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Muito antes de 'Gambito da Rainha', Stefan Zweig viu o drama do xadrez

Última obra de escritor austríaco trata de jogadores peculiares e expõe horrores do nazismo

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O Livro do Xadrez

  • Preço R$ 49,90; R$ 29,90 (ebook)
  • Autoria Stefan Zweig
  • Editora Fósforo
  • Tradução Silvia Bittencourt

Muito antes de "O Gambito da Rainha" se transformar num sucesso da Netflix, Stefan Zweig percebeu o potencial dramático do xadrez e fez dele o centro de sua última obra, finalizada durante seu exílio no Brasil.

Assim como a série do ano passado, baseada num livro homônimo de 1983, o texto de Zweig explora as façanhas quase sobre-humanas dos prodígios do xadrez e sua relação com algum nível de desajuste social.

Retrato do escritor e poeta austríaco Stefan Zweig - Divulgação

Em "O Livro do Xadrez", o leitor acompanha uma viagem de navio com destino a Buenos Aires, para onde o campeão mundial, Mirko Czentovic, vai em busca de novos desafios.

Autodidata e genial nos tabuleiros, o precoce Czentovic tomou de assalto os campeonatos de xadrez e varreu seus oponentes como uma força da natureza. Quando não está movimentando suas peças, contudo, é um ignorante completo, incapaz de escrever uma frase correta ou de reter na memória qualquer conhecimento que não esteja vinculado ao jogo.

A bordo do navio, aceita um cachê expressivo para jogar partidas amistosas contra alguns passageiros, mas não esconde seu desdém pelas habilidades enxadrísticas dos adversários amadores.

O quadro só muda quando surge o misterioso Dr. B., que aprendeu a jogar sozinho como forma de manter a sanidade nos meses em que ficou prisioneiro da polícia política nazista.

Durante seu confinamento, Dr. B. se apossou de um livro de partidas clássicas, decorou uma por uma e desenvolveu a capacidade de enfrentar a si mesmo —tudo com peças que só existiam em sua mente.

Ele se esforçou tanto nesse processo que sofreu um colapso mental –não fazia mais nada que não fosse pensar em xadrez. Foi socorrido por um médico que o proibiu de chegar perto de um tabuleiro até o fim da vida.

"O Livro do Xadrez" se desenrola entre a ação do jogo e a tensão psicológica desses dois craques da modalidade. Nenhum deles é verossímil, mas ambos reforçam um estereótipo recorrente do enxadrista tão genial quanto maluco —uma visão que ganhara apoio acadêmico anos antes de Zweig escrever sua última obra.

No final de 1930, Ernest Jones, que seria biógrafo oficial de Freud, leu para a Sociedade Britânica de Psicanálise seu estudo "O Problema de Paul Morphy", no qual analisa o jovem enxadrista americano que brilhou em meados do século 19 e enlouqueceu pouco depois de parar de jogar.

capa de livro
Capa de 'O Livro do Xadrez', de Stefan Zweig, publicado pela editora Fósforo - Divulgação

Numa interpretação bastante peculiar, mas nem por isso menos influente, Jones diz que o objetivo de atacar o rei adversário no xadrez simboliza o instinto de assassinar o pai e que as atividades enxadrísticas de Morphy —famoso por enfrentar múltiplos adversários sem olhar para o tabuleiro— teriam sido a fonte de sua loucura.

É impossível deixar de ver a influência dessa visão no livro de Zweig, que era muito próximo de Freud e de Jones. Mas, ressalva feita aos exageros na caracterização psicológica de seus personagens, o escritor austríaco consegue a proeza de, num livro de poucas páginas e sem nunca perder a cadência narrativa, sintetizar com precisão inúmeros elementos do complexo universo enxadrístico.

De quebra, retomando uma tradição que acompanha o xadrez desde seu surgimento —provavelmente há mais de 1.500 anos, na Índia—, Zweig usa o jogo como pano de fundo para tratar de uma questão social mais elevada.

Os horrores do nazismo, a tortura psicológica, o exílio forçado, a sensação de desterro e o duelo cultura versus barbárie permeiam "O Livro do Xadrez", transformando a obra num dos últimos testemunhos de Zweig —pouco depois de enviar o texto aos seus editores, ele se matou em Petrópolis, no Rio de Janeiro, aos 60 anos.

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