Descrição de chapéu The New York Times Cinema

O coronavírus está vencendo a batalha contra os 'palácios do cinema' dos EUA

Crise também atinge a grande dama dos cinemas de Los Angeles, o Chinese Theater Imax

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Los Angeles | The New York Times

Eles sobreviveram à Grande Depressão, quando os ingressos custavam dez centavos de dólar. Nem terremotos e nem incorporadores imobiliários ambiciosos foram capazes de derrubá-los. Ao longo das décadas, eles suportaram a ascensão dos videocassetes e a indignidade de exibir “Cats”.

Mas a pandemia do coronavírus —pelo menos até agora— está levando a melhor sobre os chamados "palácios do cinema" que restam em Los Angeles, pelo menos um dos quais, o Chinese Theater, aberto 93 anos atrás, com suas altas colunas vermelhas e ousado teto acobreado em forma de pagode, serve como representação mundial de Hollywood.

Todos esses cinemas —aqueles de rua e com arquitetura rebuscada— estão fechados há mais de um mês, assim como as demais salas dos Estados Unidos. Um total de 5.548 cinemas fantasmagoricamente vazios, que só podem adivinhar quando (junho, julho, agosto?) seus projetores voltarão a se acender.

Hollywood continua a acreditar na magia de assistir a filmes no escuro em companhia de desconhecidos.

“A experiência comunal é parte daquilo que somos como seres humanos”, disse Thomas Rothman, presidente do conselho da divisão cinematográfica da Sony. "As pessoas ressurgirão, no final disso, com mais apreço pela experiência. Tenho certeza disso.”

Veremos.

Enquanto isso, as salas de cinema clássicas espalhadas por Los Angeles —monumentos ao romantismo do cinema ostentando as velhas fachadas luminosas— aguardam seu destino em silêncio. Algumas são sobreviventes temperadas pelos infortúnios do passado, tendo passado a oferecer música ao vivo para pagar as contas quando o cinema deixou de fazê-lo. Algumas parecem frágeis, como que agasalhadas contra uma ameaça invisível. Outras parecem desafiadoras: tente me escurecer, se tem coragem.

Um vagabundo sentimental (Charlie Chaplin) se apaixonou por uma florista cega (Virginia Cherrill) na noite em que o Los Angeles Theater foi inaugurado, em 1931. Sediar a estreia de “Luzes da Cidade” foi uma iniciação apropriada para uma parte de Los Angeles concebida para exsudar sofisticação: arquitetura barroca francesa, um saguão espelhado como os de Versalhes, iluminação com neon azul no piso. O cinema, como o Orpheum, uma construção com fachada beaux-arts no mesmo bairro, ainda continua a exibir filmes ocasionalmente, mas em geral serve como espaço musical.

Construído em 1963, quando os proprietários de salas de exibição se preocupavam com a possibilidade de que os televisores tornassem o cinema irrelevante, o Cinerama Dome, com 800 lugares, tem uma tela fortemente curva com 26 metros de largura —o suficiente para absorver completamente a visão periférica do espectador. A sala, que fica na Sunset Boulevard, no coração de Hollywood, em geral é frenética. Abriga estreias de filmes e sua especialidade são os “blockbusters”.

Já o pobre Wiltern teve uma vida mais difícil.

Inaugurado como cinema em 1931, como Warner Bros. Western Theater, ele foi um verdadeiro cartão postal de Hollywood, em seus primeiros anos. Clark Gable e Joan Crawford chegavam para estreias, holofotes instalados sobre a fachada lançavam fachos luminosos para o céu noturno.

Mas novos proprietários —que mudaram o nome do cinema para Wiltern, combinando os nomes das duas ruas em cuja esquina ele fica (Wilshire e Western), no que hoje é o bairro de Koreatown— não mantiveram a fachada azul e verde e o elegante interior art déco.

O cinema quase foi demolido duas vezes, na década de 1970. Nos anos 1980, passou por uma reforma, e hoje abriga shows de bandas indie.

O Crest, que fechou as portas há muito tempo —no passado conhecido como Majestic Crest— assombra Westwood Village, quase como se fosse cenário de um filme noir. Não está vivo. Mas tampouco está completamente morto. Esperando que alguém faça o tempo voltar.

A Universidade da Califórnia em Los Angeles adquiriu o Crest, construído 79 anos atrás, em 2018, de Susan Bay Nimoy, para honrar seu marido, o ator Leonard Nimoy, morto em 2015. A universidade espera reinaugurar o local como um espaço de artes cênicas, em 2022.

Na famosa Sunset Strip, a fachada do Roxy, hoje uma casa de música, tomou emprestada uma mensagem do cinema. “Touch-A, Touch-A, Touch Me” (toque-me), que Susan Sarandon canta com boa dose de luxúria em “The Rocky Horror Picture Show”, de 1975, foi reescrita para era do coronavírus.

Outras fachadas de cinemas mostram jogadas semelhantes, entre as quais “Encontros Imediatos de Nenhum Grau” e “Vamos Precisar de Um Barco Maior”.

Quentin Tarantino comprou o Beverly em 2007 para salvá-lo da demolição. Desde então, o cinema se tornou ponto de encontro essencial para os cinéfilos, exibindo clássicos como “O Último Chá do General Yen”, estrelado por Barbara Stanwyck, que esteve em cartaz recentemente, e alguns lançamentos.

“Era Uma Vez... em Hollywood”, de Tarantino, teve 55 sessões lotadas consecutivas, na sala, na metade do ano passado.

Outras máquinas do tempo localizadas na área incluem o Fairfax, de 163 lugares, reinaugurado em dezembro com “Joias Brutas” e um rabisco em neon verde na fachada, depois de quase dois anos de fechamento. Antes, a sala exibia filmes mudos, e tinha sofás em vez de cadeiras.

Filmes estrangeiros e documentários são a especialidade do Music Hall, que mudou de proprietário no ano passado. O cinema foi inaugurado em 1937.

Sentimos falta de muitos deles. As décadas de carreira do Hayworth como cinema se encerraram em 1985, quando a sala exibia filmes clássicos. “Os filmes gravados em vídeo da TV acabaram comigo”, disse Tom Cooper, então proprietário do cinema, ao jornal The Los Angeles Times, quando do fechamento.

Batizado em homenagem a Rita Hayworth, o antigo cinema abrigou uma igreja evangélica por algum tempo. Hoje é uma casa de comédia.

Por fim, a grande dama dos cinemas de Los Angeles, o TCL Chinese Theater Imax (para usar o nome formal nada glamoroso que a casa ganhou depois de um acordo de branding). Turistas costumam lotar seu pátio, onde lendas de Hollywood deixaram marcas de suas mãos no concreto.

O Chinese, de 932 lugares, inaugurado em 1927 com “O Rei dos Reis”, de Cecil B. DeMille, continua a ser o local de estreia mais procurado em Hollywood. É lá que os fãs de “Star Wars” acampam por dias inteiros à espera da estreia de cada novo episódio. É lá que modelos de biquíni dançaram sobre carros esporte para sinalizar a chegada de “Velozes e Furiosos 7”.

É lá que, por mais de nove décadas, os filmes entretiveram, educaram e inspiraram. E é lá que um dia voltarão a fazê-lo.

Tradução de Paulo Migliacci

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