Descrição de chapéu
Livros

Cartas mostram Freud como um pai moralista, mas revolucionário

Livro é material riquíssimo que permite acompanhar a relação mais íntima do psicanalista com seus filhos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marcelo Checchia

Psicanalista com pós-doutorado em Psicologia Clínica pela USP e autor de "Origens Psíquicas da Autoridade e do Autoritarismo'', entre outros livros

Cartas aos Filhos

  • Preço R$ 119 (644 págs.)
  • Autor Sigmund Freud (org. Michael Schröter)
  • Editora Civilização Brasileira
  • Tradução Georg Otte e Blima Otte

A publicação em português de uma compilação de cartas de Sigmund Freud destinadas a cinco de seus seis filhos, organizadas pelo sociólogo alemão Michael Schröter, é uma notícia muito bem-vinda não só para a comunidade psicanalítica, mas para todos os interessados na personalidade desse ser humano que marcou a história ao fundamentar um novo campo de saber em torno do inconsciente.

As cartas são um material riquíssimo, permitindo acompanhar mais intimamente como era Freud como pai enquanto já era um importante personagem na Viena do início do século 20.

As cartas escolhidas foram escritas de 1907 a 1939, mas se concentram na fase em que os filhos eram adultos jovens, ainda não totalmente independentes. Com isso, não é possível ver Freud quando seus filhos ainda eram crianças e a família parecia ser mais conturbada.

O austríaco Sigmund Freud, fundador da psicanálise, e sua filha Sophie - Reprodução

Mas, mesmo com filhos já adultos, vemos um pai ainda bastante dedicado. As mais de 600 páginas de cartas —que não incluem as respostas dos filhos, por não terem sido conservadas— já são uma prova disso.

A edição do material está impecável. Cada capítulo é composto por correspondência destinada a um dos filhos e é precedido por uma biografia resumida que ajuda a compreender o contexto de cada carta. De brinde, o livro contém fotografias inéditas da família Freud —um feito difícil, considerando o vasto número de publicações já realizadas.

A única crítica à edição é a localização da apresentação do livro nos anexos. Ali há informações importantes sobre o critério de seleção e organização das cartas, com assinatura do organizador. Só encontramos seu nome, antes do anexo, nas miudezas da ficha catalográfica, o que nos leva a ler a introdução e as biografias sem saber ao certo quem as escreveu. É recomendável, portanto, a leitura do primeiro anexo antes mesmo da introdução.

Cabem ainda duas ressalvas, não à edição, mas a duas afirmações do organizador. Schröter diz que há boas razões objetivas para que as cartas à filha caçula, Anna, não tenham sido incluídas nessa edição –o fato de ela nunca ter se casado, de terem sido conservadas suas respostas e de ter se tornado psicanalista.

Os três fatos são carregados de complexos fatores subjetivos imprescindíveis para observarmos como Freud se posicionava como pai de seis filhos. A publicação separada das cartas entre Anna e Freud, muito antes de ter boas razões objetivas, tão somente reflete o lugar de exceção que ela ocupou entre os filhos.

A segunda afirmação de Schröter é a de que Freud jamais adotou uma atitude moralista com relação aos filhos. As próprias cartas mostram que não era bem assim, por exemplo, quando Freud julga os pretendentes a se casar com Mathilde e busca controlar a vida amorosa da filha.

“Estou longe de pensar em mantê-la em casa até que ninguém mais goste de você, mas quero fazer uso de meu direito de controlar seus afetos enquanto você estiver tão inexperiente na vida e no amor”, ele disse a ela, numa das cartas.

Por vezes, o próprio Freud percebia sua postura patriarcal, mas nem sempre. E é claro que, ainda assim, como as cartas também mostram, Freud continuava sendo um pai revolucionário para a época.

Pois é justamente essa uma das maiores riquezas desse material –evidenciar as contradições do homem e pai Freud, como ele era simultaneamente revolucionário e conservador, um pai muito à frente de sua época e um típico patriarca que ascendeu à alta burguesia vienense, o que o organizador bem indica.

Por isso, o livro tem muito valor não só para os psicanalistas como para o público em geral. Com ele, alcançamos mais de perto quem foi o homem e o pai Freud, ajudando a derrubar a idealização que a genialidade de seus textos teóricos e clínicos tendem a provocar.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.