Descrição de chapéu

Anna Karina foi figura central da nouvelle vague e do cinema moderno

Musa de Godard, a lenda do cinema mundial transmitia com muita intensidade a ideia de juventude

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Anna Karina em 'Alphaville' (1965), de Jean-Luc Godard Chaumiane/ Film Studio / The Kobal Collection

“Hoje o cinema francês ficou órfão. Perdeu uma de suas lendas”, escreveu o ministro francês da Cultura, Franck Riester, ao comentar a morte da atriz Anna Karina, que aconteceu no sábado (14) em um hospital de Paris. À parte a retórica política e o momento emocional, não estava longe da verdade. Karina na verdade é um pouco mais: lenda do cinema, e não só do cinema francês.

Hanne-Karine Blarke Bayer nasceu em Copenhague, Dinamarca, em 1940, e trocou seu país pela França em 1958. Após fixar-se em Paris,  apareceu primeiro como modelo de filmes publicitários e manequim. Parecia ter uma carreira promissora nesse ramo diante de si, tanto que o nome Anna Carina quem lhe deu foi Coco Chanel em pessoa.

Ela fez apenas uma pequena mudança, trocou o C pelo K de Karina e adotou o nome com o qual se tornaria figura central da nouvelle vague francesa e do próprio cinema moderno. Ela já poderia ter aparecido no primeiro filme longo de Godard, “Acossado” (1959), mas no primeiro encontro com o diretor, ao saber que precisaria tirar a roupa, retirou-se ofendida e achou que Godard não devia passar de um sem-vergonha.

Sim, Godard já a conhecia de um anúncio de sabonetes, mas o primeiro encontro foi um fracasso. Para o filme seguinte, “O Pequeno Soldado” (1960), Godard lança um anúncio no qual busca “uma jovem entre 18 e 27 anos para ser sua intérprete e alma gêmea”. Ao mesmo tempo, manda um telegrama a Karina pedindo-lhe que se apresente no escritório do produtor Georges de Beauregard, “desta vez para ser a atriz principal”.

Ela faz então o papel de Veronica Dreyer (o sobrenome é óbvia referência ao grande diretor dinamarquês Carl Th. Dreyer). No final de junho, quando terminam as filmagens, Godard a pega em seu carro e pergunta “Onde eu te deixo?”. Ela responde: “Você não pode me deixar. Eu só tenho você no mundo". É o começo de um romance que marcará o cinema moderno.

Um romance que começa feliz e cuja felicidade aparece transbordante no musical “Uma Mulher É uma Mulher” (1961), em que Godard explora, entre outras, o sotaque ainda forte da atriz. Já nesse período, no entanto, surgem certos aspectos que marcarão a vida do casal: os ciúmes doentios de Godard (que surgem quando ela aceita filmar com o diretor Michel Deville) e o hábito de misturar o filme com a vida privada do casal.

É em dezembro de 1960, durante as filmagens, que Godard tomará conhecimento da gravidez de Anna Karina. Godard, para quem ter um filho era importante, lhe propõe casamento e faz questão de que seja “diante de Deus”, ou seja, religioso, o que acontece em março de 1961. Esse período feliz será fugaz e o casamento começa a desandar desde maio, quando Karina perde a criança.

 

Daí até a separação, a união entre os dois será tempestuosa, feita de separações e reconciliações, o que não os impedirá de criar juntos uma série de filmes memoráveis: “Viver a Vida” (1962), “Bando à Parte” (1964), “Alphaville” (1965), “O Demônio das Onze Horas” (1965) e “Made in USA” (1966), sem contar o episódio de Godard em “Paris Visto Por...” (1965).

É depois de “Bando à Parte” que a separação se consolida, até que o divórcio seja selado, em dezembro de 1964. O primeiro filme que fazem depois de separados é “Alphaville”, que Godard realizará, sintomaticamente, sob a tutela de “Capital da Dor”, o livro do poeta Paul Éluard. A separação não impedirá que trabalhem juntos, ainda, em “O Demônio das Onze Horas” e “Made in USA”.

O nome e a imagem de Anna Karina seguirão a partir daí à sombra do antigo companheiro, a quem encontrou pela última vez há 20 anos. Ou talvez à sombra da imagem de vigor, juventude e leveza que os filmes de Godard projetaram dela. Isso não a impedirá de seguir com êxito na profissão de atriz. Participará, entre outros, de obras-primas como “Mulheres no Front” (1965, Valerio Zurlini), “A Religiosa” (1965, Jacques Rivette), “Roleta Chinesa” (1976, R.W. Fassbinder), bem como de “O Estrangeiro” (1967, Luchino Visconti) e “O Tirano da Aldeia” (1969, Volker Schlöndorff), entre outros.

Talvez por transmitir com tanta intensidade a ideia de juventude, sua carreira declina ao longo dos anos 1970, em que o único filme memorável de que participa é “Roleta Chinesa” (1976). Com “Vivre Ensemble” (1973), Karina se lança na direção. Uma história, disse ela, que diz respeito à vida de pessoas com quem conviveu e em que drogas e bebida terão grande peso: “O filme é um retrato da minha juventude”, definiu. Voltaria a dirigir em 2011, com “Victoria”, que será também seu último papel no cinema.

Depois de se divorciar de Godard, Anna Karina voltou a se casar três vezes, a última delas em 1982, com o diretor e ator americano Dennis Berry, que estava com ela no momento de sua morte, conforme o agente da atriz.

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