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Esvaziamento da ordem civilizatória define o nosso tempo, escreve intelectual italiano

Em livro brilhante, Roberto Calasso traça painel multifacetado com visões de personalidades sobre a contemporaneidade

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Ricardo Lísias

O Inominável Atual

  • Preço R$ 89,90 (184 págs.)
  • Autor Roberto Calasso
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Federico Carotti

Roberto Calasso sabe que o mundo contemporâneo exige versatilidade. O intelectual italiano já publicou uma leitura de textos védicos, um ensaio sobre mitologia grega, um estudo sobre a obra de Baudelaire e agora lança uma reflexão sobre o mundo hoje. O título não poderia ser mais eloquente —“O Inominável Atual”.

Citando Samuel Beckett, ele importa a consciência de que é impossível apreender o próprio objeto e ao mesmo tempo a certeza de que é necessário fazer isso. Para tanto, adota um artifício eficaz e usa o talento de editor para criar uma antologia de textos publicados por escritores, políticos e personalidades. Compõe um painel multifacetado pela natureza, mas unitário pelo tema.

A princípio, portanto, não descreve o inapreensível atual.

A coletânea começa em 1933 e chega até maio de 1945, com o russo Vassily Grossman entrando no bunker de Hitler. A constatação do experimento de Calasso é tão evidente quanto sua advertência. Se tivesse apagado datas e autores, só não acharíamos que os trechos são contemporâneos porque o estilo mudou muito.

Uma antologia de observações sobre o tempo presente seria um amontoado de artigos ligeiros, quem sabe romances curtos e declarações de artistas em redes sociais. Quanto aos políticos, teríamos quase que só notas de repúdio.

A antologia é a parte central do livro. Antes, Calasso compõe um ensaio fragmentário que procura cercar “as arestas de um objeto que ninguém conseguiu ver em sua completude, este é o mundo normal”.

A partir daí, o ensaísta busca pontos de luz nas décadas que partem do final da Segunda Guerra e chegam ao terrorismo contemporâneo. Segundo ele, “a chaga da democracia é a possibilidade de chegar ao poder, por vias legais, quem se propõe a abolir a própria democracia, como aconteceu com Hitler em 1933”. E democracias consolidadas que apoiam governos populistas estão, do mesmo jeito, colaborando para a escalada autoritária.

Calasso percebe que esse esvaziamento da ordem civilizatória leva à palavra que define nosso tempo —inconsistência. A fragilidade chegou ao poder e para se manter só pode usar o recurso que destrói significados e que muitos governantes manipulam bem, a violência.

A terceira parte do livro tinha de ser curta para deixar o recado bem claro. Por isso, Calasso inverteu a ordem —primeiro o que aconteceu nas últimas décadas, depois o que os intelectuais achavam do nazismo. Termino aderindo ao seu estilo, até para dizer que acho o livro brilhante. No geral, as pessoas só percebem que o nazismo chegou quando é tarde demais. É exatamente o que acontece hoje.

Ricardo Lísias é escritor, autor de ‘A Vista Particular’

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