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'Nelson Freire', de João Moreira Salles, é o retrato mais completo do pianista

Filme sobre músico que morreu nesta segunda aos 77 anos está disponível no Globoplay

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Renato Terra

Roteirista do Conversa com Bial e diretor dos documentários 'Narciso em Férias', 'Eu Sou Carlos Imperial' e 'Uma Noite em 67'. Trabalhou na revista piauí até 2016 e foi o ghost-writer do 'Diário da Dilma'

João Moreira Salles costuma mostrar uma cena em suas aulas de documentário. É quando Nelson Freire põe um CD da pianista Guiomar Novaes para tocar. Um diretor menos experiente poderia desligar a câmera para esperar que Nelson Freire, tomado pela emoção, resumisse sua admiração por Novaes no final da audição. Mas não. João filma a experiência que a música provoca no rosto de Nelson Freire. Está tudo ali.

Essa experiência está presente em todas as cenas de "Nelson Freire", de 2003. O filme é fragmentado em capítulos soltos, sem relação de causa e consequência, que funcionam como atos. Está tudo ali, o colossal talento do pianista. Seu jeito tímido. As referências musicais. Os amigos e amigas, parceiros e parceiras. Os cacoetes. A profissão. A solidão pública do pianista e a solidão íntima do irmão caçula que cresceu sem o contato dos irmãos. A música de Nelson Freire embalada com o jeito de Nelson Freire.

Depois de tocar o concerto para piano e orquestra nº 2 de Rachmaninoff com a Orquestra Filarmônica de São Petersburgo de maneira sublime, Nelson Freire se levanta em direção ao maestro. "Está bom pra você? É difícil pra mim tocar aqui… Primeira vez na Russia". O maestro eleva os ombros e responde o óbvio. "Está perfeito." Na sequência seguinte, em entrevista a João Moreira Salles, o pianista diz "essa coisa do ‘star system’ te distrai, te incomoda". "A finalidade não é essa. Fazer música não é uma competição. Você tem que estar tranquilo. Não tem que ter nem menos nem mais responsabilidade do que a música."

Nelson Freire dedicou uma vida inteira a aprimorar um dom que apareceu muito cedo. Aos quatro anos de idade, o menino prodígio já encantava as plateias. Deu poucas entrevistas, fez poucas concessões. Uma combinação rara de talento, obstinação e dignidade que é impressa em cada cena do filme.

Além das palavras, dos concertos e da biografia, o filme "Nelson Freire" consegue capturar a atmosfera que cerca o pianista. Seu tom de voz, seus olhares, seu jeito de andar, suas hesitações na hora de voltar para o "bis", a frustração por não saber tocar jazz, a inadequação social, sua solidão, seu enorme e transbordante talento.

Tudo isso sem depoimentos de especialistas. Sem didatismos. João Moreira Salles consegue passar para o espectador o sentimento que Nelson Freire sentiu ouvindo Guiomar Novaes.

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