Saiba como Beatriz Milhazes transformou seu Carnaval nas obras mais caras do país

Carioca exibe sua maior retrospectiva da carreira em exposição conjunta do Itaú Cultural e do Masp

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São Paulo

Antes de se tornar uma das artistas mais bem-sucedidas da sua geração, Beatriz Milhazes foi professora de matemática. Deu aulas para crianças dos 21 aos 26 anos, na mesma época em frequentava a escola de artes visuais do Parque Lage.

Mais do que uma anedota, o dado pode ajudar a decifrar uma parte menos evidente da obra da carioca, que é a artista viva mais cara do país.

Isso porque, por trás das cores saturadas e formas sedutoras desta "carnavalesca conceitual", como ela mesma se define, há "um pensamento extremamente racional, uma engenharia", diz o curador Ivo Mesquita.

Ele aponta para as fileiras de embalagens no plano de fundo de uma colagem da artista. "É como se houvesse uma grade por trás, que estrutura o trabalho. É uma engenharia", descreve.

Mesquita está à frente de uma parte de uma retrospectiva da artista que começa agora, no Itaú Cultural, centrada nas suas colagens e gravuras. Na semana que vem, é a vez do Masp, a algumas quadras dali, inaugurar a outra parte da mostra, com pinturas, desenhos e esculturas.

Juntas, as duas formam a maior mostra de Milhazes já apresentada no país, com cerca de 170 obras, 13 delas inéditas. Também é a primeira exposição de peso da artista em São Paulo em mais de uma década --sua última grande mostra na cidade aconteceu na Pinacoteca, 12 anos atrás.

Esta é, portanto, a oportunidade de uma geração que só viu o trabalho da artista online de entrar em contato com os trabalhos ao vivo, afirma Amanda Carneiro, que organiza a parte da mostra no Masp com Adriano Pedrosa, o diretor artístico do museu.

E, então, entender a importância do método em sua obra, talvez mais conhecida pelos círculos, arabescos, mandalas e rosáceas do que pelo seu rigor com a composição.

"Meu trabalho é muito racional, o encaixe e a construção partem de lógicas variadas", diz Milhazes, acrescentando que as primeiras telas que pintou na escola de arte tinham equações como nome.
"Acho inclusive que comecei a desenvolver uma nova maneira de pensar a geometria, que não é só quadrados, retângulos, círculos, mas pode ser barroca", ela afirma. "Pois há a questão do sonho atrelada à criação de uma lógica."

Esse raciocínio metódico contamina toda a obra da artista. Por exemplo, na técnica de pintura que desenvolveu, em que a tinta é decalcada em moldes de plástico para só depois ser aplicada na tela --Marcos Serrano, assistente dela que acompanhava a montagem da exposição do Masp, contou que cada um desses decalques demora em torno de 12 horas para secar.

Contamina também a forma como Milhazes gerencia a carreira. Ela produz uma quantidade limitada de obras por ano, o que costuma resultar em longas listas de espera de potenciais compradores. "Você não pode nem impor um tempo para a pintura nem ela pode consumir você", ela justifica.

Suas gravuras são feitas sempre com os mesmos parceiros, a Durham Press, no estado americano da Pensilvânia. Ela ainda designa períodos específicos do ano para pintar e fazer colagens, uma técnica que já usava para criar cartões para os amigos mas que só foi incorporada à sua obra oficialmente em 2003.

Milhazes afirma que atuar em diferentes mídias ajuda a trazer novidades para os trabalhos. "Costumo dizer que sou como um cientista. Meu processo é muito evolutivo, e os elementos que incluo no meu processo vão gerando uma reação em cadeia."

É uma análise semelhante à de Mesquita, o curador. "Essa diversidade é uma forma de ela assegurar um movimento interno. É como se ela fosse se reciclando", ele diz, sublinhando como elementos nascidos num suporte rapidamente migram para o outro --caso das serigrafias que, recortadas, passaram a aparecer com frequência nas colagens.

Suas esculturas, que surgem em duas partes de sua exposição em cartaz no Masp, tanto na individual da artista quanto na exposição permanente, nasceram assim, conta Milhazes. "Começar a habitar o espaço tridimensional me deu, ao mesmo tempo, motivação e um certo susto", ela afirma.

Já mostradas em algumas outras exposições, essas peças foram a princípio criadas para cenários de espetáculos de dança a convite da irmã da artista, a bailarina e coreógrafa Márcia Milhazes.

Foi a vontade de inverter os lugares em geral ocupados pelas irmãs, aliás, que motivou a mostra no Masp em primeiro lugar, afirma Carneiro --este que se encerra é, afinal, o ano da dança no museu da avenida Paulista. Assim, em vez de as obras de Beatriz Milhazes ocuparem o palco, seria a vez de Márcia Milhazes estar no espaço expositivo, dançando à sombra do móbile "Gamboa", em meio ao labirinto de telas de grandes dimensões do subsolo.

Por causa da pandemia, porém, essas performances foram adiadas para o ano que vem e serão limitadas tanto em termos de número de apresentações quanto em termos de capacidade de público, segundo a curadora.

Ainda que o tridimensional seja um meio novo e excitante para a artista, fica claro numa retrospectiva ampla como a de agora que a obra de Milhazes é de obsessões. A atração por formas típicas do barroco, como rosáceas e volutas, está presente desde o início da sua carreira, como mostra um conjunto de telas dos anos 1990 exibido no Masp.

É o caso também do seu interesse por camadas e sobreposições. É dele, aliás, que surgiram esses seus móbiles, conta Milhazes. "É como se alguns elementos bidimensionais saíssem para o mundo tridimensional", ela descreve, acrescentando que continua sendo desafiada sobretudo pela tela em branco. "O plano é não só uma grande motivação como a raiz do meu interesse por arte em geral."

Ou, nas palavras de Ivo Mesquita, "acho que ela está sempre pensando a pintura, seja como tradição, linguagem de cor, construção de figurações ou decoração, ornamento". "É um trabalho extremamente visual, não é narrativo", afirma o curador. "Algo que você vê, e aquilo pega você."

Beatriz Milhazes: Avenida Paulista

  • Quando Ter. a dom. Abertura: sáb. (12). Até 30/5
  • Onde Itaú Cultural, av. Paulista, 149
  • Preço Grátis (agendamento via sympla.com.br/agendamentoic)

Beatriz Milhazes: Avenida Paulista

  • Quando Ter., 10h às 20h; qua. a sex., 13h às 19h; sáb. e dom., 10h às 18h
  • Onde Masp, av. Paulista, 1578. Abertura: 18/12. Até 30/5
  • Preço Ing.: R$ 45; ter. e qua., grátis (agendamento via masp.org.br/ingressos
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