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Livros América Latina

Clássico 'As Veias Abertas da América Latina' chega datado a seus 50 anos

O tempo não tirou, porém, os méritos essenciais da obra, que ainda serve de documento sobre os anos 1970

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Quando o escritor uruguaio Eduardo Galeano, morto há seis anos, inscreveu "As Veias Abertas da América Latina" no prestigioso concurso da Casa de las Américas, em Cuba, a obra foi rejeitada pelo tom coloquial e pelo estilo pessoal com que narra a história da região. "O júri achava que um livro de esquerda tinha de ser chato, difícil de ler", comentou Galeano em entrevista, anos depois.

O fato é que, lançado em 1971, "As Veias Abertas" se tornaria rapidamente uma leitura obrigatória na região, principalmente por jovens progressistas, por analisar os problemas latino-americanos a partir da exploração que o continente sofreu desde o seu descobrimento pelos europeus.

É um livro de história, política e economia, mas escrito de um modo ensaístico bastante particular. Numa década marcada pelas ditaduras no Cone Sul, foi lido avidamente pelos que se opunham aos regimes militares que marcaram essa época.

No Uruguai, durante a ditadura, que durou de 1973 a 1985, a obra foi proibida. Três anos depois, em 1976, quando ocorreu o golpe militar na Argentina, Galeano passou a ser buscado em Buenos Aires, cidade que visitava com frequência. Sem alternativas, partiu para um longo exílio na Espanha. Ali viveu mais de uma década e lançou sua trilogia "Memoria del Fuego". Só voltou ao Uruguai em 1985, com a redemocratização do país.

Desde seu lançamento, "As Veias Abertas" foi se transformando numa espécie de Bíblia da esquerda da região. Tanto que, em 2009, numa Cúpula das Américas, o então ditador da Venezuela, Hugo Chávez, deu de presente um exemplar do livro a Barack Obama, num gesto em que demonstrava querer educar o americano, digamos, sobre os efeitos do imperialismo dos Estados Unidos na região.

O ditador venezuelano Hugo Chávez cumprimenta o presidente americano Barack Obama e dá a ele o livro 'As Veias Abertas da América Latina' durante encontro da Cúpula das Américas, em Port of Spain, em Trinidad e Tobago - Jim Watson - 18.abr.2009/AFP

Hoje, a obra chega ao seu aniversário de 50 anos como um clássico datado. De lá para cá, estudos acadêmicos e jornalísticos se debruçaram sobre os problemas latino-americanos sem tanto engajamento ideológico e de um modo mais rigoroso —algo que Galeano nunca buscou, porque dizia que queria que seu relato tivesse o tom de uma novela de piratas. Também envelheceu mal a excessiva vitimização que o livro faz da região.

O próprio Galeano, um ano antes de morrer, afirmou, de modo irônico, sobre o livro, que "não voltaria a ler 'As Veias Abertas da América Latina' porque creio que desmaiaria". Alguns leram aí um arrependimento do autor, mas ele explicou que também achava que o título e as ideias haviam sido demasiado repetidos.

A passagem do tempo, porém, não tira os méritos essenciais da obra —chamar atenção para a história da região, mostrar os efeitos que o modelo colonial teve no nosso (sub)desenvolvimento econômico, a influência da Igreja Católica na moral e nos costumes, além de mostrar uma identidade cultural e histórica comum e revelar personagens e episódios essenciais para entender a América Latina nos nossos dias. Também se trata de um documento sobre a trágica época em que foi escrito, os anos 1970, marcada pela perseguição e a repressão das ideias de esquerda.

Chama atenção na obra, também, a quantidade de fontes e referências. Estão entre eles historiadores, sociólogos e pensadores de distintos países. Domingo Faustino Sarmiento, Tulio Halperín Donghi e Bartolomé Mitre, da Argentina; José Carlos Mariátegui, do Peru; Darcy Ribeiro e Celso Furtado, do Brasil; Alejo Carpentier, de Cuba; Miguel Ángel Asturias, da Guatemala; e tantos outros.

No prólogo de uma das edições posteriores do livro, Galeano explicou por que se recusou a escrever de modo sério, por assim dizer, como ele imaginava que desejava o júri do Casa de las Américas.

"A linguagem hermética nem sempre é o preço inevitável da profundidade. Pode esconder, simplesmente, em alguns casos, uma incapacidade de comunicação elevada à categoria de virtude intelectual. Suspeito que a escrita chata serve, quase sempre, para benzer uma ordem estabelecida, ou seja, de que o conhecimento é um privilégio da elite."

A editora Siglo 21 lançou recentemente uma edição comemorativa do livro, com nova introdução e recheada de vinhetas e ilustrações de Tute, um dos principais chargistas argentinos. A versão brasileira chega entre julho e agosto, numa iniciativa coordenada pela mesma editora com todas as detentoras dos direitos internacionais do "Veias Abertas".

Para acompanhar o lançamento, a Siglo 21 preparou também uma série de vídeos em que personalidades da cultura leem trechos da obra. O primeiro a circular nas redes é do cantor e compositor espanhol Joan Manuel Serrat.

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