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Cinema

Sombra de Wagner paira em 'Star Wars' na estética e até no comportamento

Ao pensar no aspecto sonoro da saga, John Williams recorreu à música de cem anos antes

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Ao criar o mundo sonoro de uma saga que parecia mirar séculos à frente, John Williams recorreu não à música “futurista”, mas à de cem anos antes. A conta é quase justa: enquanto o primeiro filme da franquiaStar Wars” entrou em cartaz em 1977, a tetralogia “O Anel do Nibelungo”, de Wagner, inspirada no épico medieval germânico, estreou em 1876.

É possível que a ideia tenha brotado da própria conexão entre a trama do ciclo de “óperas espaciais” de George Lucas e a do quarteto wagneriano. Difícil não ver em Luke Skywalker ecos do herói Siegfried, munido da indestrutível espada Notung (ancestral analógico do sabre de laser) e coagido a enfrentar seu pai, Darth Vader/Wotan (ritual iniciático reencenado no confronto entre Kylo Ren e Han Solo em “O Despertar da Força”).

Isso talvez tenha induzido Williams a fazer um uso tão sistemático de um recurso que não foi inventado por Wagner, mas popularizado e empregado exaustivamente por ele: o “leitmotiv”. 

O motivo condutor é um tema musical associado a um personagem, objeto ou situação, e que faz que, por exemplo, “vejamos” Darth Vader em cena a cada vez que a “Marcha Imperial” é tocada, mesmo que o vilão não seja mostrado.

O recurso é usado, por exemplo, nos filmes que contam a história de Anakin Skywalker, para sinalizar que o garoto se transformará no maligno lorde de armadura preta. Não por acaso, Debussy, algo maldosamente, chamava o “leitmotiv” de “cartão de visita dos deuses”.

 

Assim como Wagner não criou o “leitmotiv” em ópera, Williams esteve longe de ser o primeiro, único ou último compositor a empregá-lo no cinema. O diferencial, como demonstrou a musicóloga croata Irena Paulus, é que os temas de Williams são aparentados entre si, assim como os de Wagner; um brota do outro, criando uma teia narrativa sonora que passa grande sensação de unidade e organicidade.

Também a luxuriante paleta orquestral de “Star Wars” remete ao universo dos nibelungos, chegando ao ponto de lançar mão, em “O Império Contra-Ataca”, de um instrumento de sopro inventa do por Wagner especificamente para a tetralogia do “Anel”, e conhecido, por esse motivo, como tuba wagneriana.

No caso especificamente da escrita orquestral, a influência wagneriana pode ser tanto direta quanto indireta. 

Afinal, a maciça migração para os Estados Unidos de compositores fugidos do nazismo e do fascismo europeu, na primeira metade do século 20, impregnou o cinema americano da linguagem sonora de compositores que utilizavam o tipo dilatado de orquestra herdado de Wagner. 

 

Caso, por exemplo, do judeu florentino Mario Castelnuovo-Tedesco, professor particular de composição de Williams em Los Angeles. Ou do austríaco Erich Wolfgang Korngold, cuja música para “Em Cada Coração Um Pecado” —de Sam Wood, com Ronald Reagan no elenco— é apontada como precursora direta do tema de abertura de “Guerra nas Estrelas”.

Williams, obviamente, não faz um mero pastiche wagneriano, e outras influências poderão ser discernidas —como a suíte “Os Planetas”, do britânico Gustav Holst, referência inescapável em trilhas de filmes com alusão espacial. Não soa arriscado, contudo, cravar que a sombra de Wagner ainda é dominante, pairando sobre a saga intergalática não apenas no aspecto estético, como também no comportamental.

Na estreia do “Anel do Nibelungo”, em Bayreuth, o crítico Joseph Bennett, do Daily Telegraph, diverte-se em descrever os wagnerianos que invadiram a cidade alemã de “óculos, cabelos compridos e capacetes engraçados”, enquanto a efígie do compositor aparecia reproduzida por toda parte, “em fotografias e estatuário”, ou “enfeites de banheiro e capas de álbum”. 

Qualquer semelhança com os cosplayers de jedi que certamente circularão por cinemas de todo o planeta durante a estreia de “A Ascensão de Skywalker” não há de ser fortuita.

Star Wars: A Ascensão Skywalker

  • Classificação não informada
  • Elenco Daisy Ridley, Adam Driver, John Boyega e Oscar Isaac
  • Produção EUA, 2019
  • Direção J.J. Abrams
  • Estreia na quinta (19)
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