Dois dos cinco filhos de Glauber Rocha seguiram a carreira do pai na direção de cinema –Paloma, 60, de modo intermitente, e Eryk, 42, com produção mais contínua.
Seria pouco razoável, injusto até, comparar as criações deles às do pai, o maior nome da história do cinema brasileiro. Ambos, porém, têm algo interessante a dizer e sabem como o fazer, conforme se nota nos filmes que lançam neste ano de 2020.
“Antena da Raça”, filme dirigido por Paloma em parceria com Luís Abramo, ganha primeira exibição pública no Brasil no encerramento do festival Olhar de Cinema, em Curitiba, neste mês. Ainda em outubro, será apresentado na mostra Cannes Classics, evento paralelo ao tradicional festival francês.
“Breve Miragem do Sol”, de Eryk, passou a ser exibido recentemente pelo serviço de streaming Globoplay.
À primeira vista, os filmes têm pouco em comum. “Antena” é um documentário que retoma trechos do inovador programa de TV “Abertura”, apresentado por Glauber de 1979 a 1980.
Paloma e Abramo articulam pontos de contato entre o Brasil de quatro décadas atrás, os anos derradeiros da ditadura militar, e o presente de turbulências políticas.
Há, por exemplo, entrevistas recentes com Zé Celso e Caetano Veloso, nomes lembrados por Glauber na sua incursão pela TV, que ocorreu meses antes da sua morte, com apenas 42 anos.
“Breve Miragem do Sol”, por sua vez, é uma ficção no tempo presente. Depois de perder o emprego e de se divorciar, Paulo, papel de Fabrício Boliveira, em interpretação excelente, passa a trabalhar como taxista no Rio de Janeiro.
Rodando nas madrugadas, convive com moleques arrogantes da zona sul, um executivo que arma negociatas, uma mulher misteriosa, entre outros tipos.
Um olhar mais detido, no entanto, revela semelhanças entre os dois filmes, a começar pelo tema da paternidade.
“Antena” é uma homenagem de Paloma a Glauber, uma iniciativa que vai muito além desse filme —é ela a principal responsável pela conservação da obra do diretor de “Terra em Transe”, clássico de 1967.
Paloma nos lembra de uma aparente contradição –em vez de confundir, o discurso quase caótico de Glauber esclarecia e estimulava os telespectadores que o viam na extinta TV Tupi.
“Nossa cultura é a macumba, não é a ópera. Vamos lá, vamos descobrir o Brasil”, diz ele, com os cabelos bagunçados, olhando para a câmera.
Nessa busca desesperada por um país incapaz de se reconhecer, Glauber prega uma reforma da educação (“o ensino de literatura no Brasil é um desastre”) e enaltece José de Alencar e Euclides da Cunha. Também exalta o dramaturgo Vianinha, mostrando uma edição da Ilustrada de maio de 1979.
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