Teatros da Broadway exibem cartazes de peças que talvez nunca estreiem

Fechado há um mês por causa do coronavírus e sem previsão de reabrir, distrito precisará de tempo para se recuperar

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Michael Paulson
Nova York | The New York Times

Um mês depois que a Broadway fechou as portas, decidi fazer uma caminhada.

O teatro é minha área de atuação. Times Square é o meu território. E tudo está transformado.

A primeira coisa que percebi, depois de semanas de afastamento, foram as ausências. Os músicos de rua usados para promover as peças desapareceram. O mesmo vale para os mendigos fantasiados, o Caubói Nu, os falsos monges, as excursões escolares e os bastões para selfies. Os atores, os contrarregras, os bilheteiros e os espectadores, todos desapareceram.

Em seguida comecei a perceber presenças. Os espetáculos continuam lá – ou pelo menos suas cascas vazias. O distrito se tornou uma espécie de floresta petrificada, fossilizada no dia 12 de março.

“Agora em cartaz”, diz uma placa no Longacre Theater promovendo o musical “Diana”, sobre a princesa britânica, que definitivamente não está em cartaz. “Prévias a partir de 13 de março”, diz uma placa no teatro Hudson para promover a nova montagem de “Plaza Suite”, estrelada por Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick, cujas prévias não começaram naquele dia. Ou qualquer outro.

É difícil dizer qual era a cena mais perturbadora: as fachadas dos teatros às escuras, como que reconhecendo que ninguém estará lá para ver as luzes, ou aquelas que continuam acesas, com lixo arrastado pelo vento varrendo as calçadas diante de transeuntes apenas ocasionais.

Na lateral do Samuel J. Friedman Theater, um telão continua a exibir interruptamente um vídeo que promove uma peça “off-Broadway” chamada “The Perplexed”, cuja produção foi cancelada quando os teatros fecharam.

Existe beleza, é claro; na ausência das multidões, é mais fácil perceber a grandeza arquitetônica. Mas o bairro parece irrequieto e perturbador –todos aqueles telões digitais, piscando insistentemente; um manifestante pró-Trump usando uma máscara de Coringa, protestando solitário e aos gritos; o abrigo de papelão de um morador de rua montado sob a marquise do teatro que exibe “The Lehman Trilogy” (a trilogia Lehman), um drama sobre a crise financeira de 2009.

Ninguém sabe quando a Broadway voltará a funcionar, mas não será logo; no terceiro trimestre? No quarto trimestre? No ano que vem? O que fica claro é que um setor que costuma agrupar muita gente em espaços pequenos, que depende de turistas e de idosos para manter seus assentos ocupados, que representa um risco para os investidores e um passatempo caro para os fãs, vai precisar de tempo para se recuperar.

Postei algumas fotos de minha caminhada no Twitter e poucos dias depois voltei à Broadway acompanhado por um fotógrafo, ambos usando máscaras. Eis o que vimos.

Sobre o Booth Theater encontramos uma espécie de lápide: a placa às escuras promovia uma nova montagem de “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” que foi cancelada antes de estrear. A produção, estrelada por Laurie Metcalf e Rupert Everett, fez nove dias de apresentações prévias antes da paralisação. Os produtores anunciaram que ela não será retomada quando a Broadway reabrir.

O fotógrafo que me acompanhou, David Allee, estava usando uma lente cuja função é o controle de perspectiva. O trabalho dele mostra afinidade pela geometria, e ele se sente atraído por tomadas em linha reta que isolam os teatros daquilo que os cerca. Adoro o aspecto formal de suas fotos –a maneira pela qual elas atraem meu olhar para janelas, tetos, arcos e frontões.

Cada um daqueles teatros tinha uma história a contar, uma jornada interrompida a narrar. Um exemplo: “Six”, um musical pop britânico sobre as mulheres do rei Henrique 8º, estava a apenas 90 minutos de sua estreia, no teatro Brooks Atkinson, com convidados vindos de Londres e uma grande festa de abertura esperando no centro da cidade, quando a Broadway suspendeu as operações.

Eis algo que você não costuma ver: a escadaria vermelha do quiosque de venda de ingressos da TKTS, completamente vazia. Agora, ela está bloqueada por barricadas.

“Plaza Suite” estava a um dia da estreia no Hudson.

O coronavírus contagiou o elenco de “Moulin Rouge”, no Teatro Al Hirschfeld. O ator Danny Burstein, cuja foto pode ser vista na coluna direita, disse que achou que ia morrer no hospital, quando foi internado com a Covid-19.

O TKTS desafiando os prognósticos e prometendo reabertura em 13 de abril mesmo depois que essa data passou.

O saguão do Circle in the Square mostra um búfalo melancólico, à espera da retomada de uma nova produção de “Búfalo Americano”, de David Mamet. Na porta ao lado, o Teatro Gershwin, onde “Wicked” está em cartaz desde 2003, ainda reluz um brilho esverdeado.

Há lembretes de possibilidades. No Teatro Neil Simon, a fachada anuncia “MJ”, um musical biográfico sobre Michael Jackson que vai, ou ia, estrear em prévia na metade do ano.

Mas no Teatro John Golden, cartazes anunciam “Hangmen” (carrasco), uma comédia sombria de Martin McDonagh. Depois de 13 prévias e do fechamento dos teatros, os produtores decidiram que não fazia sentido financeiramente tentar resistir a um fechamento por prazo indefinido. Será exagero lembrar que a peça fala de um carrasco?

Sempre amei a vista da West 45th Street, com sua fila de cartazes verticais identificando os teatros e a estonteante variedade de espetáculos que eles abrigam. Mas não consigo deixar de imaginar: que sucessos duradouros terminarão cancelados? Que novas produções serão abandonadas sem estrear?

Como acontece com relação a muita coisa mais hoje em dia, há muito mais perguntas do que respostas.

Tradução de Paulo Migliacci

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