O painel branco ajuda a realçar as cores que compõem as roupas esfarrapadas dos cinco espantalhos que tomam o palco. Os fardos de feno dispostos no chão completam o cenário rural. A aparente simplicidade de "Farm Fatale", peça que faz parte da programação da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, porém, se desfaz a cada diálogo —em um passeio que vai da crise do ambiente aos problemas do liberalismo.
O futuro distópico proposto pelo dramaturgo francês Philippe Quesne tem início com o desejo de recriar um mundo no qual estão apenas seres sem vida. "A fábula é uma crítica sobre o desaparecimento dos seres humanos a partir de questões ligadas à natureza, como o crescimento do uso de produtos químicos. Os espantalhos, com essa aparência de palhaço contemporâneo, afastam o espetáculo do realismo e o aproximam da ficção científica", comenta o autor.
"Farm Fatale" foi criada por Philippe Quesne no ano passado para ser exibida em Munique. A peça é a segunda produção do francês para a companhia Münchner Kammerspiel —a primeira foi "Caspar Western Friedrich", de 2016, que também aborda reflexões do homem em relação à natureza, com influências do cinema ocidental e da obra do pintor Caspar David Friedrich.
"Abordo a ameaça ecológica ao planeta e a difícil reconciliação do homem com a natureza há 15 anos. São discussões sobre o apocalipse, a destruição e o esgotamento dos recursos, sempre com uma questão de utopias", explica Quesne.
Na história, o trágico e a comédia se misturam durante a programação de uma rádio criada pelos espantalhos para reproduzir sons de animais, rios e ventos. A linha tênue entre o absurdo e a realidade tem sido a busca do autor em seus trabalhos, que abusam de referências a Shakespeare, aos alemães Novalis e Rainer Maria Rilke e ao italiano Emanuele Coccia. "São espantalhos com muita cultura", brinca.
Mesmo criticando o modo como o ser humano se relaciona com o planeta, Quesne não tem uma visão catastrófica. "Precisaremos inventar outros modos de existência. Uma reinvenção que nos faça capazes de nos colocarmos no lugar de uma pedra, de uma árvore, de um pássaro."
Mas, ao desembarcar no Brasil e olhar a relação do governo com o planeta, ele acredita que o país faz parte de um fenômeno mundial de cerceamento da cultura.
"Há um abandono por parte dos políticos em relação à necessidade de cultura e arte", critica. "É importante que artistas transmitam uma mensagem poética e, portanto, política."
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