sua inteligência.”

Para o ator Celso Frateschi, o local é “um antídoto à hipocrisia e ao bom-mocismo da nossa produção teatral.”

Além do teatro, o lugar abriga ainda músicos como Clemente, um dos pioneiros do punk rock no Brasil com a banda Inocentes. “É um reduto do rock, uma continuidade da história de São Paulo.” 

Marcelo Gross, ex-guitarrista da banda Cachorro Grande, concorda. “As situações que rolam ali, muitas vezes, parecem cena de filme. Essa cultura beatnik é fora dos padrões. É a arte em forma de bar.”

Até domingo (10), 48 apoiadores haviam doado R$ 12.100 na vaquinha, disponível em benfeitoria.com/
cemiteriodeautomoveisapoio
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