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Televisão

'Pantanal' faz 30 anos e seu ritmo lento espelha a época de coronavírus

Há três décadas estreava um dos maiores clássicos das novelas brasileiras, escrito por Benedito Ruy Barbosa

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Não temos nem novela nestes tempos sombrios, então vamos ao YouTube ver o primeiro capítulo de “Pantanal”, que foi ao ar há 30 anos, em 27 de março de 1990. É intrigante relembrar esse clássico da teledramaturgia bem agora, em que o mundo parou em razão do coronavírus, e o tempo se arrasta.

A vida corre sem pressa nas cenas escritas por Benedito Ruy Barbosa e dirigidas por Jayme Monjardim, e essa é uma das características que fez da trama um marco da televisão brasileira.

São tomadas e tomadas das árvores, do nascer e do pôr do sol, do céu com nuvens alaranjadas, rosadas, brancas, cinzas. O tuiuiú voa em câmera lenta, pousa no galho da árvore e toma o lugar da garça, que dá um rasante no rio. O berrante toca, o gado ruma para um lado da tela, depois para o outro, e o close mostra o olhar profundo dos bichos. Logo vêm mais e mais imagens aéreas da mata cortada por rios.

Enquanto a calmaria conquistava o telespectador, era um corre corre nos bastidores de “Pantanal". Benedito Ruy Barbosa, que escrevia as novelas das seis na Globo, havia proposto essa história para o horário nobre da emissora, que a recusou, considerando alto o custo das filmagens na região. O autor recebeu de Monjardim, então diretor da TV Manchete, o convite para levar o projeto para a concorrente.

Com a produção instalada em fazendas de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, e uma estrutura que incluía avião bimotor para transportar o elenco e, assim, gravar os capítulos diariamente, a novela ultrapassou a audiência da Globo, que imperava na teledramaturgia desde os anos 1970.

Também ex-Globo, Monjardim inovou ao imprimir uma linguagem cinematográfica à trama, com planos abertos, cortes lentos, cenas áreas e longos períodos de silêncio das personagens.

Na tentativa de reagir, a Globo mudou até a grade de programação, estreando um novo horário de novelas, mas o telespectador não queria mais deixar de contemplar as paisagens pantaneiras e os banhos de personagens nus nos rios, em especial os de Juma, a mulher que virava onça e fez da atriz Cristiana Oliveira uma celebridade.

Sucesso de ibope, de merchandising e de crítica, “Pantanal” ainda daria algum fôlego à teledramaturgia da Manchete, que na sequência exibiu “A História de Ana Raio e Zé Trovão”. Mas os ventos logo voltariam a soprar na velha direção. A Globo recontratou Benedito Ruy Barbosa e Monjardim e voltou ao domínio da audiência. Já a TV Manchete faliu em 1999, com a novela, “Brida”, interrompida sem um final.

Nestes últimos 30 anos, muito se discutiu sobre o formato da telenovela em meio às novas ofertas de conteúdo de séries na TV fechada e no streaming. O respiro contemplativo de “Pantanal” ficou no passado, dando lugar a um ritmo cada vez mais acelerado, com cortes e diálogos rápidos, em uma linguagem de videoclipe.

O telespectador corre para lá e para cá, ninguém tem tempo para nada, e a TV espelha essa loucura que a vida se tornou. Mas eis que, três décadas depois da estreia de “Pantanal”, estamos em casa, tendo de reaprender a lidar com o passar das horas, e contemplar voltou à moda.

Em uma declaração sobre o sucesso da novela, Benedito Ruy Barbosa certa vez afirmou “o espectador relaxou em frente da TV com paisagens deslumbrantes e uma história simples”. O que mais podemos querer para hoje?

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