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Podcast investiga a desigualdade racial nas escolas americanas

'Nice White Parents' mostra como tentar resolver questões estruturais da noite para o dia cria novos problemas

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São Paulo

Quando o jornal The New York Times comprou a produtora Serial –responsável pelo podcast homônimo que viralizou em 2014– ouvidos de aficionados por essa mídia ficaram atentos. A fusão foi feita em junho do ano passado e custou cerca de US$ 25 milhões.

Um mês depois, foi lançado o primeiro podcast fruto da parceria. Nice White Parents (em português, bons pais brancos) analisa como as pessoas brancas, mesmo as mais bem intencionadas, contribuem para a desigualdade racial no sistema de educação pública dos Estados Unidos.

Em cinco episódios, a jornalista Chana Joffe-Walt, veterana da rádio pública americana, conta a saga da escola Boerum Hill, localizada em um bairro do Brooklyn, em Nova York. Antes da gentrificação, os estudantes eram majoritariamente negros e filhos da classe trabalhadora. Quando pessoas brancas e com maior poder aquisitivo começaram a se mudar para a região, as prioridades da escola mudaram para agradar os novos moradores.

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Família passa em frente a uma escola pública no bairro do Brooklyn, em New York - Angela Weiss / AFP

A apuração que deu origem a esse podcast começou em 2015, quando Joffe-Walt ainda era produtora do aclamado This American Life. Ela fez uma série de reportagens sobre educação e segregação racial junto de Nikole Hannah-Jones, nome por trás do projeto e do podcast 1619 –centrado no impacto da escravidão e na contribuição de afrodescendentes para a história americana. O trabalho feito pelas duas repórteres recebeu o Peabody Award por “dar detalhes pessoais perspicazes sobre uma política normalmente discutida de forma abstrata”.

Em Nice White Parents, os problemas estruturais do sistema educacional americano também são pautados de forma concreta. Ao longo dos episódios, ouvimos a perspectiva de pais, alunos e funcionários sobre o que faria de Boerum Hill uma escola melhor –com diferenças claras entre a visão de pessoas brancas e não brancas. E Joffe-Walt continua apostando na perspectiva pessoal.

No começo do primeiro episódio, a repórter ilustra como ela própria é parte do problema que investiga. “Acho que nunca senti meu poder de consumo de maneira tão visceral como quando avaliei uma escola pública como uma mãe branca”, conta sobre uma das visitas que fez em busca de uma escola para os seus filhos.

Estando ela própria nesse lugar um tanto desconfortável, Joffe-Walt provoca reflexões sobre privilégio branco sem ser condescendente. Assim como outros pais ouvidos ao longo da série, ela se incomoda com a desigualdade racial e com a forma injusta como o sistema educacional americano se reorganizou após a segregação. Mas a repórter reconhece que o privilégio de pessoas brancas é inexorável e que se incomodar com isso não basta.

Nesse sentido, o podcast não poderia ter sido lançado em um momento melhor. Ele chegou aos tocadores no mesmo ano em que os protestos motivados pelo assassinato de George Floyd levaram pessoas brancas a se questionar como ser antirracistas. E Nice White Parents mostra como a resposta nunca é simples.

Tentar consertar décadas de desigualdade racial do dia para a noite pode acabar criando novos problemas, ilustrados em diversas situações emblemáticas na série –como uma iniciativa de jantar beneficente promovida por um grupo de pais brancos que acaba sendo sediado na embaixada francesa, se tornando inacessível para uma parte da comunidade escolar.

O podcast acerta ao expor os problemas com as "soluções" e ao explorar caminhos que poderiam funcionar para que a escola se torne um lugar melhor para todos, não só para um pequeno grupo de alunos brancos. No último episódio há, inclusive, um exemplo concreto disso.

Em relação à qualidade, Nice White Parents entrega aquilo que se esperaria de um podcast produzido por dois grandes nomes do meio –uma boa produção, áudios bem captados e uma edição de som precisa, que sabe valorizar o silêncio e usar trilhas para dar ritmo às cenas.

As escolhas narrativas feitas por Joffe-Walt e equipe transformam um tema árido, como desigualdade racial, em uma história interessante, na medida do possível. As boas cenas do primeiro episódio criam uma expectativa no ouvinte que não é atendida nos outros episódios, que são um pouco mais lentos e explicativos.

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