Morre Mercedes Barcha, viúva e cúmplice do escritor Gabriel García Márquez

Escritor dizia que, sem a mulher, ele não teria conseguido construir toda a sua obra literária

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Buenos Aires

Quando Gabriel García Márquez terminou de escrever "Cem Anos de Solidão", em 1966, ele e sua mulher, Mercedes Barcha Prado, estavam na Cidade do México e não tinham dinheiro para enviar o manuscrito completo para a editora Sudamericana, em Buenos Aires, que havia se comprometido a publicar o livro.

Gabo contava que foi de Barcha Prado a ideia –primeiro enviaram uma metade com os poucos trocados que tinham. Depois, voltaram para casa, venderam os eletrodomésticos que sobravam e, com o dinheiro, enviaram o restante do livro.

Não se sabia, então, que a obra ajudaria Gabo a ganhar um Nobel de literatura. Uma vez que pôs a obra no correio, Barcha Prado apenas disse ao marido, em tom de advertência "só o que me falta agora é que esse romance seja ruim".

Esta era uma das muitas anedotas que o escritor colombiano contava de sua mulher, sempre em tom de elogio e de homenagem. Sem ela, dizia, ele não teria conseguido construir sua obra.

Gabo e Mercedes sentados em trem olhando em direção à janela
Gabriel García Márquez e Mercedes Barcha chegam de trem a Aracataca, na Colômbia, em foto tirada em 30 de maio de 2007 - Alejandra Vega/AFP

Mercedes Barcha Prado morreu na noite de sábado (15), aos 87, na Cidade do México, onde o casal vivia havia tempo. Além de companheira e cúmplice literária de Gabo, Barcha Prado também esteve atuante na Fundação Gabo, antes conhecida como Fundação Novo Jornalismo Iberoamericano, criada pelo marido para estimular a formação de jovens jornalistas e reunir os profissionais da América Latina.

Barcha Prado nasceu em 1932, em Magangué, no norte da Colômbia, de uma família de origem egípcia. Tinha seis irmãos e o pai era farmacêutico. Gabo a conheceu em 1941, quando ela tinha nove anos e ele, 13, em Sucre.

O escritor havia crescido em Aracataca, com avós e tias, mas visitava Sucre com frequência, onde seus pais viveram uma época. Eles se casaram em 1958, na cidade litorânea de Barranquilla e tiveram dois filhos, Rodrigo e Gonzalo.

No primeiro volume de suas memórias, "Vivir para Contarla", Gabo conta que havia pedido Barcha Prado em casamento aos 13 anos, mas que apenas a reencontrou alguns anos depois. Na ocasião, pela primeira vez, "ela aceitou um convite meu e fomos dançar no domingo seguinte no hotel do Prado". Até aí, Gabo contava ter recebido quatro "nãos" de Barcha Prado.

É possível conhecer mais dessa história no documentário "Gabo, a Criação de Gabriel García Márquez", de Justin Webster, disponível na Netflix.

Mercedes se abana com um leque
Mercedes Barcha, viúva de Gabriel García Márquez, em cerimônia realizada em 22 de maio de 2016 no antigo mosteiro La Merced, em Cartagena, na Colômbia - Luis Acosta/AFP

Numa entrevista à revista Playboy, em 1982, Gabo contou que, até fazer sucesso na literatura, o casal passou por muitas dificuldades financeiras e que Barcha Prado tinha ficado com todos os afazeres da casa, da criação dos filhos às finanças domésticas, para que ele ficasse liberado para escrever.

"Ela mantinha a casa em pé, enquanto eu estava no front. Foi capaz de proezas maravilhosas", afirmou, lembrando inclusive empréstimos pedidos a amigos para o sustento da família. "Diariamente, ela ainda conseguia cigarros, cadernos, canetas, o que eu precisasse para escrever", resumiu Gabo.

Quando o casal viajou a Buenos Aires para o lançamento mundial de "Cem Anos de Solidão", Gabo pediu a seu editor que o pagamento pelo manuscrito fosse feito "em notas pequenas". Com isso, forrou a cama do hotel em que o casal se hospedava, para mostrar a Barcha Prado que o sacrifício, afinal, valera a pena, e que o romance era, de fato, bom.

A Fundação Gabo publicou uma nota de pesar. "Incondicional e silenciosa, ela se manteve sempre ao lado do escritor, vivendo com ele todas as aventuras do ofício literário", diz o documento.

Alejandra Fausto, ministra da Cultura do México, afirmou, nas redes sociais que Barcha Prado "era a cúmplice indiscutível de Gabo, mãe de Rodrigo e Gonzalo". "Voam as borboletas amarelas", disse, lembrando uma passagem de "Cem Anos de Solidão".

Em seus últimos anos, Barcha Prado seguia ativa tanto na Fundação Gabo como na organização do legado literário do marido.

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