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Ensaios de Coetzee sobre literatura beiram o imperdível para seus fãs

Autor de 'Desonra' analisa de Tolstói a Beckett e produz fartura de fósforos para iluminar sua própria obra

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Mecanismos Internos

  • Preço R$ 89,90 (384 págs.)
  • Autoria J.M. Coetzee
  • Editora Carambaia
  • Tradução Sergio Flaksman

Ensaios Recentes

  • Preço R$ 87,90 (352 págs.)
  • Autoria J.M. Coetzee
  • Editora Carambaia
  • Tradução Sergio Flaksman

“Mecanismos Internos” (2000-2005) e “Ensaios Recentes” (2006-2017), de J.M. Coetzee, são duas coleções de ensaios breves unificadas pelo subtítulo “Textos sobre literatura” e assinadas por um dos maiores escritores vivos. A edição é caprichada, em capa dura, à moda da Carambaia, e os volumes são vendidos separadamente.

Casados, os dois livros do escritor nascido na África do Sul e naturalizado australiano representam dois terços de sua trilogia crítica: fica de fora “Stranger Shores” (1986-1999), inédito no Brasil, que é o de maior fôlego ensaístico. Talvez ainda saia um quarto. Aos 80 anos, Coetzee permanece ativo e em forma.

Dos dois lançamentos, com sua maioria de textos sobre livros e autores canônicos publicados na New York Review of Books ou em forma de prefácios, só “Ensaios Recentes” é inédito. “Mecanismos Internos” saiu em 2007 pela Companhia das Letras com a mesma ótima tradução de Sergio Flaksman, que agora completa o serviço.

Os dois volumes se concentram em autores do século 20 de língua inglesa ou alemã, sobretudo europeu e americano (Musil, Walser, Sebald, Faulkner, Bellow, Joseph e Philip Roth), com incursões consistentes ao século 19 (Hawthorne, Flaubert, Tolstói) e visitas ocasionais a escritores fora do eixo, como os latino-americanos García Márquez e Di Benedetto e o australiano Patrick White. Também fogem de um padrão Nadine Gordimer e Irène Némirovsky, as únicas mulheres.

O escritor mais antigo da turma fica distante do tempo histórico acima, mas não é uma surpresa: o inglês Daniel Defoe (1660-1731), pai de Robinson Crusoé, é uma obsessão de Coetzee, e aqui surge na abertura de “Ensaios Recentes” com a análise de uma obra menor, “Roxanna”.

Defoe é a inspiração de “Foe”, de 1986, um dos livros mais experimentais de Coetzee, e o fio condutor de seu belo discurso de aceitação do Nobel, em 2003. Também aparece citado como autor de “Diário do Ano da Peste” no ensaio (do mesmo volume) de maior atualidade acidental —sobre o romance “Nemesis”, de Philip Roth, e a epidemia de poliomielite que está em seu centro. Entre os autores da galeria coetziana, o campeão de aparições é Samuel Beckett, com cinco textos na soma dos dois livros.

Para os fãs, os lançamentos beiram o imperdível. Ao discorrer sobre seus colegas, o autor de “Desonra” lança sobre a literatura seu olhar peculiar —clínico, mortalmente sério, absurdamente inteligente, um tanto frio— e produz uma fartura de fósforos com os quais iluminar sua própria obra.

Alguns deles: a questão da segunda língua (sua primeira é o africâner); o terreno minado entre autor, narrador e leitor; a fronteira difusa entre fato e ficção; a literatura como negação da tirania; a disposição de, como ele vê Tolstói fazer em “A Morte de Ivan Ilitch”, desafiar os leitores que “procuram nas obras da literatura só uma distração civilizada e nada mais”.

Falando de “Madame Bovary”, Coetzee afirma que Flaubert é um “romancista dos romancistas” devido a “seu talento para tratar questões de maior alcance (...) como problemas de composição”. Também ele tem esse talento, com a diferença de que a visão de mundo na base de suas equações narrativas privilegia a ética sobre a estética na hora de entrecruzar essas duas dimensões da arte.

Quem não é fã do autor pode se incomodar com uma certa ligeireza. Um molde textual jornalístico, quase sempre ancorado na biografia e no encadeamento episódico, limita o fôlego do mergulho crítico. As iluminações são muitas, mas tendem ao avulso e se sucedem em progressão mais horizontal do que vertical.

Quando Coetzee discorre brevemente sobre os limites da alegoria em seu ensaio sobre “A Letra Escarlate”, de Hawthorne, é difícil não pensar no modo brilhante como ele ironiza, destrincha e redefine a alegoria em sua trilogia de Jesus, obras vigorosas da velhice.

Um ensaio livre dedicado a um tema dessa fecundidade, no qual autores diversos fossem convocados ao sabor do encadeamento das ideias e não o contrário, não se encontra infelizmente nesses livros.

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