Descrição de chapéu Moda

Entenda o look do novo machão, um visual austero que lembra o chão de fábrica

Pequenas marcas usam máquinas de costura antigas para criar roupas masculinas inspiradas na crueza da indústria pesada

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roupa de fabrica

Croquis de roupas da marca Dreher, inspirada em uniformes de fábrica Divulgação

São Paulo

Nos últimos anos, o vinil voltou com força à indústria da música. O formato que parecia superado pela conveniência do streaming agora aparece em tiragens limitadas de discos coloridos e edições que prometem qualidade superior de áudio. Esta cultura da tradição e da escassez extrapolou a música e chegou a um nicho da moda masculina.

De poucos anos para cá, uma série de pequenos empresários brasileiros vem resgatando máquinas de costura da década de 1960 ou de fábricas abandonadas para produzir calças, camisas, coletes e acessórios em edições que giram em torno de 30 peças.

Além da pequena quantidade, uma estética comum perpassa as produções destes costureiros –a inspiração em uniformes e roupas de trabalho, ou “work wear”, como se as peças fossem desenhadas para ferreiros, soldadores, marceneiros e trabalhadores de indústria pesada.

Piero D'ávila
Modelo veste camisa da marca Cabra - Piero D'ávila

A ausência de estampas e a paleta de cores sóbria —cáquis, azuis, verdes escuros e preto— remete à uniformidade de um desfile da China sob Mao Tsé Tung, e deve muito às centenárias marcas americanas Carhartt e Dickies.

“A gente faz com as máquinas industriais mas daí coloca uns detalhes manuais. É pegar um produto comum e dar essa aura, essa coisa que o alfaiate coloca nas roupas. Veste melhor. As roupas de trabalho antigas eram superlargas, os tecidos eram menos confortáveis. Eram roupas duras para o cara que tinha que bater martelo e construir uma ferrovia. Eu peguei essa estética, essa usabilidade, e urbanizei, deixei a coisa mais moderna para os dias de hoje”, diz o costureiro Daniel Mangualde, dono da Cabra.

A confecção, que existe há cerca de um ano, oferece camisas e jaquetas em imagens analógicas no Instagram e no site da marca. O produto mais esperado pelos compradores, contudo, é a calça jeans “selvedge”, um modelo em desenvolvimento em antigos teares de laçadeira numa oficina do interior de Minas Gerais que tem como marca visual uma listra branca visível quando a barra é dobrada —e que tem preço mais caro do que um jeans tradicional.

O fetiche com os jeans vai ainda mais longe –quanto mais pesado, melhor. Ou seja, a valorização recai sobre o tecido em estado bruto, sem ter passado por processos de lavagem ou encolhimento —o que não se encontra com facilidade nas lojas do Brasil, sendo mais comum nos Estados Unidos e no Japão. A ideia é que as marcas do tempo apareçam conforme o uso e o molde da peça ao corpo, tornando único cada modelo.

Em Porto Alegre, Matheus Dreher anunciou nas redes sociais de sua confecção, a Dreher 1989, ter encontrado uma pequena quantidade de jeans de gramatura superior num comércio local e comprado todo o estoque, que servirá de base para a produção de poucas calças sob demanda.

“No jeans, a maioria das marcas mais legais são feitas à mão, tem muita marca que é desenvolvida e fabricada pelo próprio dono, o que chamam de ‘one man brand’, ou marca de um homem só”, afirma.

Bisneto de alfaiate, Dreher abriu sua própria confecção depois de passar dois anos na Renner ajudando a desenhar a linha masculina da marca Youcom. Além de sentir falta de costurar, ele relata que o contato com o fast fashion fez com que quisesse se afastar do universo da produção em massa e começar a produzir sob encomenda e em menor quantidade.

Suas peças —que vestem barbeiros, tatuadores e garçons— são costuradas por ele em parceria com ateliês dos arredores de Porto Alegre.

A produção sob demanda é uma questão ecológica e que se encaixa no discurso da moda sustentável, no sentido de evitar o desperdício, um dos grandes vilões da indústria têxtil e que chega a 70% da produção de algumas marcas nacionais, segundo o stylist Marcio Banfi, professor na Faculdade Santa Marcelina. Para estes pequenos empresários, portanto, a função da pré-venda não é só criar hype em torno de um produto escasso –é também a de confeccionar só o que é vendido.

Aqui entra ainda uma questão econômica, já que produzir em pequena escala é mais acessível. “Talvez esses empreendedores nem imaginem um lucro tão grande de cara. O lucro é no médio prazo, talvez no começo só se pague”, diz Banfi.

Ele acrescenta que embora tais marcas sejam uma espécie de contraponto ao fast fashion, grandes redes já vendem peças com a mesma estética e estão diminuindo suas produções, “porque senão a gente não vai ter mais planeta” devido às enormes quantidades de roupa que viram lixo.

A ascensão do vestuário utilitário veio a reboque da popularização do visual hipster americano a partir do final dos anos 2010 –um homem de aspecto rústico mas não muito, que veste camisa xadrez ou colete, deixa a barba crescer, usa coturno Doc Martens e faz tatuagens no estilo tradicional, com desenhos em três cores de âncoras, navios e pin-ups. Ele também ouve vinil —talvez um pouco menos no Brasil pela dificuldade de acesso— e se interessa por carros e motos antigas.

Isso tudo custa dinheiro. Essas marcas afirmam vender mais para homens na faixa dos 30 aos 45 anos, com uma carreira estabelecida e que ganham o suficiente para pagar em torno de R$ 300 por uma camisa de manga longa. Este público valoriza “essa coisa do personalizado, de não comprar só uma roupa, mas algo que tenha um porquê”, acrescenta Mangualde, da Cabra.

Esse vestuário acentua a vaidade masculina, refletindo uma aproximação maior do homem com a moda nos últimos tempos, afirma André do Val, consultor de estilo masculino. Desde a revolução industrial, quando os homens foram trabalhar nas fábricas, eles perderam todo o tipo de ornamento no visual, mas as mulheres, como ficaram em casa, foram liberadas para se arrumar, porque tinham tempo para isso, segundo do Val.

De acordo com ele, agora o público masculino está “molhando o pezinho”, ousando vestir algo diferente mas ainda meio rústico e sem tantos detalhes. “E tem essa coisa de ter uma peça com história, que parece que veio da família.”

Pequenas confecções

  • Dreher 1989 (@dreher1989): com a ajuda de costureiras de Porto Alegre, o gaúcho Matheus Dreher produz toucas, camisas e coletes
  • Cabra (@cabra.store): mineiro radicado em São Paulo, Daniel Mangualde usa oito máquinas antigas para produzir camisas, jaquetas e em breve calças
  • Freiheit (@frht.co): as peças de Márcio Mota se inspiram em macacões e uniformes de aeronáutica das décadas de 1920 a 1960, dos Estados Unidos e da Europa
  • Bad Luck Fate (@the_bad_luck_fate): pulseiras de relógio, cintos, carteiras com corrente e empunhaduras de facas feitas à mão, direto no couro
  • Human in Chains (@humaninchains): mais feminina, vende correntes, anéis e moedas antigas com inscrições gravadas à mão
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