O crítico Rodrigo Villela diz ter se encantado com uma obra no ateliê do artista venezuelano Carlos Cruz-Diez, em Paris, anos atrás.
De frente para um jardim de inverno, a peça formada por duas fileiras de acrílico translúcido, vermelho de um lado, laranja de outro, parecia mudar de cor à medida que avançavam as horas e Villela andava pelo estúdio.
Uma versão do trabalho pode ser vista na mostra “Cruz-Diez: A Liberdade da Cor”, no Espaço Cultural Porto Seguro a partir deste fim de semana. Planejada em conjunto com o artista ao longo de um ano e meio, ela é inaugurada poucos meses depois de sua morte, aos 95 anos, em julho passado.
Esta não é, porém, uma retrospectiva, ressalta Villela, à frente da organização. Ele diz que as cerca de 30 obras ali buscam sobretudo apresentar a pesquisa de cores de Cruz-Diez para além do movimento cinético ao qual ele costuma ser associado.
Ainda assim, são quatro quadros cinéticos que iniciam a exposição, composições geométricas com tons de verde, azul, amarelo e laranja que se tornam vermelho-sangue se observadas das laterais.
É só no andar de cima que a noção de cor total que guiou muitas de suas instalações se faz mais presente. Um labirinto formado por lâminas de acrílico pintadas com listras em tons do arco-íris, inédito no país, reflete nas paredes e inunda de cor a sala outrora branca.
À medida em que se adentra a exposição, as cores se libertam mais e mais das formas e passam a ocupar uma série de ambientes inteiros.
Com o auxílio de projetores, “Ambiente Cromointerferente” lança sobre as paredes e os corpos dos visitantes listras que se movimentam e mudam de cor sem parar.
Já “Cromossaturação” enche um espaço de luzes de cor amarela, magenta, azul-bic e verde-néon, onde sólidos geométricos demarcam as fronteiras de uma cor para a outra.
Segundo Villela, a cor foi a maneira que Cruz-Diez encontrou de acionar a percepção das pessoas, forçando o contato delas com o mundo.
Não foi à toa, afinal, que ele realizou uma série de obras monumentais em espaços públicos, como os corredores gêmeos que se estendem sobre o chão do aeroporto de Caracas, sua cidade natal, ou o teto de uma passagem de pedestres da estação ferroviária de Saint-Quentin-en-Yvelines, perto de Paris, para onde ele se mudou nos anos 1960.
É essa atenção aos sentidos que, para Gabriel Cruz —neto do artista e um dos parentes a comandar o Articruz, ateliê iniciado por Cruz-Diez no Panamá— faz com que as gerações atuais compreendam muito melhor os trabalhos de seu avô do que seus pares.
“Na época, a arte era entendida como contemplativa, enquanto hoje a vemos também como interativa”, diz.
Foi essa mesma qualidade do trabalho de Cruz-Diez que, diz Villela, o levou a concluir a mostra com um conjunto de 20 fotografias.
Em preto e branco e praticamente desconhecidas —realizadas a partir dos anos 1940, elas só vieram a público em 2013, e nunca na América Latina, segundo o curador—, elas registram cenas prosaicas, como um menino que se contorce ao dançar num festival folclórico ou uma onda que estoura sobre as rochas.
Mas a maneira lúdica, um tanto abstrata, com que ele retrata o familiar revelam um olhar que, segundo Villela, mostra uma tentativa de se relacionar com a realidade de uma forma mais atenta.
“Cruz-Diez: a Liberdade da Cor”, realizada sete anos depois da última exposição do artista em São Paulo, não é a única mostra do artista a abrir agora.
A Dep Art Gallery, em Milão, abriu no mês passado uma individual centrada na relação entre cor e espaço na obra do artista. E, em breve, diz Gabriel Cruz, o avô ganhará uma mostra em Caracas.
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