Galerias se unem contra a feira SP-Arte para reaver dinheiro de edição cancelada

Evento acusado de recusar negociações anunciou que ficaria com parte dos valores pagos, mas afirma estar dialogando

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São Paulo

Cerca de 80 das 159 galerias de arte e design que participariam da SP-Arte neste ano se uniram para exigir a devolução de seus investimentos na feira, suspensa por causa da pandemia do novo coronavírus.

Em comunicado enviado no início do mês, a SP-Arte tinha informado que só devolveria aos expositores um terço da quantia que eles deviam –os outros dois terços seriam usados para pagar pela montagem do evento, em curso quando ele foi cancelado, e para adiantar o aluguel de um estande no ano que vem, respectivamente.

Uma participação na feira começa nos R$ 50 mil e pode ultrapassar os R$ 100 mil. Na avaliação dos galeristas, dois terços de quantias dessa grandeza podem significar a sobrevivência ou não de muitas casas durante a pandemia, em especial daquelas menores.

Além disso, eles dizem que, num cenário de incerteza como o atual, não faz sentido oferecer como compensação um desconto numa feira futura. "As pessoas não sabem se vai ter feira ou se estarão vivos no ano que vem", diz Paulo Kuczynski, do escritório de arte de mesmo nome.

As negociações com a SP-Arte são conduzidas por duas entidades de classe, a Abact, Associação Brasileira de Arte Contemporânea, e a Agab, Associação de Galerias de Arte do Brasil. Presidente da primeira, Luciana Brito conta que as conversas começaram há exatas três semanas, assim que a notificação da SP-Arte chegou.

Então, elas tinham oferecido que apenas as casas mais robustas tivessem uma parte do investimento retido. Enquanto espaços menores, considerados mais vulneráveis à crise do coronavírus, seriam eximidos de qualquer pagamento, os de arte contemporânea e do mercado secundário, que lida com trabalhos vindos de coleções anteriores, pagariam 5% e 10%, nesta ordem.

Diante da recusa da SP-Arte de avançar nas negociações, no entanto, a proposta caiu. Agora, segundo Brito, a conversa foi assumida por advogados.

Diretor da Agab, Ulisses Cohn afirma que o imbróglio gira em torno de uma questão conceitual. Enquanto a feira enxerga as galerias como sócios que, portanto, teriam que tomar parte no prejuízo, elas, por sua vez, alegam que são clientes de uma empresa independente.

Outros galeristas criticam ainda a forma como a SP-Arte tem conduzido a situação. Além da falta de transparência em relação a valores —alguns expositores afirmam desconhecer, por exemplo, o tamanho do prejuízo ocasionado pelo cancelamento—, sua diretora, Fernanda Feitosa, é vista como intransigente, irredutível.

Em nota, Feitosa afirmou que os números que concernem ao cancelamento foram expostos às entidades Abact e Agab. Também disse que a qualificação de sua conduta como inflexível "não procede", e lista as quatro reuniões realizadas entre as partes, além de contatos nesta semana como prova disso. "O tema é complexo e requer múltiplas interações tanto nossas como de nossos assessores."

Enquanto isso, um galerista que preferiu não se identificar afirmou que a diretora da SP-Arte está negociando individualmente com espaços menores e oferecendo devolver parte do dinheiro deles de volta. A estratégia é vista por ele como desleal com o restante da classe, que negocia como um bloco.

Sobre a acusação, Feitosa respondeu que, em respeito ao pedido de certos galeristas e das associações, os diálogos estão se dando com os interlocutores das entidades. Mas, continua, "não irei me omitir de conversar com clientes e amigos quando procurada, como é muito comum", embora ressalte que nenhuma dessas conversas constitui um processo de negociação.

"Desde que criamos a SP-Arte, sempre balizamos nossas condutas e ações dentro da absoluta legalidade, e não seria nesse momento extremo de crise, que afeta a todos, que nos afastaríamos desses valores", afirma a diretora em nota.

"Reforço que tendo em vista nosso comprometimento com nossos clientes e com o setor, estamos dispostos e engajados para discutir formas de composição para mitigar os prejuízos de todas as partes, continuamos nessa incessante busca de uma alternativa que vise conciliar os interesses de todos, principalmente os mais vulneráveis, que sofrem com esse momento tão duro e que atinge a sociedade como um todo."

"É uma coisa arbitrária o que ela está fazendo. Todas as feiras do mundo assumiram as perdas e devolveram o dinheiro", diz Luisa Strina, uma das mais poderosas do mercado de arte nacional. Ela menciona a Art Basel que, em nota enviado no início da semana, garantiu que devolveria o dinheiro dos expositores integralmente caso nenhuma de suas feiras deste ano venha a acontecer.

"O que a feira está deixando de perceber é que, ao não retornar esse dinheiro, ela põe em risco não apenas a sobrevivência desta ou daquela galeria, mas de toda uma cadeia alimentar que vai de vendedores a artistas", afirma Thiago Gomide, da Bergamin & Gomide. "Por mais que a feira esteja numa situação difícil, ela precisa pensar no setor como um todo. Porque pode ser que no ano que vem não haja mais cem galerias, mas só 60."

"Infelizmente, parece não haver a compreensão de que uma feira só existe em função das galerias", diz Karla Osorio, da galeria de mesmo nome, em Brasília. "Nesses 15 anos de existência, a SP-Arte conseguiu uma coisa impensável, que foi a união do setor. A pena é que seja contra ela. Nossa esperança é de que isso seja percebido a tempo de ser resolvido em benefício de todo o setor."

É a esperança também daqueles à frente das negociações, os presidentes da Abact e da Agab, que afirmam querer que ela continue como um dos pilares do cenário artístico do país. Brito diz inclusive que anseia por uma resolução do conflito já na semana que vem.

Caso o embate se estenda, no entanto, profissionais do setor temem que ele prejudique o clima da próxima feira, contaminando tanto a vontade dos galeristas de construir estandes vistosos quanto o apetite dos colecionadores.

Sem falar que, por causa da crise do coronavírus, é possível que a feira já saia esvaziada no ano que vem. Luisa Strina, por exemplo, afirma que diminuirá de oito para dois o número de eventos do tipo de que participará. "Eu vou fazer a Art Basel e outra feira onde sou bem tratada."

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