Descrição de chapéu Artes Cênicas

Grupo Corpo traz Palavra Cantada no retorno aos palcos com 'Primavera'

Espetáculo repercute inovações da pandemia com cenas curtas e projeções da dança em tempo real

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São Paulo

"Primavera", coreografia que o Grupo Corpo apresenta nesta quarta no Teatro Alfa, surgiu quase como um desabafo. "Vamos parar de olhar para o chão? Está tudo tão difícil, que tal falar de coisa boa?", propõe Rodrigo Pederneiras, coreógrafo da companhia.

Foram quase dois anos sem espetáculos ou viagens, fontes de renda para o grupo mineiro, e meses sem se encontrar para aulas e ensaios. Como todos, o Corpo foi se virando —aulas online para os bailarinos, para profissionais de saúde e para o público em geral, espetáculos e obras online.

Todos trabalharam remotamente, com jornadas e salários reduzidos. "Mas não demitimos ninguém, está todo mundo aqui, vivo", diz Pederneiras.

A decisão de fazer o espetáculo surgiu ainda no olho do furacão. Sem dinheiro, sem poder se reunir ou entrar em estúdio para compor a trilha com os músicos —músicas compostas para cada coreografia são marca do Corpo.

Foi quando o coreógrafo chamou Sandra Peres e Paulo Tatit, do Palavra Cantada. "Sempre fui fanzaço da dupla. Liguei para eles e disse que estava pensando numa loucura", conta. Eles são famosos por fazer música para crianças e a proposta de Pederneiras era criar uma trilha nova com músicas já prontas, eliminando letras, coro de vozes, até melodias.

"Propus usar as bases musicais para eles criarem um trabalho não específico para crianças. E a gente, do lado de cá, faria algo diferente", conta.

A relação entre o Corpo e a Palavra Cantada é antiga. Num estúdio da dupla foram produzidas trilhas de coreografias famosas da companhia, como "Parabelo", de José Miguel Wisnik e Tom Zé, ou "Corpo", de Arnaldo Antunes.

Mas Sandra Peres nunca imaginou uma trilha do Palavra Cantada. "Era muito desafiador, mas também estimulante. Fazemos música experimental para criança, a gente traz de tudo", afirma ela.

A dupla começou a escolher músicas do acervo de mais de 340 canções para mandar ao coreógrafo só os playbacks. "Foi um exercício de desapego. Nossa música não era daquele jeito, tivemos de entender de outro. Saiu a palavra, entrou o corpo", diz Peres.

As 14 composições da trilha são músicas feitas entre 1999 e 2017, gravadas com diferentes pessoas. "Temos 57 músicos na trilha, como seria possível fazer uma loucura dessas se não fossem as circunstâncias atuais?", pergunta Peres.

Despidas de letras e linha melódica, as músicas foram remixadas pelo produtor Ricardo Mosca. No estúdio, Peres e Tatit também fizeram acréscimos delicados, um piano aqui, um baixo ali, dando novo colorido à trilha. Esta foi a parte prazerosa da loucura.

Quando "Primavera" começou a ser delineada, a companhia ainda não sabia quando poderia entrar em um teatro. Pensaram em fazer um espetáculo menor para vídeo. "O online foi a saída para as companhias, mas ninguém aguenta mais", afirma Pederneiras.

A "Primavera" do Corpo é composta por pequenas cenas, com poucos bailarinos, que não se tocam. Mas Pederneiras pode se dar ao luxo de criar três momentos de contato físico, pas de deux dançados por casais na vida real. O resultado é quase um quebra-cabeça para criar os deslocamentos dos bailarinos, usar os espaços e preencher o palco com pouca gente.

Para não deixar a peteca cair, há muita agilidade, culminando num final doce. "Criei um final oposto ao que normalmente é feito. A gente vai fechando de uma forma muito lírica, só com um casal, bem diferente do resto da coreografia", diz Pederneiras

As adaptações assimiladas pelo grupo por causa da pandemia fizeram o diretor artístico Paulo Pederneiras inovar na cenografia. Primeiro, ele pensou em transmitir o espetáculo ao vivo para a própria plateia. "Viajei com a ideia de transmitir detalhes do que acontece no palco. Por questões técnicas, isso era impossível, mas consegui levar essa linguagem para o palco", diz.

Numa tela de tule preto, a dança é projetada em tempo real, com imagens captadas por duas minicâmeras no proscênio e controladas da coxia. Vez por outra surgem na tela vermelhos, frisos pretos, a saia de uma bailarina. E, no final, o rosto dos bailarinos.

É uma linguagem nova para o diretor artístico. Mas correr riscos tem mantido a companhia viva por 47 anos. O tema traz de volta o sufoco financeiro. "Desses anos todos, estamos há uns 40 trabalhando no vermelho, e essa temporada também será assim", afirma.

Mesmo antes da pandemia, a situação era difícil para o grupo, que perdeu seu maior patrocinador, a Petrobras. Mas outros continuaram, como o Itaú Cultural e a Unimed BH, e novos entraram, como a Vale e a ArcelorMittal. Esta última patrocinou um ensaio geral, aberto e gratuito. Os ingressos para esta sessão só foram anunciados nas redes sociais no último sábado e se esgotaram em três horas.

Primavera

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