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Filmes Globo de Ouro

'Nomadland', vencedor do Globo de Ouro, tem interpretações vigorosas

Frances McDormand é uma das poucas personagens fictícias do longa, que faturou dois principais prêmios em Hollywood

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Nomadland

  • Elenco Frances McDormand, David Strathairn, Linda May
  • Produção Estados Unidos, 2020
  • Direção Chloé Zhao

Na crise que derreteu o sistema financeiro dos Estados Unidos em 2008, mais de 1 milhão de famílias do país perderam suas casas, muitas vezes depois de perder seus empregos também.

Muitos deles passaram a viver como nômades, em vans adaptadas ou casas motorizadas, se movimentando ao longo do ano todo em busca de empregos temporários, principalmente nos grandes galpões da Amazon montados para dar conta do aumento das vendas nas festas de fim de ano.

São pessoas solitárias, que vivem numa espécie de tribo itinerante e que de resto são imperceptíveis pela sociedade. Em 2017, essa tribo ganhou o livro definitivo, "Nomadland: Surviving America in the 21st Century", escrito pela jornalista Jessica Bruder.

A obra foi adaptada para o cinema e vem colecionando prêmios nos festivais internacionais em que foi exibido desde o ano passado —neste domingo, faturou os dois principais prêmios do Globo de Ouro, de melhor filme de drama e direção.

É o terceiro longa da realizadora sino-americana Chloé Zhao e uma coprodução com a atriz Frances McDormand, que comprou os direitos do livro assim que ele foi lançado e convidou Zhao para o levar às telas.

De cara, o filme foge de duas maldições –é tão bom quanto o livro que deu origem a ele, se não melhor, e, ao decidir escalar não atores para interagir com a atriz principal, no caso os mesmos personagens reais da obra literária, arranca deles interpretações vigorosas.

Impossível tirar os olhos de Linda May, uma espécie de guia de Fern ao mundo dos nômades. Fern é uma das únicas personagens fictícias da trama, justamente a interpretada por Frances McDormand. O nome foi sugerido pela própria atriz, conhecida como Fran, que queria um nome parecido com o dela para que pudesse interagir naturalmente com as pessoais reais. Ela não revelou aos coadjuvantes que era uma atriz interpretando uma personagem –e os convenceu.

A mesma coisa acontece com Swankie, que ensina a Fern como se virar sozinha na estrada. E com Bob Wells, um tipo de guru dos nômades, que todo ano promove um encontro da comunidade em Quartzside, no sul do estado do Arizona. Fern vai a um deles. Em volta de uma fogueira, os nômades lembram algumas de suas histórias e exaltam seu estilo de vida.

São pessoas com mais de 60 anos, que viveram vidas convencionais, com casamentos, filhos, empregos, alegrias e tristezas, mas que não tiveram a opção de usufruir de uma aposentadoria tranquila. Com pouco ou nenhum dinheiro, decidiram abrir mão de tudo o que tinham para viver na estrada.

A vida ficcionalizada de Fern também parte de um fato real –o fechamento, em 2011, da empresa-cidade Empire, uma mineradora no estado de Nevada, e o fim da comunidade que foi construída em torno dela.

Fern e seu marido trabalhavam ali e, depois que ele morre de câncer, ela não tem mais o que a prenda ao lugar. Seu marido e sua própria cidade deixam de existir. Ela compra então uma van, que batiza Vanguard, deixa quase todos os seus pertences num guarda-móveis e parte para uma viagem sem volta.

David Strathairn, de "Boa Noite e Boa Sorte", de 2005, é o um dos únicos outros atores de "Nomadland". Ele também interpreta um personagem com nome parecido com o seu, Dave, um homem que se aproxima de Fern nos estacionamentos de vans em que param seus veículos-casas e que tem óbvio interesse nela.

O filme poderia ser triste, melancólico ou violento. Não é nada disso, só pungente, de uma beleza ímpar ao lançar luz sobre esse grupo de pessoas e ao mostrar cenários abertos dos estados de Nebraska, Nevada, Arizona, Dakota do Sul e Califórnia.

E, junto de "Fargo", de 1996, e "Três Anúncios para um Crime", de 2017, pelos quais McDormand ganhou seus dois troféus no Oscar, é a melhor atuação da brilhante carreira dessa atriz de 63 anos.

Sem glamorizar a vida dos nômades, Fern passa grande parte do tempo em cena sozinha, esperando em lavanderias enquanto sua roupa seca, esquentando sopas enlatadas em seu fogãozinho de uma boca, usando um balde como banheiro, celebrando a chegada de um novo ano sem nenhuma companhia.

Numa passagem, quando Fern vai a uma cidade visitar sua irmã, que vive uma vida convencional, ouve dela que agora faz parte de uma tradição americana, "como os pioneiros", que desbravaram o país quando ainda era habitado só por índios.

A irmã está querendo ser gentil, valorizando a opção de vida de Fern. É o que o filme também faz, sem, no entanto, maquiar os problemas sociais dos Estados Unidos, com uma população mais velha cada vez maior e mais desprotegida.

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