Produtores de cinema e TV já encaram o custo Covid, que deixa filmes 40% mais caros

Gasto será maior com seguros e equipamentos de proteção em sets de equipes reduzidas

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São Paulo

A adoção de medidas de segurança contra o coronavírus nos sets de filmagem deve encarecer as produções audiovisuais brasileiras, além de encurtar as tradicionais longas jornadas de gravação.

Outra mudança forçada pela pandemia no setor —que engloba comerciais, programas de televisão, séries e filmes— será um planejamento mais cuidadoso de cada diária de gravação, com cenas bem estruturadas antes de a câmera começar a rodar.

A ideia é evitar o desperdício de dinheiro e minimizar os riscos de infecção no set, já que as seguradoras não cobrem o adoecimento de elenco ou de profissionais da produção por Covid-19.

Essa é a avaliação de agentes do mercado, num momento em que as produções audiovisuais são retomadas com medidas de segurança depois de quatro meses de paralisação por causa das regras de distanciamento social.

Bastidor da série "Boca a Boca", da Gullane Entretenimento - Vanessa Bumbeers / divulgação

Um dos pontos em discussão entre produtoras e seguradoras é o custo do “film package”, um seguro comum no mercado que cobre toda a produção de uma peça audiovisual —de acidentes como incêndio no cenário e extravio de figurinos ao não comparecimento de um ator ou do diretor na gravação.

Antes da pandemia, o “film package” custava entre 0,3% e 0,8% do orçamento de um filme publicitário, dependendo dos tipos de cobertura que se acrescentasse ao pacote, segundo Marianna Souza, presidente da Apro, a Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais.

Esse custo deve subir para mais de 1% do orçamento nos próximos meses, segundo Souza. Ela acha difícil, no entanto, estimar com exatidão o novo valor, porque as seguradoras estão num momento de entender o tamanho da demanda do setor com a retomada das gravações.

“Estamos na batalha com as seguradoras para que não aumentem tanto. Porque a gente não está falando só da Covid, estamos falando da pior crise que a gente está vivendo na história”, afirma.

A Spcine —que regulamenta as filmagens realizadas nos espaços públicos da cidade de São Paulo— estima em R$ 46,6 milhões a perda mensal com a suspensão das filmagens durante a quarentena. Este montante é 8,3% do valor movimentado pelo audiovisual na capital no ano passado —R$ 560 milhões.

Pablo Torrecillas, produtor executivo da Gullane Entretenimento, afirma ter ouvido de um corretor especializado em cinema que atende a produtora que o custo do seguro vai aumentar, em especial para a cobertura de não comparecimento ao set de profissionais essenciais.

Num longa-metragem de R$ 10 milhões, o valor do seguro deve girar em torno de R$ 160 mil no cenário pós-pandemia, em comparação com R$ 100 mil de antes, estima Torrecillas.

Simoni de Mendonça, presidente do Siaesp, o Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo, acrescenta que "pelas nossas conversas com as seguradoras, estima-se que o aumento será de 20% a 30%".​

Além de tentar evitar prejuízo, as produtoras de audiovisual passarão a arcar com o ônus no caso de algum profissional adoecer, já que as seguradoras estão excluindo de suas coberturas a Covid-19 e até mesmo doenças contagiosas de modo geral, diz a corretora Gleice Kelly Aguiar, da Prospecto Seguros, que tem alguns programas da Multishow entre os seus clientes.

Aguiar explica que resgatar uma apólice em caso de Covid-19 é complicado pois o segurado terá dificuldade em provar que um técnico ou um ator se infectaram no set de filmagem. Ou seja, a doença não pode ser considerada um acidente de trabalho, o que geralmente dá direito à verba do seguro.

A solução das produtoras é prevenir o contágio, adotando medidas como a testagem dos profissionais na hora da contratação com exames laboratoriais (mais confiáveis do que os de farmácia) para coronavírus, a higienização de câmeras e dos cenários, e pausas de três em três horas para troca de máscaras e lavagem de mãos.

Sonia Santana, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica, o Sindcine, fala em um novo gasto, que chama de “custo Covid”. “Ninguém previu que um orçamento tinha que ter um médico de saúde, mais um bombeiro, porque tem álcool para tudo quanto é lado [no set], mais as vacinas, mais máscaras”, diz.

O Sindcine e outros órgãos do setor elaboraram o Protocolo de Segurança e Saúde no Trabalho do Audiovisual. O documento, publicado no final de junho e baseado em experiências de países como Espanha, Inglaterra e EUA, estabelece regras de segurança para filmagens durante a pandemia, servindo de guia para oito estados brasileiros.

Além disso, há os riscos associados à imagem de uma produtora no caso de um óbito por Covid-19 ocorrer durante uma filmagem. “Nenhum cliente quer ter um símbolo da morte em cima de um técnico de equipe”, afirma ela.

Os protocolos anti-Covid-19 devem aumentar em cerca de 10% os custos de filmes publicitários mais simples, com valores entre R$ 400 e R$ 500 mil, completa Santana. Torrecillas, da Gullane, estima entre 30% e 40% o acréscimo no orçamento de um longa-metragem ou de uma série, ambos de desenvolvimento mais demorado e complexo.

Mas este aumento, enfatiza Torrecillas, se deve não só ao investimento em EPI (equipamento de proteção individual) para a equipe —que passa a ser reduzida no set, com no máximo 20 pessoas.

Entra também no cálculo a menor produtividade diária, graças ao maior tempo necessário para se filmar com segurança sob o novo protocolo, que demanda procedimentos de higienização e logística para manter o distanciamento social entre atores e produção até então inexistentes.

Torrecillas prevê que, no momento em que a Gullane retomar as filmagens de longas e séries—provavelmente no começo do ano que vem—, os projetos devem se estender por mais semanas em relação a antes da pandemia, mas as diárias terão suas durações mantidas, de 10 a 12 horas de trabalho.

Já o mercado de publicidade, por outro lado, deve ver a diminuição de diárias que não raro chegam a 20 horas para 12, incluindo pausas para alimentação e higienização.

As jornadas longuíssimas refletiam um achatamento dos orçamentos, explica Souza, da Apro, “pois é mais barato pagar hora extra do que abrir uma nova diária com câmera, locação e tudo o mais”.

Ela vê com bons olhos as jornadas mais curtas: “Isso é uma das coisas boas que a pandemia nos trouxe, tentar resgatar um pouco da dignidade da equipe”.

Bastidores do reality show Talentos, da TV Cultura, gravado durante a pandemia de Covid-19
Bastidores do reality show Talentos, da TV Cultura, gravado durante a pandemia de Covid-19 - Nadja Kouchi/Divulgação
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