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'Duna' documenta o perigo real de líderes messiânicos, diz diretor Denis Villeneuve

Com Timothée Chalamet, ficção científica volta às telonas quase 40 anos após adaptação controversa de David Lynch

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Cena do filme

Timothée Chalamet e Rebecca Ferguson em cena do filme 'Duna', de Denis Villeneuve Divulgação

Campinas (SP)

O medo mata a mente, diz um dos mantras de "Duna", mas foi um ataque do coração que matou Arthur Jacobs, produtor hollywoodiano por trás de "O Planeta dos Macacos" e o primeiro a tentar levar o livro de ficção científica de Frank Herbert para as telonas, em 1973.

O que já seria uma produção milionária com David Lean virou um projeto grandioso até demais nas mãos de Alejandro Jodorowsky, que não passou de um gigantesco storyboard, mas inspirou a brilhante HQ "Incal". Em 1979, nem Ridley Scott —depois de "Alien", mas antes de "Blader Runner"— conseguiu dar conta. E só depois de sete versões do roteiro, a versão cinematográfica de David Lynch conseguiu deslanchar com a aprovação do autor do livro. Mesmo assim, o filme lançado em 1984 foi um fracasso, retalhado pelo estúdio e rejeitado pelo diretor.

"Tudo que eu amo sobre o livro ainda não estava nas telonas, e ainda havia muito a ser feito a partir da minha sensibilidade", conta ao repórter o cineasta Denis Villeneuve, diretor da mais nova adaptação de "Duna", que chega aos cinemas brasileiros na quinta-feira que vem. Mas, ciente do que tem em mãos, ele adverte que "o fracasso é parte da natureza artística".

Cena do filme "Duna", de Denis Villeneuve
Da esq. para dir., Rebecca Ferguson, Zendaya, Javier Bardem e Timothée Chalamet em cena do filme 'Duna', de Denis Villeneuve - Divulgação

Considerado um dos nomes mais autorais de Hollywood, Villeneuve, de 54 anos, já enfrentou muita responsabilidade em produções como "Blade Runner 2049", de 2017, que imagina um futuro para o clássico de 1982. E, se o medo mata a mente, nada melhor que uma carta branca dos produtores e US$ 165 milhões para trazer às telonas esse trabalho com o qual o diretor sonha desde os 14 anos.

"O mais difícil foi agradar àquele adolescente tão arrogante e ambicioso que eu era", conta o diretor, que espera contemplar desde os fanáticos até quem nunca ouviu falar da série —e nem teria paciência para um livro com mais de 600 páginas e um glossário de conceitos próprio.

Ambientado num futuro séculos à frente, "Duna" narra a saga de Paul Atreides, papel de Timothée Chalamet, príncipe de um feudo galático que passa a controlar o planeta-título, disputado por causa da especiaria, a commodity mais valiosa do universo, só encontrada neste deserto habitado pelo povo nativo, os Fremen, e vermes colossais.

A alegoria desta saga que começou a ser escrita em 1965 fica mais simples se trocarmos Duna pelo Oriente Médio, e a especiaria pelo petróleo. E se você já viu algum dos blockbusters dos últimos 50 anos, sabe quão velha é a história de um "escolhido" predestinado a salvar o mundo. Não à toa, esse é um livro que inspirou de "Star Wars" a animações japonesas —mas que tem como mensagem central a ideia de um perigo real.

"O livro de Herbert é um alerta sobre figuras messiânicas que usam a religião como uma ferramenta política", conta o diretor. "Ele previu o crescimento do fanatismo e só ficou mais atual com o tempo. Fazer ‘Duna’ às vezes pareceu mais um documentário sobre a realidade e sobre o futuro do que uma ficção científica".

Para se aprofundar nesse aspecto, porém, Villeneuve ainda tem de aguardar a aprovação da chefia para continuar a trama e mostrar as reviravoltas que essa primeira parte sugere —afinal, seu filme só chega à metade do catatau.

"É o maior filme que eu já fiz, mas é uma introdução. É como se eu tivesse feito apenas meia sinfonia. É uma aposta", constata. Quando entrou no jogo, Villeneuve não contava com uma pandemia no meio das filmagens. "A finalização a distância foi mais difícil, mas eu diria que me deu um tempo precioso para experimentar e ter certeza de que o filme ficaria do jeito que eu queria".

Fãs até podem duvidar sobre a divisão e sobre o final algo abrupto, mas Villeneuve acredita que as transformações de Paul "no final do filme seriam demais para a audiência assimilar".

O destino do segundo filme continua dependendo da crise sanitária e de seu efeito nas bilheterias internacionais —que já somam mais de US$ 100 milhões pelo lançamento em alguns países europeus, acompanhando a boa recepção no Festival de Veneza— e o desempenho da estreia simultânea na HBO Max americana.

Não é o lançamento ideal exclusivo para os cinemas como sonhava Villeneuve. "Somos animais sociais, queremos experimentar coisas juntos", justifica na entrevista, mas ele acata a importância financeira do sob demanda.

Sorte por sorte, a escolha de Chalamet para viver o "Lisan al Gaib" —uma das nomenclaturas proféticas do protagonista— teve lá seu lado fatídico. "O Timothée era o único que poderia fazer o personagem, era com quem eu sonhava. Ele é muito maduro, tem uma alma velha e, ao mesmo tempo, parece ter uns 14 anos na frente da câmera", conta o diretor sobre seu escolhido, o badalado colírio de 25 anos que já foi indicado ao Oscar.

"Denis e eu tivemos um foco muito grande em representar a imaturidade desse jovem, e em mostrar quem é o Paul antes da cena do Gom Jabbar, e como ele era antes de entrar nessa trajetória da profecia", lembra Chalamet, falando do momento em que seu personagem passa por um teste decisivo.

Outro rostinho pop do elenco é Zendaya —também aos 25, já dona de um Emmy de melhor atriz por "Euphoria". Mas a turba de fãs que estiver indo ao cinema para ver a atriz talvez fique mais satisfeita se esperar por "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa", que sai em dezembro.

Sua personagem aparece mais em visões que acometem Paul e, depois, só nos minutos finais do filme, com um punhado de falas. "Mesmo com a pequena participação, foi um sonho participar desse universo recriado pelo Denis", diz a atriz, que promete ter maior destaque na continuação.

O cantor Sting e Kyle MacLachlan em cena de 'Duna', de 1984, dirigido por David Lynch - Divulgação

Mas não que as personagens femininas fiquem em segundo plano. Chani, a personagem de Zendaya, assume traços proféticos e fatais que só perdem para a mãe de Paul, vivida por Rebecca Ferguson.

Membro da irmandade Bene Gesserit —algo como bruxas desse universo—, Lady Jessica desafiou as próprias superiores ao conceber um filho homem com o duque Leto, papel de Oscar Isaac, e ainda treinar o menino com os poderes dessa ordem.

"A rebeldia da Jessica é muito atraente e gosto como o Denis a quis empoderar de forma diferente. Eu a vejo como uma mãe sem gênero, que está de vestido, mas como um símbolo de poder", diz Ferguson, sobre a personagem que tem aqui um destaque que nem o livro, nem o filme de 1984 davam a ela.

Da mesma forma, a presença do barão Harkonnen, chefe da casa rival dos Artreide e antigo explorador da especiaria, saiu de um seboso pederasta na visão homofóbica do filme de 1984 —e que espelha a visão preconceituosa de Herbert— para um obeso imponente e sem piedade. Para dar vida a ele, Stellan Skarsgard teve de ficar sob quilos de próteses e maquiagem encarando uma preparação que demorava cerca de oito horas.

Jason Momoa, Josh Brolin, Javier Bardem, Dave Bautista e Chen Chang completam a constelação do elenco que, em grande maioria, Villeneuve tinha em mente quando começou a conceber o projeto. Sob a maldição dos holofotes como o "escolhido" da vez, o canadense vive um cenário bem diferente de quem, há 30 anos, roubava a trilha sonora do "Duna" de Lynch para enxertar num curta documental.

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