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Museu do Oscar repensa suas exposições em tempos de Black Lives Matter e MeToo

Espaço será inaugurado em setembro e trará galerias sobre diversidade e preconceito em Hollywood

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Robin Pogrebin
The New York Times

Como criar um museu sobre um setor num momento em que o setor em questão está mudando? Como representar uma história quando essa história está repleta de omissões?

Esse é o desafio que o Academy Museum of Motion Pictures, que está sendo preparado desde 2012, enfrenta. Depois de diversos adiamentos, o mais recente dos quais causado pela pandemia, o museu por fim tem sua inauguração marcada para setembro, em Los Angeles, na esquina da avenida Fairfax com o Wilshire Boulevard.

Enquanto o edifício de 27 mil metros quadrados e que custou US$ 482 milhões —cerca de R$ 2,4 bilhões—, projetado por Renzo Piano, estava em construção, o negócio do cinema passava por um processo de desconstrução causado por movimentos sociais sísmicos como #OscarsSoWhite, MeToo e Black Lives Matter. O reconhecimento dos obstáculos enfrentados pelas mulheres diretoras, pelos atores de origem asiática e por outros grupos também cresceu.

Como resultado, o novo diretor e presidente do museu, Bill Kramer —que em 2019 substituiu Kerry Brougher, o fundador da instituição— empregou os dois últimos anos para repensar e refinar os espaços de exposição, garantindo que as lacunas na história do cinema sejam reconhecidas e que as mulheres e as pessoas não brancas recebam o reconhecimento merecido.

Uma nova galeria que tratará da história do Oscar ano a ano, por exemplo, conta com telas que mostrarão discursos de agradecimento significativos, como o de Hattie McDaniel, de “...E o Vento Levou”, a primeira atriz negra a ganhar um Oscar, mas que foi forçada a se acomodar numa mesa segregada na cerimônia de premiação, Bong Joon-ho, diretor do filme sul-coreano "Parasita", e as duas únicas mulheres a receberem o Oscar de melhor direção —Chloé Zhao e Kathryn Bigelow.

“O que não queremos é um espaço comemorativo que não proponha um diálogo crítico sobre aquilo que não fizemos do jeito certo”, disse Kramer em uma conversa durante uma visita recente ao museu. “Não vamos distorcer a história. Vamos falar de filmes que sempre estiveram lá."

Fundado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a organização por trás do Oscar, o museu tem mais de 13 milhões de objetos em uma coleção que vem crescendo desde a fundação da Academia, em 1927. Eles incluem fotografias, roteiros, figurinos, desenhos de cenários, adereços, cartazes e filmes.

Originalmente, o museu planejava exibir uma história em geral acrítica da indústria cinematográfica. O plano original da instituição tinha por título “onde os sonhos são fabricados: uma jornada no cinema”.

Mas sob a direção de Kramer —que trabalhou por quatro anos no desenvolvimento do projeto, depois de ser contratado de seu posto anterior na Brooklyn Academy of Music—, surgiu um esforço por uma narrativa mais complexa e completa, que leve em conta as lacunas que existem na história do cinema.

Depois de ser redesenhada por Kulapat Yantrasast, do escritório WHY Architecture, a área de exposição foi reformulada. Um novo filme de apresentação sobre a história do cinema, com 13 minutos de duração, inclui trabalhos de realizadores negros, asiáticos, hispânicos, latinos, indígenas e internacionais.

Uma galeria sobre a realização de “O Mágico de Oz” foi expandida para incluir não só o trabalho daqueles que ajudaram a criar o filme mas também elementos menos lisonjeiros, como os maus tratos de Louis B. Mayer, o presidente do estúdio MGM, a Judy Garland, estrela do filme.

As galerias no espaço central de exposição que contam a história do Oscar agora abrigam um espaço contendo 20 estatuetas que representam vitórias de um grupo diversificado de realizadores que inclui Sidney Poitier, Buffy Sainte-Marie, Ang Lee e Barry Jenkins.

“Não podemos representar o cinema a não ser que representemos todo o cinema”, disse Dawn Hudson, presidente-executiva da Academia, sobre as desigualdades do setor: “Esse é um legado terrível a carregar, e nós o temos."

Além de uma galeria dedicada a “Cidadão Kane”, há espaços reservados a “Mulheres de Verdade Têm Curvas”, uma comédia de 2002, aos diretores Spike Lee e Pedro Almodóvar, ao ator e campeão de artes marciais Bruce Lee e à editora Thelma Schoonmaker.

Uma galeria é dedicada a Oscar Micheaux, um cineasta negro que produziu filmes para audiências negras “que costumavam se ver excluídas, estereotipadas e vilificadas nos filmes convencionais”, disse Kramer, acrescentando que Micheaux “foi um inovador tão grande quanto Orson Welles, nas primeiras décadas da indústria cinematográfica”.

Outras galerias contemplam quatro áreas de impacto social —Black Lives Matter, MeToo, relações trabalhistas e mudança do clima— por meio de filmes documentais e narrativos. Há um espaço reservado ao racismo e sexismo nos filmes de animação e outro sobre a história das caracterizações caricatas de atores brancos como negros, asiáticos ou indígenas por meio de maquiagem.

“Por muito tempo, ocultar os pecados foi fácil”, disse a atriz Laura Dern, que integra o conselho do museu, acrescentando que “é hora de dizer a verdade sobre a história”.

O museu tem orçamento operacional de US$ 46 milhões ao ano —R$ 231 milhões— e espera elevar sua dotação básica de US$ 22 milhões a US$ 115 milhões nos próximos anos —R$ 110 milhões a R$ 578 milhões.

Exposições especiais no quarto andar serão dedicadas primeiro aos filmes de animação de Hayao Miyazaki, diretor de “A Viagem de Chihiro", e depois à história do cinema negro de 1898 a 1971.

Os poderes decisórios também foram distribuídos de modo mais amplo, para refletir melhor a diversidade que o museu busca representar, com um comitê consultivo de diversidade —presidido pela produtora Effie Brown—, que foi expandido de oito para 24 membros da Academia.

Para ajudar a desenvolver conteúdo novo para exposições, Kramer criou 17 grupos de trabalho compostos cada qual por três membros da Academia, representando os departamentos, como edição, figurino, direção de arte ou atuação. Um integrante de cada grupo é parte do comitê de inclusão.

Além disso, o museu diversificou seu quadro de pessoal. “Eu me lembro de olhar para a equipe do museu e pensar comigo mesmo ‘por que todo mundo é branco?’”, disse o documentarista Arthur Dong, membro do comitê, na primeira reunião do comitê de inclusão, em 2017.

“Nós pusemos nossa estampa no museu. Deixamos uma marca naquilo que o público verá, em como a história do cinema será interpretada e em como pensamos sobre o futuro do cinema.”

Tradução de Paulo Migliacci

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