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Filmes dos filhos de Glauber Rocha expõem mal-estar do Brasil atual

'Breve Miragem do Sol', de Eryk, está em streaming, e 'Antena da Raça', de Paloma, será exibido em festival

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Cena do filme 'Breve Miragem de Sol', de 2019, de Eryk Rocha

Cena do filme 'Breve Miragem de Sol', de 2019, de Eryk Rocha Divulgação

São Paulo

Breve Miragem do Sol

  • Onde Globoplay - 98 min
  • Elenco Fabricio Boliveira, Bárbara Colen, Cadu N. Jay
  • Direção Eryk Rocha

Antena da Raça

  • Quando 15/10, às 20h
  • Onde Festival Olhar de Cinema, que começa nesta quarta (7)
  • Direção Paloma Rocha e Luís Abramo

Dois dos cinco filhos de Glauber Rocha seguiram a carreira do pai na direção de cinema –Paloma, 60, de modo intermitente, e Eryk, 42, com produção mais contínua.

Seria pouco razoável, injusto até, comparar as criações deles às do pai, o maior nome da história do cinema brasileiro. Ambos, porém, têm algo interessante a dizer e sabem como o fazer, conforme se nota nos filmes que lançam neste ano de 2020.

Glauber Rocha em cena do documentário "Antena da Raça", dirigido por Paloma Rocha e Luís Abramo - Divulgação

“Antena da Raça”, filme dirigido por Paloma em parceria com Luís Abramo, ganha primeira exibição pública no Brasil no encerramento do festival Olhar de Cinema, em Curitiba, neste mês. Ainda em outubro, será apresentado na mostra Cannes Classics, evento paralelo ao tradicional festival francês.

“Breve Miragem do Sol”, de Eryk, passou a ser exibido recentemente pelo serviço de streaming Globoplay.

À primeira vista, os filmes têm pouco em comum. “Antena” é um documentário que retoma trechos do inovador programa de TV “Abertura”, apresentado por Glauber de 1979 a 1980.

Paloma e Abramo articulam pontos de contato entre o Brasil de quatro décadas atrás, os anos derradeiros da ditadura militar, e o presente de turbulências políticas.

Há, por exemplo, entrevistas recentes com Zé Celso e Caetano Veloso, nomes lembrados por Glauber na sua incursão pela TV, que ocorreu meses antes da sua morte, com apenas 42 anos.

Fabrício Boliveira em cena do filme "Breve Miragem do Sol", dirigido por Eryk Rocha - Divulgação

“Breve Miragem do Sol”, por sua vez, é uma ficção no tempo presente. Depois de perder o emprego e de se divorciar, Paulo, papel de Fabrício Boliveira, em interpretação excelente, passa a trabalhar como taxista no Rio de Janeiro.

Rodando nas madrugadas, convive com moleques arrogantes da zona sul, um executivo que arma negociatas, uma mulher misteriosa, entre outros tipos.

Um olhar mais detido, no entanto, revela semelhanças entre os dois filmes, a começar pelo tema da paternidade.

“Antena” é uma homenagem de Paloma a Glauber, uma iniciativa que vai muito além desse filme —é ela a principal responsável pela conservação da obra do diretor de “Terra em Transe”, clássico de 1967.

Paloma nos lembra de uma aparente contradição –em vez de confundir, o discurso quase caótico de Glauber esclarecia e estimulava os telespectadores que o viam na extinta TV Tupi.

“Nossa cultura é a macumba, não é a ópera. Vamos lá, vamos descobrir o Brasil”, diz ele, com os cabelos bagunçados, olhando para a câmera.

Nessa busca desesperada por um país incapaz de se reconhecer, Glauber prega uma reforma da educação (“o ensino de literatura no Brasil é um desastre”) e enaltece José de Alencar e Euclides da Cunha. Também exalta o dramaturgo Vianinha, mostrando uma edição da Ilustrada de maio de 1979.

Em “Antena”, a filha olha para o pai; em “Breve Miragem”, um pai olha para o filho.
O personagem principal do filme de Eryk se sacrifica no trabalho noturno para pagar a pensão do filho e sofre de saudade do menino de dez anos. Angústia e melancolia se unem numa saga em busca de uma reparação familiar.
Os filmes também se aproximam na abordagem de um mal-estar político e social crescente do Brasil contemporâneo. “Antena” registra cenas do fortalecimento da extrema direita e do avanço da violência policial nas comunidades mais pobres.
“Breve Miragem” é menos explícito. Mais do que os passageiros atendidos pelo taxista, é a própria cidade do Rio que intimida e ameaça. A saturação das luzes urbanas, um efeito quase alucinante, acentua essa sensação de incômodo e comprova a maturidade técnica do cinema de Eryk.
Ambos os filmes são contundentes, mas “Antena” perde força em alguns trechos devido à profusão de temas que pretende abarcar, do teatro à literatura, da política à psicanálise.
São, de qualquer forma, produções bem-vindas. O inconformismo de Glauber sobrevive em Paloma e Eryk.
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