Descrição de chapéu tiktok

Nova moda entre homens héteros é se fingir de gay no TikTok, apesar de críticas

Jovens fazem sucesso com vídeos de piadinhas sobre pênis e insinuando beijos com colegas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alex Hawgood
The New York Times

Connor Robinson, de 17 anos, é um astro britânico no TikTok que tem bochechas rosadas, "barriga tanquinho" e uma grande base de seguidores que ele construiu com a tática de deixar seus fãs sempre curiosos e sedentos por mais.

Em meio a imagens diárias de passos de dança que ele apresenta sem camisa e piadinhas sobre seu cabelo que não para no lugar, Robinson posta vídeos sexualmente sugestivos que “rompem algumas barreiras”, segundo ele próprio.

Três meninos seminus se abraçam enquanto olham celular
Da esq. à dir.: Josh Richards, Blake Gray e Noah Beck, em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 6 de outubro de 2020 - Jake Michaels/The New York Times

Num vídeo de oito segundos ao som de uma faixa de hip-hop de teor sugestivo de The Weeknd, Robinson e outro jovem, Elijah Finney —pseudônimo: Elijah Elliott—, se filmaram num quarto de hotel em Londres se esfregando um contra o outro como se estivessem prestes a fazer mais do que isso. O vídeo termina com Robinson sendo empurrado contra a parede.

Mas, por mais que o vídeo seja sensual, os dois rapazes não fingem para os fãs que estão se rendendo a um amor gay adolescente. Robinson e Finney se identificam como heterossexuais —porém, como descobriram alguns influenciadores no TikTok, vídeos do tipo “man-on-man” são uma tática certeira para gerar interesse. Postado em fevereiro, o vídeo já foi visto mais de 2,2 milhões de vezes e recebeu 31 mil comentários (com muitos emojis de fogo e coração).

“Normalmente faço vídeos de dança divertidos e coisas do tipo, mas parece que as coisas mudaram ultimamente”, disse Connor Robinson, falando de seu quarto em Cumbria, na Inglaterra. As paredes foram pintadas em tom de verde-floresta para se destacarem no TikTok. Ele estima que 90% de seu quase 1 milhão de seguidores sejam meninas.

“As meninas curtem ver dois caras bonitinhos no TikTok, cada um com uma base enorme de fãs, mostrando seu lado sexual um para o outro”, ele explicou. Seguidores homens que sejam gays ou 'bi-curiousos' também são bem-vindos. “Se assistir aos meus vídeos deixa você feliz, bacana."

Como bem sabem os fãs dos rapazes que são astros do TikTok, o vídeo de sedução no hotel postado por Robinson está quase virando um clichê moderno. A plataforma social dominada por jovens está cheia de vídeos mostrando rapazes declaradamente héteros deitados em formação de conchinha, paquerando uns aos outros na rua enquanto andam com suas namoradas, dividindo uma cama, trocando beijos, admirando o corpinho esculpido um do outro e mergulhando em inúmeras outras situações homoeróticas criadas para fazer humor e, em última análise, atrair cliques.

Mas se fingir de gay para atrair cliques não é algo que se limita a pequenos criadores de conteúdo no TikTok num esforço para fazer seu público crescer. Basta olhar para o caso dos festeiros Sway Boys, que estamparam manchetes nos Estados Unidos, no verão deste ano, depois de promoverem festas lotadas em sua casa de 724 metros quadrados em Bel Air, infringindo as diretrizes de Los Angeles diante da pandemia do novo coronavírus.

Quem passeia pelos feeds de TikTok dos membros do grupo, todos de corpinho perfeitamente formado, sente que está testemunhando o que aconteceria se garotos do Tiger Beat passassem um verão desinibido em Fire Island Pines, em Nova York. É uma enxurrada de sessões de malhação de jovens seminus e suados, piadinhas sobre pênis, beijos em clima de brincadeira e rapazes dividindo o mesmo pirulito.

Josh Richards, de 18 anos, um dos astros recentes do grupo, postou vídeos em que ele deixa sua toalha cair diante de seus “namorados” Jaden Hossler e Bryce Hall; finge dar um beijo na boca de outro amigo, Anthony Reeves, e dá um beijinho na testa de seu colega de quarto, Griffin Johnson, tudo isso para divertir seus 22 milhões de seguidores.

Uma coisa é certa. Isso tudo não prejudicou sua imagem —pelo contrário. Em maio, Richards anunciou estar deixando o Sway Boys e se bandeou para um dos aplicativos rivais do TikTok, Triller, como seu diretor estratégico. Ele apresenta dois podcasts novos e populares —“The Rundown”, com Noah Beck, e “BFFs”, com Dave Portnoy, fundador da Barstool Sports— e é o primeiro artista contratado pela gravadora TalentX Records, formada pela Warner Records e a TalentX Entertainment, uma agência de mídia social.

“Esses garotos me parecem um sinal dos tempos”, comentou Mel Ottenberg, diretor criativo da revista americana Interview, que incluiu alguns dos Sway Boys de cuecas em sua edição de setembro. “Ninguém parece estar com medo, tipo ‘se eu estiver muito perto do meu amigo nesta foto, será que as pessoas vão achar que sou gay?’. Eles são sensuais e jovens demais para estarem preocupados com isso.”

Uma década atrás, um contato mais íntimo entre dois homens jovens poderia assinalar seu suicídio social. Mas, para os membros da geração Z, que cresceram num tempo em que o casamento homossexual não é ilegal, ser chamado de gay não é visto como insulto, ao contrário do passado.

Os rapazes no TikTok se sentem à vontade em ousar com comportamentos homossociais “porque emergiram numa era de homofobia cultural em declínio, mesmo que não reconheçam o fato”, afirmou Eric Anderson, professor de estudos da masculinidade na Universidade de Winchester, na Inglaterra.

Ao abraçar um lado mais light da masculinidade, eles se rebelam contra o que Anderson descreveu como “o modelo antigay e antifeminino atribuído às culturas jovens de gerações anteriores”.

Mark McCormack, sociólogo na Universidade de Roehampton, em Londres, e estudioso do comportamento sexual de homens jovens, acha que o declínio da homofobia é apenas um aspecto do que está ocorrendo. Para ele, muitos desses influencers no TikTok não estão se divertindo à expensa da identidade queer —estão ironizando a ideia de que “alguém nem sequer ficaria incomodado ao os ver brincando com a ideia de ser gays”.

Em outras palavras, se fingir de gay é uma forma de rebelião e inconformismo adolescente, uma maneira de esses rapazes héteros anunciarem como sua geração é diferente da de seus pais ou mesmo de millennials anteriores a eles.

Foster Van Lear, estudante secundarista de Atlanta que tem 16 anos e 500 mil seguidores, disse que seus vídeos que o mostram dando um beijo na bochecha de outro rapaz ou confessando o que sente por seu “mano” o fazem parecer cool e descolado.

“Todo o mundo da nova geração é fluido. Os homens não têm tanto medo de fazer coisas físicas e expor emoções”, ele explicou. “Seria ridículo você não ficar à vontade com isso.”

Na realidade, seu pai descreveu os vídeos de Van Lear como “realmente bizarros” e “gays”. Sua mãe também se espantou com suas manifestações abertas de afeto por amigos rapazes, mas hoje entende melhor a pressão que os garotos adolescentes sofrem para se destacar.

“Hoje em dia, se o garoto é simplesmente 'um hétero normal', isso não é muito interessante para essa moçada”, comentou a mãe dele, Virginia Van Lear, de 50 anos. “Se ele é hétero, ele vai querer postar alguma coisa que leve as pessoas a questionar ‘mas ele é hétero mesmo, certo?’. É algo mais individual e que chama mais a atenção.”

Os pais não são os únicos a ficar perplexos. Esses vídeos também deixam confusos alguns homens gays mais velhos.

Virginia Van Lear contou que um de seus amigos gays se deparou com um vídeo no TikTok em que seu filho falava em tom de brincadeira sobre estar apaixonado por outro rapaz. Seu amigo disse “sabe, se Foster for gay e quiser conversar comigo algum dia”. Ela riu muito. “As pessoas de minha geração não entendem esses garotos”, comentou. “É todo um novo mundo lá fora.”

Mas os fãs, em sua maioria adolescentes, não ficam confusos. E parece que não se cansam desses vídeos.

Sempre que Connor Robinson posta um vídeo que o mostra em contato físico com outro amigo, ele é inundado de comentários ofegantes do tipo “será que sou só eu que achei isso um tesão”, “o celular caiu da minha mão”, “OMG, não consigo parar de assistir”.

Ercan Boyraz, diretor de gestão de influencers na Yoke Network, agência de marketing em redes sociais, com sede em Londres, disse que a imensa maioria dos comentários é de mulheres. Longe de se sentirem ameaçadas ou confusas ao ver rapazes trocando carícias com outros rapazes, elas acham isso sexy.

“Homens héteros sempre acharam sexy ver meninas flertando com outras meninas”, explicou Boyraz, que já trabalhou com Robinson. “As meninas estão pegando a mesma ideia e virando do avesso.”
Poderíamos dizer que é a igualdade de oportunidades em matéria de objetificação.

Enquanto isso, os fãs homens héteros se sentem por dentro da novidade. E, mesmo que não fiquem excitados com os vídeos, eles querem emular a aproximação física despreocupada entre homens mostrada nesses vídeos do TikTok.

“Mostrar emoções com outro cara, especialmente quando isso é expresso em tom de brincadeira, é algo que arranca sorrisos ou gargalhadas”, disse Van Lear, que emulou criadores tremendamente populares no TikTok, como os rapazes do Sway House. Além disso, “aumenta as chances de um engajamento maior com o público”.

Existe até um termo para descrever homens héteros que vão além do “bromance” e exibem sinais não sexuais de afeto físico –eles são os “homiesexuais” (“homie” equivale ao termo "mano"). Uma busca por “homiesexual” rende mais de 40 milhões de resultados no TikTok. Há também os memes, compilações no YouTube e camisetas estampadas com dizeres do tipo “não é gay, é homiesexual”.

Mesmo assim, vídeos de homens heterossexuais sentando no colo um ou outro ou admirando o bumbum um do outro, só para ganhar visibilidade no TikTok, podem ser sentidos como ofensivo, especialmente por espectadores gays.

Colton Haynes, de 32 anos, é um ator abertamente gay de “Teen Wolf” e foi ao TikTok em março para criticar a tendência homiesexual. “A todos os héteros aí fora que ficam postando esses vídeos do tipo ‘será que beijar meus manos é coisa de gay?’ e gargalhando ou fazendo piadas com isso, tenho um recado –ser gay não é piada”, disse ele. “O que é uma piada é vocês imaginarem que teriam seguidores ou curtidas sem nossa ajuda.”

“Por isso, parem de ser homofóbicos”, concluiu ele, acrescentando um palavrão. Alguns fãs gays, porém, veem a "tendência homiesexual" como um avanço.

Steven Dam, de 40 anos, faz previsões de rede social para a agência de talentos Art and Commerce, de Nova York. Ele disse que num primeiro momento achou que os vídeos fossem homofóbicos. Mas, contou, quanto mais seu feed no TikTok ficava povoado de rapazes chamando uns aos outros de “lindo”, mais ele começou a reconhecer que existe “um novo tipo de definição de heterossexualidade para homens mais jovens”.

A popularidade desses vídeos, segundo ele, se deve menos a algum aspecto gay e mais a “uma mudança de paradigma, a evolução de uma forma de masculinidade que deixou de ter medo de demonstrar afeto”.

Mesmo assim, alguns gays não conseguem parar de assistir, independentemente de encararem os vídeos como homofóbicos ou progressistas.

​​De um ano para cá, o canadense Nick Toteda, de 20 anos, influenciador do YouTube, anda postando vídeos em seu canal, It’s Just Nick, reagindo ao que descreveu como “TikToks de bromance”, geralmente manifestando um misto de humor sarcástico e perplexidade.

Num vídeo, dois garotos adolescentes estão sentados lado a lado numa sala de aula. Alguém deixa um bichinho de pelúcia cair ao chão. Os dois garotos se abaixam ao mesmo tempo para pegar o brinquedo. Eles se entreolham e então se aproximam para se beijar. Toteda gostou do que viu.

“Quando eu estava no colégio, quatro anos atrás, ser gay não era visto como algo cool, mas hoje pode ser que seja”, ele fala no vídeo. “Mesmo que sejam garotos héteros se fingindo de gays para serem cool. Do mesmo jeito que eu me fingia de hétero para ser cool, agora eles estão fazendo o contrário.”

“Sabe de uma coisa”, ele acrescenta, rindo, “o fato de eles seram lindinhos ajuda”.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.