Impacto do coronavírus na cultura será de mais de R$ 100 bilhões, diz especialista

Preocupação mais urgente é evitar falência de empresas do ramo e proteger trabalhadores informais

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São Paulo

Para a economia criativa se recuperar do impacto do novo coronavírus, não bastam linhas de crédito subsidiados. É preciso investir dinheiro público num plano do governo específico para o setor. É o que propõe João Luiz de Figueiredo, coordenador do mestrado profissional em gestão de economia criativa da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM.

Figueiredo estima que o prejuízo na área, que responde por 2,64% do PIB brasileiro, pode ultrapassar os R$ 100 bilhões. Agora, porém, a maior preocupação deve ser impedir a falência das empresas do ramo. Elas ocupavam 5,2 milhões de pessoas em 2018, segundo o IBGE.

homens em contraluz carregam equipamentos no palco
Funcionários trabalham na montagem do palco para o Show da Virada na avenida Paulista - Rivaldo Gomes - 30.dez.2019/Folhapress

Boa parte dos profissionais do campo trabalha por projeto, e não têm vínculos formais de trabalho. De todos eles –a economia criativa, afinal, engloba áreas tão diversas quanto moda, tecnologia e mídias–, os mais prejudicados serão aqueles que trabalham diretamente com a cultura, em especial em atividades que dependem de aglomerações, como teatro e shows, diz Figueiredo. Isso porque o fluxo de caixa delas é mantido por meio das bilheterias, que estão paradas desde que as apresentações foram interrompidas.

Segundo um estudo da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos, a Abrape, divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta quinta (2), 51,9% dos eventos programados para este ano no Brasil foram cancelados, adiados ou estão em situação incerta. A entidade calcula que as perdas somem R$ 90 bilhões quando a conta inclui o impacto indireto dos eventos.

Para Silvia Finguerut, coordenadora de projetos da Fundação Getulio Vargas, a FGV, a crise causada pelo coronavírus pode significar ainda o êxodo em massa de trabalhadores da área. Ela os descreve como indivíduos melhor remunerados do que a média nacional, para quem os R$ 600 propostos pelo governo para amenizar o impacto da pandemia sobre os informais não serão suficientes.

"O montador de palco vai voltar a erguer andaimes na construção civil, o produtor de eventos buscará outros rumos. E vamos perder essa parte do mercado que, a muito custo, conseguimos formar e amadurecer", diz ela.

"É um setor muito frágil", afirma Figueiredo. "Se a quebradeira não for evitada, não haverá base produtiva capaz de responder à volta da demanda."

Os dois especialistas avaliam que as linhas de crédito subsidiadas, lançadas pelos governos estaduais de São Paulo e do Rio de Janeiro nas últimas semanas, minimizam o problema, mas não o solucionam.

As de microcrédito, como aquelas de juros de 0,25% ao mês para limites de até R$ 21 mil oferecidas pelo estado fluminense, e de juros de 0,35% ao mês para valores até R$ 20 mil disponibilizadas pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, "são quase uma caridade", diz Finguerut. "Elas serviriam para reativar o negócio, mas, com todo mundo em casa, sem público, não há como fazer isso."

Além disso, continua a coordenadora de projetos da FGV, ao fim do período de isolamento social, a população não conseguirá consumir o dobro de cultura, seja por seus orçamentos estarem mais limitados, seja por hábito. Uma pessoa que gosta de teatro, por exemplo, não passará a assistir a mais peças por semana depois da quarentena.

Isso sem falar na possibilidade de que a população tenha medo de voltar a frequentar esses espaços. Figueiredo prevê a reabertura de locais como teatros e casas de shows para daqui a três meses no mínimo, e seis meses no máximo. "E, quando falo de retomada, é parar de piorar. Só vamos retomar o crescimento desses setores no ano que vem."

Por causa disso, diz o professor, o governo federal precisa desenhar uma política setorial para a cultura, incluindo planos para empresas de todos os tamanhos e um calendário de editais para desenvolvimento de projetos, permitindo a manutenção, mesmo que mínima, da oferta de produtos culturais. A injeção direta de capital também deve ser feita por municípios e estados.

A solução esbarra, porém, na gestão de Jair Bolsonaro, que, desde que assumiu a Presidência, entrou diversas vezes em conflito com a cultura. "Ele tem procurado controlar a capacidade criativa, quando precisamos de políticas que a libertem", diz o professor.

"A cultura não pode ser entendida só como diversão. Ela não só contribui para a renda, como é cada vez mais decisiva para potencializar a inovação nos países."

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