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Cinema

Jean Douchet, morto aos 90, era conhecido como o 'Sócrates do cinema'

Após rebelião na Cahiers du Cinéma, crítico francês se recusava a elogiar filmes da nouvelle vague

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Jean Douchet fez parte da geração de críticos de cinema que melhor entendeu sua arte e soube transformá-la: a de François Truffaut, Claude Chabrol, Eric Rohmer, Jean-Luc Godard e Jacques Rivette. Se todos esses se tornaram cineastas importantes, Douchet optou por ser o crítico por excelência.

Se antes mesmo da Cahiers du Cinéma ser fundada, em 1951, Douchet já fazia parte desse seleto grupo de frequentadores da cinemateca, só juntou-se à equipe em 1957. Nesse meio tempo, fez o serviço militar. Logo que o completou foi convidado por Eric Rohmer para compor os quadros da revista.

Rohmer foi, de resto, sua maior ligação no cinema. Enquanto Rohmer dirigia a revista, Douchet era seu colaborador mais imediato. Com ele abandonou a revista, por volta de 1962, quando Jacques Rivette comandou uma revolta que levou à destituição de Rohmer. Douchet acompanhou-o e saiu da revista. Restou em relação a Rivette uma mágoa nunca superada. Diria mais tarde: “Não tenho nada contra Rivette, mas creio que o antagonismo era profundo”.

O crítico de cinema Jean Douchet, na Cinemateca Francesa, em 2010 - Fred Dufour/AFP

O movimento causou um profundo mal-estar entre os membros do grupo, a tal ponto que pouco depois Rohmer produziu um filme em seis episódios, “Paris Visto Por...”, no qual estavam incluídos apenas os que não participaram do levante: Godard, Douchet, Chabrol, Jean Rouch, Jean-Daniel Pollet e o próprio Rohmer. Excluiu Rivette e Truffaut, que deu força à rebelião, já que Rohmer e Douchet recusavam-se a elogiar filmes da nouvelle vague só por serem da nouvelle vague.

O episódio de “Paris Visto Por...” tornou-se o mais conhecido dos 19 filmes que assinou (entre documentários, séries para TV e curtas ficcionais). Seu talento maior, e que desde então intensificou-se, foi para a crítica e o ensino.

Seja como diretor de estudos no Idhec (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos, nos arredores de Paris), seja nos seminários na Universidade de Censier, Douchet tornou-se um mestre de várias gerações de críticos que o frequentavam. Nunca deixou, até o início deste ano, essa atividade: apresentava-se semanalmente na Cinemateca Francesa, mas ao mesmo tempo fazia questão de percorrer inúmeras cidades com suas palestras sobre filmes.

Nesse particular era único. Discorria sobre o filme que acabara de ver sem tomar nenhuma anotação (daí o apelido “Sócrates do cinema”). Com a diferença de que também escrevia, e muito bem. Era capaz de ver num filme o que mais ninguém via. Um outro crítico comentou, certa vez, que quem tentou imitá-lo, falando de improviso sobre os filmes, nunca se dava bem. Também nisso Douchet era único.

Em seu livro “A Arte de Amar” definiu o trabalho crítico tal como o entendia: “Crítica é a arte de amar. É fruto de uma paixão que não pode ser devorada por si mesma, mas aspira o controle de uma lucidez vigilante”.

Nascido em Arras, França, de uma família burguesa, Douchet cresceu e viveu em Paris. Lá viveu, como ele próprio disse, como “epicurista e mesmo sibarita”, ou seja, misturando a busca dos prazeres espirituais, mediados pela reflexão, aos prazeres propriamente dos sentidos.

Nisso também foi insuperável. Herdeiro de uma considerável fortuna, empenhou-se em consumi-la em bons vinhos e belas refeições. Foi também, por vezes, escancaradamente homossexual.

Não foi por acaso que outro crítico, Joel Magny, deu o título de “O Homem Cinema” ao livro de entrevistas com Douchet que publicou em janeiro de 2014, no mesmo mês em que Douchet completava 85 anos.

É esse homem que o cinema acaba de perder: Douchet morreu no dia 21 de novembro, aos 90 anos.

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