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Falado 70% em chinês, longa americano concorre ao Globo de Ouro de filme estrangeiro

'The Farewell', surpresa nas bilheterias dos EUA, evoca cultura na China de esconder doenças terminais

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Los Angeles

“The Farewell” começa com um aviso: a história é baseada numa mentira. Mas uma mentira bem contada que a família da diretora americana Lulu Wang inventou para sua avó chinesa. Quando a matriarca foi diagnosticada com câncer terminal, ninguém lhe disse a verdade e todos fingiram que estava tudo bem.

A protagonista é Billi (Awkwafina), uma escritora frustrada que mora em Nova York e viaja para a China com outros familiares para visitar Nai Nai (vovó em mandarim). A justificativa é o casamento de um primo, quando na verdade todos querem se despedir.

“Quando as pessoas têm câncer, elas morrem. Não é o câncer que mata, é o medo”, diz um tio chinês ao justificar a enrolação, para desespero de Billi, que é inspirada em Wang.

O filme é um drama tristíssimo com pitadas de comédia. Foi a surpresa do verão americano nas bilheterias —feito com US$ 3 milhões (R$ 12,2 milhões), arrecadou US$ 20 milhões (R$ 81 milhões)— e nas críticas (tem 98% de aprovação no site Rotten Tomatoes). Agora, na temporada de prêmios, coleciona indicações —mas ainda não tem previsão de estreia no Brasil.
 

Wang nasceu em Pequim e se mudou para os Estados Unidos aos seis anos. A experiência de viver entre países, não se sentir totalmente de uma nacionalidade ou de outra, é o que alavanca “The Farewell” (a despedida, em português).

“Sempre tive que escolher um lado e fazer ajustes para me enquadrar, tanto no lado pessoal quanto profissional. Com ‘The Farewell’ achei minha identidade”, disse Wang no MoMA Contenders, evento com os dez melhores filmes do ano que aconteceu no museu Hammer, em Los Angeles. “O filme funciona porque foi criado no meio. E no meio deveria ser um país próprio.”

Quando decidiu contar a história da avó, a diretora recebeu pitacos tanto de investidores americanos, que queriam um filme mais branco, como de chineses, que queriam um filme mais asiático.

Sem querer comprometer a narrativa, fez um podcast em vez de um longa, em 2016. O sucesso foi tanto que Wang voltou atrás e insistiu. “The Farewell” é falado 70% em mandarim. Foi indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro, apesar de a diretora acreditar que seu longa é 100% americano.

“Só no último ano que ficou claro para mim que esse é um filme americano. É chocante que demorei tanto para perceber. Talvez não tivesse confiança suficiente”, diz. “Não haveria filme se a protagonista não fosse americana. A narrativa não teria sentido algo, não haveria drama.”

A prática de mentir para idosos com doenças terminais é comum na China. Quando Wang contava para seus amigos chineses o tema do filme, eles tinham dificuldade em entender. “Eles faziam cara de interrogação: ‘Mas por que isso é dramático ou interessante?’.”

Exibido em Sundance, “The Farewell” também foi indicado ao Spirit Awards, premiação do cinema independente, em melhor filme e atriz coadjuvante, para Zhao Shuzhen (Nai Nai). A atriz principal, Awkwafina, disputa o Globo de Ouro de atriz em comédia.

A escolha para a protagonista pode fazer sentido agora, após o sucesso de Awkwafina em “Podres de Ricos” (2018) e “Oito Mulheres e um Segredo” (2018). Mas quando Wang escolhia seu elenco, a atriz
era conhecida como comediante e rapper de músicas como “My Vag” (minha vagina).

“‘My Vag’ é um clássico, sem dúvida. Mas não sei se escolheria Awkwafina para me representar num filme dramático sobre minha vida”, diz Wang.

Ainda assim, foi tomar um café com ela e descobriu afinidades. A atriz nasceu em Nova York, filha de um chinês e uma coreana, e foi criada pela avó chinesa. Quando recebeu o vídeo de audição para o papel, ficou maravilhada.

“Adoro tirar performances de atores que o público não está esperando. Awkwafina está quieta, pensativa, você sente sua vulnerabilidade. É algo poderoso nas telas.”

Para quem não quiser saber o final do filme, pare de ler aqui. Seis anos depois de diagnosticada com câncer no pulmão estágio 4, Nai Nai continua viva e bem. Após o episódio no podcast “This American Life”, em inglês, ela seguiu sem saber da doença.

Porém, na semana passada, um amigo lhe mostrou uma resenha do filme, que em mandarim se chama “Não conte a Ela”. Nai Nai ligou os pontos e descobriu a mentira. O longa deve estrear na 
China no começo de 2020. “É um história longa, não sei ainda de todos os detalhes. Ainda não falei com minha família, nem com Nai Nai”, diz.

Wang já tem dois projetos na manga, um deles com Nicole Kidman, no seriado da Amazon “The Expatriates”. Wang vai escrever, produzir e dirigir alguns episódio da história, que se passa em Hong Kong.

“É sobre uma expatriada cheia de privilégios. Ela é branca, tem dinheiro, mas quando seu filho some, não tem privilégio que possa ajudá-la.”

Ela também começou a trabalhar no longa “Children of the New World”, uma ficção científica “diferente”. “Quero tentar fazer uma ficção científica sobre um relacionamento, sobre duas pessoas num quarto. Vamos ver no que dá.”

The Farewell

  • Quando Sem previsão de estreia
  • Elenco Awkwafina, Shuzhen Zhao e X Mayo
  • Produção China/EUA, 2019
  • Direção Lulu Wang
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