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Camila Cabello e Harry Styles, egressos do pop adolescente, pensam grande

Os dois cantores estão lançando os segundos álbuns de suas carreiras solo e mostrando aos ouvintes que têm a ambição de seguir caminhos próprios

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Jon Pareles
The New York Times

Os cantores do pop adolescente —“boy bands” ou “girl groups”— sempre têm um álibi.

O produtor/empresário/gravadora/manipulador os forçou a gravar. Os outros membros do grupo votaram contra. Na época, a ideia parecia inteligente, ou divertida, ou comercial, ou inofensiva. Eles não passavam de crianças. Mas uma carreira solo requer mais do que grandes sorrisos, harmonias vocais, roupas projetadas por diretores de arte e passos de dança sincronizados. Uma carreira solo pede por algo mais pessoal, ou pelo menos por um compromisso mais firme para com uma persona determinada. O nome do cantor vem acima do título; a responsabilidade é toda dele.

Dois egressos do pop adolescente que estão em pontos paralelos em suas carreiras, Camila Cabello e Harry Styles, acabam de lançar cada qual o seu segundo álbum solo, “Romance”, no caso de Cabello, e “Fine Line”, no de Styles. Os dois emergiram de grupos vocais formados na franquia de reality shows X Factor, criada por Simon Cowell.

Cabello, 22, era parte do Fifth Harmony, e Styles, 25, cantava no One Direction, na versão britânica original. Os dois vêm em carreira solo desde 2016, quando Cabello deixou o Fifth Harmony (que prosseguiu até 2018 como quarteto) e o One Direction entrou em um longo hiato. E embora Cabello tenha definido com clareza o que pretende em sua carreira solo, a de Styles é promissora, mas ainda parece uma obra em progresso.

Como integrante do Fifth Harmony, Cabello era parte de uma frente unida —muitas vezes cinco vozes cantando em uníssono— de solidariedade feminina aliada a uma sexualidade ousada: Destiny’s Child mais Pussycat Dolls, com uma gotinha de Spice Girls. (No vídeo de “Worth It”, do Fifth Harmony, por exemplo, lê-se “mulheres no poder” e “feminismo é sexy” nas telas de terminais de cotação de ações.) Os arranjos do grupo muitas vezes recorriam aos vocais anasalados de Cabello nos momentos de pico, para um floreio adicional.

Mas em sua carreira solo, Cabello abandonou o lado mais ousado e agora soa vulnerável. “Minhas emoções estão nuas, elas me tiram do sério”, insiste a cantora em “Shameless”, um desesperado grito de desejo —que lembra Rihanna em seu modo mais felino— que serve como faixa de abertura de “Romance”.

Em lugar dos refrões ruidosos do Fifth Harmony, as canções solo de Cabello têm arranjos com mais espaço e solidão, e ela muitas vezes cai ao registro mais grave e rouco de sua voz. Cabello canta sobre os tópicos eternos do pop como uma jovem enredada neles: amor e desejo, intimidade e traição, desejo e solidão, e confiança provisória.

É um papel familiar para uma estrela pop, e um que Cabello desempenha com facilidade, mas adicionando um toque pessoal. Em sucessos como “Havana” (de seu primeiro disco solo, “Camila”), e “Señorita” (um dueto com Shawn Mendes em “Romance”), Cabello destaca sua herança latina —meio cubana (nascida em Havana) e meio mexicana. Ela também provoca com ritmos latinos em outras canções de “Romance”, mas em 2019 isso só faz dela uma típica cantora pop americana.

Em todo o álbum, a maquinaria pop funciona de modo inteligente e eficiente, em torno da voz de Cabello.

As produções tendem a ser enxutas —sons eletrônicos fantasmagóricos, um violão ou guitarra ocasionais, baterias pesadas mas discretas— e mesmo nos pontos altos das canções a voz de Cabello em muitos casos se mantém próxima, confidente. O principal colaborador em seu álbum de estreia, Adam Feeney (também conhecido como Frank Dukes) está de volta; o mesmo vale para a compositora Ali Tamposi, coautora de “Stronger (What Doesn’t Kill You)”, de Kelly Clarkson, e de “Havana” (em parceria com Cabello, Dukes e outros). A lista mais longa de compositores em “Romance” pertence a “Liar”, uma canção maluca que salta de estilo a estilo, com uma levada de reggae ao modo do "Ace of Base" e uma linha vocal vinda de Lionel Richie, mas acrescenta palmas ao modo flamenco e metais da música de mariachis.

Cabello claramente está atenta aos seus concorrentes na música pop. “Bad Kind of Butterflies”, com um vocal suspirado que saltita sobre teclados furtivos e um baixo profundo, certamente leva Billie Eilish em conta. Mas não há hostilidade; o irmão e produtor de Eilish, Finneas O’Connell, trabalhou em duas das novas canções de Cabello, “Used to This” e “First Man”. No disco, Cabello se move do encantamento (“Living Proof”, “Dream of You”) à dispensa desdenhosa (“Should’ve Said It”, “This Love”). Mas ela conclui com amor verdadeiro em “First Man”, uma canção sobre convencer seu pai, “o primeiro homem que me amou”, de que ela encontrou um homem merecedor de respeito. Terminando em casamento, a canção é conduzida com a firmeza de uma comédia romântica feita do jeito certo.

A carreira solo de Styles tem uma agenda mais complicada. No One Direction, em companhia de seus quatro companheiros, ele sorria e brincava em canções que prometiam afeto e ofereciam charme juvenil e, mais tarde, exaltavam os privilégios travessos do estrelato pop. Styles tinha a voz mais forte do grupo, e ela frequentemente ficava reservada para o momento em que a estrofe se torna refrão.

Mas no disco solo de estreia que lançou com seu nome como título em 2017, Styles parecia ter subitamente descoberto tanto a história do rock quanto a ansiedade, e se tornou aprendiz de estilos musicais que surgiram décadas antes de ele nascer. Sua voz se tornou modesta, e parecia se esconder. A música dele de repente começou a referenciar os Beatles, David Bowie, os Rolling Stones e a T.Rex, com instrumentos tradicionais em lugar de eletrônicos, e letras que falavam sobre vício, um mundo violento, ciúmes ferozes e desespero devastador. A impressão era a que ele tinha passado muito tempo à espera de uma oportunidade para sofrer. No vídeo de “Adore You”, baseado em contos de fadas, o sorriso de Styles irradia destruição.

“Fine Line” alivia um pouco a sofrência, só um pouco, e a atenção do cantor se volta ao romance. Ele está de volta ao seu território, cantando “deixa eu te adorar/ essa é a única coisa que vou fazer” (em “Adore You”), enquanto “Falling”, que tem algo de hino religioso e um tom amargo, o mostra assumindo responsabilidades como adulto: “Não há quem eu possa culpar, fora a bebida e minhas mãos errantes”.

Depois vem “So Lonely”, que zomba com simpatia da autopiedade do cantor: “Sou só um filho da puta arrogante que não consegue admitir que está arrependido”.

Styles também expandiu o alcance retrô de suas citações de rock, enquanto continua a trabalhar com o núcleo de colaboradores de seu primeiro disco, os compositores e produtores Thomas Hull e Tyler Johnson. O fascínio dele com o final dos anos 1960 e começo dos anos 1970 continua: “Canyon Moon” é uma homenagem direta ao sul da Califórnia e ao estilo do grupo Crosby, Stills e Nash, e “She” tem cara de Pink Floyd —uma canção longa e sombria sobre a rotina destrutiva e o desejo. “Sunflower, Vol. 6” é uma brincadeira reluzente com toques psicodélicos, repleta de harmonias vocais complexas e acompanhada por uma citara elétrica.

Mas “Fine Line” também tem canções com múltiplas guitarras e teclados, e com “beats” programados que sugerem o Tame Impala (“Lights Up”, “Adore You”), bem como uma homenagem determinada à Motown da metade dos anos 1960, em “Treat People With Kindness”.

O álbum é uma grande produção. Há muitos momentos, mesmo nas canções mais fracas, em que os instrumentos se fundem com um brilho intenso e as vozes se empilham em fogos de artificio surreais. A canção título faz promessas otimistas, codificadas, e se desenvolve pacientemente ao longo de seis minutos, recorrendo por fim a uma orquestra. Livre de sua “boy band”, a exultação de Styles parece vir do som e não da imagem.

Tradução de Paulo Migliacci

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