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Artes Cênicas

Musical 'A Cor Púrpura' apela à religião, mas arrebata pelos intérpretes

Pode-se até vislumbrar, no apelo religioso do espetáculo, a possibilidade de que o avanço evangélico não seja monolítico ou reacionário

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A COR PÚRPURA - O MUSICAL

  • Quando Sex., às 20h30; sáb., às 18h e às 21h30; dom., às 19h
  • Onde Theatro NET SP - rua Olimpíadas, 360, 5° andar, Shopping Vila Olímpia, (11) 3448-506. Última apresentação de dezembro no domingo (22). Retorna em janeiro na sexta (3).
  • Preço R$ 75 a R$ 220
  • Classificação 12 anos

Não é fácil ver sem resistência um musical como "A Cor Púrpura" na semana em que se noticiam ataques, inclusive a tiros, de gangues evangélicas contra terreiros de candomblé, que estão sendo suprimidos de comunidades inteiras no Rio.

O musical, baseado no romance de 1982 da americana Alice Walker, se justifica ainda mais no cristianismo, na redenção pela fé. É quase um espetáculo gospel, tanto em alguns de seus principais quadros quanto na temática de fundo.

Por exemplo, uma missionária, Nettie, irmã da protagonista, Celie, vai à África pregar, no que é dado como um ato de bondade. Mas a supressão de religiões de origem africana acontece com outro sinal, no Rio ou na Bahia de hoje.

Walker, ativista que chegou a conviver com Martin Luther King, que era pastor batista, ecoou algo do movimento pelos direitos civis, de inspiração em parte religiosa.


Mas o musical vai além, sufocando a sexualidade da protagonista, por exemplo, nos encontros com Shug Avery, sua paixão maior, e até a violência masculina tão significativa para a trama, inclusive estupro.

O resultado é próximo do casto, o que soa ofensivo dado o histórico de censura ao livro, precisamente pelo retrato que apresenta do sexo.

"A Cor Púrpura - O Musical", de todo modo, arranca lágrimas, levanta o espectador em aplausos e cantos. Diversos quadros são arrebatadores, mesmo sem recorrer aos extremos de melodrama da conhecida versão para cinema.

Criada no Rio, é uma direção precisa e contundente de Tadeu Aguiar, bem dosada entre humor e o limite da tragédia.

Permite aflorar interpretações multifacetadas como aquela de Letícia Soares, que vive Celie, papel que nestas últimas duas décadas vêm fazendo o mesmo para atrizes na Broadway e pelo mundo.

Também a exuberante Shug Avery de Flavia Santana, que desarma preconceitos com sorriso; ou a engraçada e trágica Sofia de Lilian Valeska, na dupla que compõe com a rica comédia física do Harpo de Alan Rocha.

As baladas de lamento e de "chamado e resposta" compostas por Brenda Russell garantem que, individualmente ou em grupo, todos os protagonistas tenham seu grande momento, inclusive o vilão Mister de Sérgio Menezes.

Mas poucos superam os quadros musicais em que as vozes de Claudia Noemi, Erika Affonso e Suzana Santana se juntam no palco, como coro clássico, no caso, um trio de fofoqueiras.

"A Cor Púrpura" fecha pouco mais de um ano de produções musicais em que a cultura negra e sobretudo a qualidade dos intérpretes, como atores ou nas equipes de criação, tomou a boca de cena.

Vale para "Elza", ainda no ano passado, para "Dona Ivone Lara - Um Sorriso Negro", "Gota d'Água {Preta}", "Pretoperitamar" e agora o musical de Tadeu Aguiar, independente de ser franquia da Broadway.

Pode-se até vislumbrar, em seu apelo religioso, a possibilidade de que o avanço evangélico não seja monolítico ou reacionário. Que acabe com o tempo se mostrando, como nos EUA de origem, mais diversificado e aberto do que vociferam os pastores nos horários noturnos e políticos.

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