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Entenda como um pequeno editor criou uma ferramenta que desafia a Amazon

Em meio à pandemia do novo coronavírus, livreiros se uniram no serviço Bookshop para evitar prejuízo

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Nova York | The New York Times

Em janeiro, quando Andy Hunter, diretor de uma pequena editora, criou uma loja de livros online que ele apresentou como alternativa independente à Amazon, muita gente no ramo dos livros expressou dúvida.

Esforços anteriores para criar um portal para os vendedores de livros independentes pouco haviam feito para reduzir a fatia de mercado da Amazon, e mesmo grandes cadeias de varejo como a Barnes & Noble estavam encontrando dificuldades para competir.

A impressão de Hunter era a de que existia uma oportunidade inexplorada. Conquistar mesmo que só uma fração das vendas normalmente realizadas pela Amazon poderia ser uma oportunidade inesperada de faturamento para as lojas independentes, que receberiam uma parte do lucro do site.

Hunter disse aos investidores que, dentro de dois anos, seu site, chamado Bookshop, atingiria um movimento anual de US$ 30 milhões, equivalente a cerca de R$ 160,3 milhões, projeção que muitos observadores viam como absurdamente otimista.

Andy Hunter, fundador da Bookshop.org, fora da Word Bookstore no Brooklyn
Andy Hunter, fundador da Bookshop.org, fora da Word Bookstore no Brooklyn - Brittainy Newman / The New York Times

Mas em março a pandemia do coronavírus forçou o fechamento das livrarias em todo o território dos Estados Unidos. Centenas de livreiros, muitos dos quais estavam impedidos de entrar em suas lojas para atender a pedidos feitos online ou por telefone, aderiram ao novo site.

Agora a Bookshop está a caminho de exceder os US$ 40 milhões, ou R$ 213,8 milhões, em vendas neste ano, bem acima do valor que Hunter esperava inicialmente atingir até 2022. O site vendeu US$ 4,5 milhões, ou R$ 24 milhões, em livros, em maio, e mais de US$ 7 milhões, ou R$ 37,4 milhões, nas duas primeiras semanas de junho.

Mais de 750 livrarias aderiram, e o Bookshop gerou mais de US$ 3,6 milhões, ou R$ 19,2 milhões, em receitas para elas. A companhia está se preparando para expandir suas operações ao Reino Unido, no final deste ano, onde planeja formar uma parceria com a Gardners, uma companhia de comércio atacadista de livros.

“Havia muita gente cética sobre se isso funcionaria”, disse Bradley Graham, um dos donos da Politics & Prose, uma livraria de Washington. “O Bookshop certamente funcionou muito melhor do que qualquer pessoa havia antecipado, porque ninguém havia antecipado uma pandemia.”

Há quem imagine se o Bookshop continuará viável no ecossistema do comércio online quando as lojas começarem a reabrir, e os fregueses que recorreram ao site durante o período de quarentena voltarem a visitar as lojas, ou a fazer pedidos e apanhar encomendas nelas.

Enquanto isso, a Amazon, que responde por cerca de 70% das vendas totais de livros online, reforçou ainda mais sua posição como maior companhia de varejo online do planeta. A companhia reportou US$ 75,5 bilhões, ou R$ 403,6 milhões, em vendas durante seu mais recente trimestre fiscal, uma alta de 26% ante o resultado do ano anterior.

Hunter está otimista quanto ao potencial de crescimento de seu site quando a pandemia acabar. A Associação Americana de Livreiros tem mais de 1.800 lojas integrantes, e cerca de 40% delas começaram a usar os serviços do Bookshop.

Também existe mais terreno a conquistar junto aos consumidores. Só 21% dos consumidores que compram livros em lojas independentes já tinham ouvido falar do Bookshop, de acordo com uma pesquisa conduzida pelo Codex Group com mais de 4.000 respondentes, no final de abril.

“Se o site perdurar e a expansão se estender para além do período de crise causado pela Covid, ele vai realmente ajudar as livrarias a encontrar mais prosperidade”, disse Hunter.

Nem todo mundo vê a expansão do Bookshop como vantagem para as livrarias independentes. Na semana passada, numa reunião setorial virtual organizada pela Associação Americana de Livreiros, alguns membros questionaram se o Bookshop não estaria capturando clientes em um momento no qual as lojas precisam de cada venda que conseguirem.

Hunter disse que o site foi montado de forma a capturar vendas que costumam ser realizadas pela Amazon, e não as das livrarias independentes.

“Se algum dia sentirmos que estamos prejudicando as vendas das livrarias independentes, de qualquer maneira que seja, nós mudaremos de rumo”, ele disse, de acordo com uma reportagem sobre a reunião na revista Publishers Weekly.

Alguns donos de livrarias se irritaram com a maneira pela qual o site vem sendo exaltado como a salvação do setor.

“Há um perigo significativo de que as pessoas pensem que isso está salvando as livrarias”, disse Brad Johnson, dono da East Bay Booksellers, em Oakland, no estado da Califórnia. “Se as pessoas têm em mente a ideia de ajudar as livrarias, deveriam fazer pedidos diretamente às lojas.”

Johnson, que tem uma página no Bookshop mas em geral vende diretamente aos consumidores por meio do site de sua livraria, diz que não é provável que continue a operar por meio do Bookshop. Ele se preocupa com a possibilidade de que o serviço de comércio online se torne “mais um grande concorrente centralizado" neles.

Algumas livrarias optaram por evitar a plataforma. A Riffraff, que funciona como livraria e bar em Providence, no estado de Rhode Island, preferiu mudar o projeto gráfico de seu site a fim de facilitar as encomendas online, ao fechar temporariamente por causa do coronavírus em março, em vez de usar o Bookshop.

“Não queríamos correr o risco de perder nossos clientes para essa alternativa à Amazon que é muito conveniente e fácil de usar”, disse Emma Ramadan, uma das proprietárias da livraria.

Hunter teve a ideia para o Bookshop quase uma década atrás, quando trabalhava como editor-chefe da editora Electric Literature, uma organização digital que publica livros em formato eletrônico e sem fins lucrativos. Ele acompanhou atento as dificuldades das livrarias independentes para se ajustarem à ascensão do varejo online. Mas não encontrou grande apoio à proposta.

“As pessoas com quem conversei na verdade não acreditavam que minha ideia tivesse chance de dar certo, e por isso não a levei em frente”, disse ele.

Mais tarde, no começo de 2018, Hunter, atualmente editor chefe da Catapult, uma editora independente, e do site Lit Hub, se reuniu com representantes da Associação Americana de Livreiros. A organização setorial pediu sugestões a Hunter sobre como melhorar o IndieBound, seu site de comércio eletrônico para lojas independentes.

Em vez disso, ele propôs criar alguma coisa do zero –um site que ofereceria compra descomplicada de livros a consumidores que desejassem continuar a apoiar as livrarias locais. Os consumidores podem selecionar uma loja específica da qual comprar, ou podem fazer o pedido diretamente ao Bookshop.

Os pedidos são atendidos pela Ingram, uma grande distribuidora de livros, e enviados diretamente aos consumidores, e, portanto, as lojas não precisam ter os títulos em estoque ou administrar o processamento.

As livrarias recebem uma comissão equivalente a 30% do preço de tabela do livro –menos do que costumam receber em uma venda direta–, mas não precisam arcar com custos de estoque ou de entrega.

O Bookshop não lucra com as vendas realizadas por intermédio de lojas individuais. Em vez disso, fatura com as vendas diretas e de sites afiliados, quando organizações de mídia, clubes de leitura e sites de mídia social incluem links para o Bookshop em suas resenhas de livros ou outras formas de cobertura.

O site agora conta com mais de 8.000 afiliados, entre os quais o The New York Times, The New York Review of Books, BuzzFeed e a revista New York. O IndieBound, que opera um programa semelhante de vendas para seus afiliados, está fundindo suas operações às do Bookshop.

No caso de livros vendidos diretamente pelo Bookshop ou por intermédio das afiliadas de mídia, uma parcela de 10% é destinada a um fundo cujos proventos são distribuídos às livrarias independentes. Até o momento, o site já canalizou US$ 1 milhão, ou R$ 5,3 milhões, para esse fundo.

O lançamento praticamente coincidiu com a chegada da pandemia, que devastou as livrarias físicas. Em abril, as vendas das livrarias despencaram a US$ 219 milhões, ou R$ 1,1 bilhão, queda de mais de 65% ante o valor vendido em abril de 2019, de acordo com dados divulgados em 16 de junhho pelo Departamento do Comércio dos Estados Unidos.

Nos primeiros quatro meses deste ano, as vendas das livrarias caíram 23%, ante o mesmo período no ano passado.

Algumas lojas mal estão conseguindo sobreviver. Lisa Neuheisel, dona da Sequel Bookshop, em Kearney, no estado de Nebraska, fechou a loja para os consumidores em 22 de março e não tinha nenhuma forma de venda online disponível. Ela criou uma página para sua loja no Bookshop depois que viu uma mensagem de outro livreiro no Facebook contendo um link para o serviço.

O Bookshop respondeu por cerca de metade de suas vendas em abril e maio, com as restantes consistindo de pedidos retirados na porta da loja, disse ela. “As vendas no site foram um salva-vidas para nós."

Danielle Mullen assinou contrato com a Bookshop quando a pandemia a forçou a fechar sua loja
Danielle Mullen assinou contrato com a Bookshop quando a pandemia a forçou a fechar sua loja - Danielle Mullen

Danielle Mullen, dona da Semicolon, uma livraria aberta um ano atrás em Chicago, começou a trabalhar com a Bookshop na metade de março. Em abril e maio, o Bookshop respondeu por cerca de 70% dos 1.800 pedidos que a loja recebeu.

“Isso significou que pudemos continuar funcionando, e era só isso que estávamos tentando fazer”, disse ela.

Mais recentemente, Mullen registrou um pico de vendas por intermédio do Bookshop, com leitores buscando livros sobre raça e racismo, e interessados em apoiar empresas de proprietários negros. Este mês, a Semicolon vendeu cerca de 30 mil livros sobre o assunto por meio do site, em apenas alguns dias, um volume de pedidos que teria sido difícil de processar por conta própria, ela disse.

Com o crescimento do Bookshop, emergiu um debate sobre quem se beneficiaria do serviço. As lojas que aderiram incluem lojas de revistas em quadrinhos e lojas de presentes instaladas em museus, que têm alguns livros à venda.

Em março, Jeff Waxman, que trabalhava como vendedor de livros em tempo parcial na Word, uma loja independente com filiais no bairro do Brooklyn em Nova York, e na cidade de Jersey City, no estado de Nova Jersey, ficou sem trabalho.

Ele procurou outros vendedores que estavam licenciados sem remuneração ou que tinham sido demitidos e propôs que eles se unissem e criassem uma página no Bookshop na qual poderiam recomendar livros em forma de “sugestões do lojista” e receber uma comissão em caso de vendas.

Waxman voltou a trabalhar na Word, em seguida, e não está mais recebendo comissões pessoais da página coletiva no Bookshop. Ele não tem a intenção de desviar dinheiro que normalmente seria destinado às livrarias, disse, mas queria encontrar uma maneira de ajudar os trabalhadores desempregados.

“Que estejamos descobrindo caminhos novos, como setor, é algo que me dá esperança”, ele disse. “Essa era a ferramenta de que o comércio de livros precisava, na hora em que era necessária.”

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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