Marília Mendonça parou Goiânia com sua despedida cheia de fãs e elite sertaneja

Adeus da cantora foi marcado por filas quilométricas com ambulantes e cantores anônimos

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Pessoas em fila durante velório

Fãs fazem fila para entrar no velório da cantora Marília Mendonça, no ginásio Goiânia Arena, em Goiânia. Marília morreu em um acidente aéreo na tarde desta sexta-feira (5), no interior do estado de Minas Gerais onde faria shows durante o final de semana Eduardo Anizelli/ Folhapress

Goiânia

"É a maior compositora que essa terra já teve", diz um motorista de Uber que gastou parte da manhã levando fãs para o velório de uma das filhas ilustres de Goiânia, Marília Mendonça. A cantora, morta de maneira trágica na sexta-feira, não nasceu na cidade, mas se criou e fez carreira na capital goiana e de certa forma representou a sua população.

O sol do centro-oeste obrigava os milhares de pessoas que faziam fila do lado de fora do ginásio Goiânia Arena a se esconderem debaixo de guarda-chuvas ou da sombra de poucas árvores. Mas, sem dúvida, era um dia frio em Goiânia.

A fila para o velório, que começara de madrugada e aumentava ao longo da manhã, parecia reunir alguns dos personagens cantados por Mendonça. Bêbados virados da noite anterior, moradoras de rua e adolescentes com camisetas de time de futebol rodeavam os verdadeiros fãs da cantora, a maioria fardados com camisetas, bonés ou acessórios relacionados a ela.

Os ambulantes vendiam cerveja, água e refrigerante, e quem passasse desavisado poderia pensar que era a fila para um show de grandes proporções. "Ela tá chegando?", questionava um. "Ela tá vindo do aeroporto, tá na rodovia. Deu na TV", respondia outra.

A grande atração do dia não vinha para fazer mais um de seus shows lotados, mas para se despedir de uma legião que, mesmo numerosa, estava longe de representar todos aqueles que a admiravam —dos famosos aos anônimos, de norte a sul do país.

Mas é em Goiânia que o magnetismo de Mendonça ganha sentido. Enquanto mulheres berravam os sucessos da cantora com suas caixinhas de som, dois jovens tiram o violão da sacola. Eles não se conheciam, mas pareciam uma dupla sertaneja totalmente azeitada.

Uma jovem na fila pede que um deles toque "Deprê", umas das canções que marcou o retorno de Mendonça à composição, este ano, depois que ela diminuiu o ritmo das canetadas para cantar poesias alheias. A letra, triste mas não uma sofrência, talvez representasse o que a menina sentia. Mas a dupla não sabia tocar. "Só sei mais as antigas."

Os coros de "Marília Mendonça" se somavam às buzinas dos carros que passavam, também tocando a rainha da sofrência em seus alto-falantes. Mas nada era celebratório —todo barulho soava mais como uma espécie de desabafo.

Dentro do ginásio, a cantoria se transformou em silêncio cortante, enquanto Ruth Moreira, mãe de Mendonça, velava a filha no caixão. Ônibus de cantores sertanejos anunciavam as presenças ilustres, mas foram Henrique e Juliano e Maiara e Maraísa, duplas-irmãs de Mendonça, quem mais emocionaram.

Os primeiros, gravaram Mendonça quando era uma jovem compositora, e incentivaram que o escritório que dividiam apostasse na carreira dela de cantora. As segundas foram companheiras na revolução feminina que virou o sertanejo do avesso.

Os fãs passavam por um corredor, num número maior de mulheres, mas com muitas crianças acompanhadas dos pais. Pouco se viu do visual vaqueiro tradicional, de botina e chapéu, e o preto predominou, contrastado apenas pelas cores de uma bandeira LBGTQIA+ carregada por um fã.

Fãs e artistas se encontraram quando Henrique e Juliano, depois de algumas orações, e com as vozes embargadas, cantaram uma das músicas repetidas à exaustão do lado de fora do ginásio. "Flor e o Beija-flor", composição de Mendonça gravada por ela com a dupla em 2015, marcou o momento em que eles despontaram como artistas.

Mas o que tocou quem estava no Goiânia Arena quando os portões se fechavam foi a letra. "Ai que saudade de um beija flor/ Que me beijou depois voou/ Pra longe demais/ Pra longe de nós."

Quando o sol perdia a força, Mendonça saiu para seu último passeio por Goiânia. Os fãs que se espremiam atrás das grades da estrutura do ginásio pareciam se multiplicar em carros ou a pé, cantando aquelas músicas como se fosse a última vez, seguindo o carro dos bombeiros que levava a artista e seus amigos cantores —com ela ou em seus ônibus customizados— para a última despedida. Goiânia estava parada num sábado e não era show de Marília Mendonça.

Horas antes, com uma caixa de som ligada no carro, e um microfone tão saturado quanto o sol de Goiânia ao meio-dia, uma mulher de idade cantava Mendonça como podia. Dizia que virou cantora por causa dela, mas não tinha muito talento para cantora.

De salto alto, calça jeans rasgada e camisa florida, ela parecia apenas mais uma que bebeu demais depois de ser traída na noite passada. No microfone, ela cantava sobre ser deixada de lado por outro homem. No semblante orgulhoso, disfarçava outra rasteira que havia tomado —a perda de sua inspiração principal, a rainha que a escolheu como súdita. Marília Mendonça se foi.

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