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Richard Rogers mudou Paris e Londres e virou arquitetura do avesso

Ganhador do Pritzker alterou a paisagem urbana das duas cidades com seu modernismo colorido e convidativo

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Penelope Green
The New York Times

Richard Rogers, arquiteto ganhador do prêmio Pritzker, cujo modernismo colorido e convidativo mudou para sempre a paisagem urbana de Paris e de Londres, morreu no sábado em sua casa em Londres, aos 88 anos. O filho dele, Roo Rogers, confirmou a morte. A causa não foi informada.

Com seus projetos notáveis para o Pompidou, uma construção tubular em Paris; o vasto Millenium Dome, em Londres, que parece flutuar sobre a cidade como uma nave alienígena; e a ousada sede do Lloyd’s de Londres, com seu átrio elevado, Rogers virou a arquitetura não só do avesso mas de cabeça para baixo.

Quando ele recebeu o Pritzker, a maior honraria da arquitetura, em 2007, o júri mencionou sua "interpretação única da fascinação do movimento modernista pelo edifício como máquina" e disse que ele tinha "revolucionado os museus, transformando aquilo que no passado tinha sido um monumento para a elite em lugares populares de intercâmbio social e cultural, integrados ao coração da cidade".

Rogers tinha seus críticos, no entanto, especialmente no começo de sua carreira.

Certo dia chuvoso de 1977, Rogers, nascido na Itália, estava parado em uma rua de Paris admirando o Centro Pompidou, que estava perto da inauguração. Na época, a estrutura aberta da edificação, que ele projetou com seu amigo, o arquiteto italiano Renzo Piano, enfrentava resistência e críticas severas; uma mulher bem vestida se aproximou e ofereceu a ele abrigo sob seu guarda-chuva.

Ela perguntou se ele conhecia a pessoa que tinha projetado o edifício. Quando ele respondeu, orgulhosamente, que "madame, fui eu", recorda o arquiteto em suas memórias, "A Place for All People", de 2017, ela bateu em sua cabeça com o guarda-chuva e foi embora.

Seis anos antes, Rogers e Piano entraram num concurso para projetar um centro cultural, que ocuparia o espaço de um soturno estacionamento em um bairro que era área de prostituição. Eles definiram seu projeto, com sua carapaça transparente de aço, escadas rolantes tubulares e sistemas expostos pintados em cores primárias como "um lugar para todas as pessoas".

Com uma praça ao nível da rua e interiores flexíveis para acomodar uma biblioteca, uma galeria de arte e um palco para música, a edificação, que recebeu o nome do presidente francês Georges Pompidou, tinha por objetivo ser um fórum animado para a vida pública, e não um mausoléu de alta cultura.

Mas toda a empreitada parecia condenada ao fracasso desde o início. O projeto que eles enviaram foi devolvido, inicialmente, por falta de selos. Depois que eles ganharam o concurso, a oposição ao seu projeto divertido e ousado foi ácida; muita gente considerava que o edifício seria uma profanação da paisagem de Paris. A herdeira de um artista conhecido jurou que preferiria queimar seus quadros a ver as telas exibidas lá.

Richard Rogers, um dos dois arquitetos responsáveis pelo Centro Georges Pompidou, em Paris, em frente ao edifício, em Paris
Richard Rogers, um dos dois arquitetos responsáveis pelo Centro Georges Pompidou, em Paris, em frente ao edifício, em Paris - Martin Bureau/AFP

Quando o Centro Pompidou foi enfim inaugurado, em janeiro de 1977, as críticas, como seria de esperar, foram contraditórias —o jornal Le Figaro declarou que "agora Paris tem seu monstro, como o lago Ness"—, mas o público amou o centro e centenas de pessoas faziam fila para visitar a cada dia. O Pompidou recebeu 7 milhões de visitantes em seu primeiro ano de operação, um público superior ao de visitantes do Louvre e da torre Eiffel combinados.

O crítico de arte Hilton Kramer definiu o edifício no The New York Times como "uma das mais deslumbrantes realizações arquitetônicas da era recente". "Não se parece com qualquer coisa que alguém tenha visto antes", ele escreveu, "e portanto é especialmente assustador para pessoas que não conseguem suportar o pensamento de algo realmente novo na arte da edificação".

Richard George Rogers nasceu em 23 de julho de 1933 em Florença, na Itália. Era neto de um dentista britânico, o que significa que tinha não só um sobrenome anglicano como um passaporte britânico. Seu pai, Nino, era um médico anglófilo, e sua mãe, Dada, era filha de um arquiteto e engenheiro. Culta e politicamente progressista a família fugiu da Itália fascista em 1939 e se transferiu para a Inglaterra, com a chegada da guerra à Europa.

Àquela altura, o mundo de Rogers, como ele afirma em suas memórias, foi de colorido a branco e preto. Londres estava sempre envolta na espessa fumaça da queima de carvão. O pai dele trabalhava em uma clínica de tuberculose, e a mãe dele trabalhava com ele. Quando ela contraiu a doença e viajou aos Alpes para se recuperar, Rogers, então com seis anos, foi matriculado em um colégio interno.

Disléxico e visto como estrangeiro pelos colegas, ele foi intimidado e agredido, e aos nove anos chegou a pensar em se jogar da janela de seu dormitório. Sua dificuldade de aprendizado não era amplamente compreendida ou mesmo reconhecida, na época; Rogers diz que as pessoas achavam que ele era burro.

"Pessoas já me perguntaram se a dislexia faz de alguém um melhor arquiteto", escreveu Rogers em suas memórias. "Não tenho certeza de que isso seja verdade, mas é uma dificuldade que descarta algumas carreiras, e por isso você se concentra naquilo que é capaz de fazer."

Imagem do edifício Leadenhall, conhecido como "cheesegrater", ou ralador de queijo, por seu formato particular, é uma das obras mais importantes do arquiteto
O edifício Leadenhall, conhecido como 'cheese grater', ou ralador de queijo, por seu formato particular, é uma das obras mais importantes do arquiteto - Daniel Leal/AFP

Depois da escola, indeciso quanto ao caminho que desejava seguir, ele serviu dois anos no Exército britânico, em Trieste, na Itália, onde conviveu com seu primo Ernesto Rogers, célebre arquiteto e urbanista, e trabalhou no escritório dele em Milão.

O trabalho de Ernesto —a promessa cívica do modernismo e especialmente a versão calorosa dessa visão que o trabalho dele expressava— inspiraram Rogers a escolher a mesma profissão. Depois de um ano de escola de arte, ele se matriculou na Architectural Association School of Architecture, em Londres, na época a única escola desse tipo no Reino Unido.

Quando estava no terceiro ano, ele conheceu Su Brumwell, estudante de sociologia cujo pai era um dos fundadores da Design Research Unit, uma consultoria britânica de projeto; os dois se casaram em 1960.

O casal passou a lua de mel em um kibutz em Israel e depois se transferiu para New Haven, no estado americano de Connecticut, para estudar em Yale —Rogers com uma bolsa Fulbright para estudar arquitetura e sua mulher para estudar planejamento urbano. Lá eles conheceram um colega, Norman Foster, de quem se tornaram grandes amigos e mais tarde colaboradores.

Uma viagem de carro ao sul da Califórnia depois da formatura serviu para que Bromwell e Rogers conhecessem as cores brilhantes, como as de um quadro de Mondrian, das casas conhecidas como Case Study, protótipos de moradia de preço acessível projetadas por arquitetos modernistas como Richard Neutra e Charles Eames e Ray Eames. Quando voltaram ao Reino Unido, Rogers abriu um escritório de arquitetura com Foster e duas irmãs arquitetas, Wendy Cheeseman e Georgie Cheeseman. Eles construíram casas para seus pais, inspiradas pelo que o casal tinha visto em Los Angeles.

Essas casas inspiraram os trabalhos que se seguiriam, despertando em Rogers o entusiasmo pela eficiência da tecnologia e da construção modular, e um compromisso para com o lado mais humano da arquitetura.

Os sócios do escritório logo decidiram seguir caminhos separados. Rogers foi apresentado a Piano por seu médico, e com Bromwell, Foster e outros eles abriram um escritório pouco antes da competição em Paris. Décadas mais tarde, Rogers, Foster e Piano estariam entre os mais conhecidos arquitetos modernistas do planeta —os franceses os chamavam de "les starchitects".

Rogers e sua mulher se separaram quando ele se apaixonou pela americana Ruth Elias, designer gráfica e mais tarde chef de cozinha, no começo da década de 1970. Elias e ele se casaram em 1973. Um ano depois da inauguração do Pompidou, Rogers e Piano também se separaram profissionalmente, embora tenham continuado amigos.

"Richard sempre esteve quatro passos adiante de mim em tudo", disse Piano em uma entrevista para este obituário, em 2020. "Desde o começo, ele pregava sobre a arquitetura como a arte de fazer um mundo melhor. Ele tem uma espécie de força cívica."

Rogers disse que seus projetos foram concebidos tanto para o desfrute de quem esteja só passando quanto para aqueles que os ocupam. A sede do Lloyd’s de Londres, concluída em 1986 e encaixada no distrito financeiro de Londres, é uma dessas edificações visualmente deslumbrantes, com um átrio de teto elevado e recurvo sustentado por pilares de concreto robusto; torres de serviço revestidas de chapas metálicas ficam expostas do lado de fora. Em resenha para o The New York Times, o crítico Paul Goldberger definiu o edifício como "uma extravagância ‘hi tech’".

Os outros trabalhos de maior destaque de Rogers incluem o tribunal de Bordeaux, na França, adoráveis casulos de cedro envoltos por paredes de vidro e encimados por telhados ondulantes de cobre, em torno de uma praça pública central; e o terminal quatro do aeroporto de Madri-Barajas, concluído em 2005, um espaço alto e muito iluminado, com um teto sustentado por vigas multicoloridas.

O Millenium Dome, na região sudeste de Londres, não é tão apreciado. Uma série de estruturas em forma de tenda concebida para abrigar exposições interativas no local em que o meridiano de Greenwich –o centro do sistema mundial de coordenadas– foi estabelecido em 1884, e onde o século 21 começaria oficialmente, o complexo foi criticado por quase todos como uma brincadeira sem graça e caríssima (a obra custou mais de US$ 1,2 bilhão, cerca de R$ 6,8 bilhões). O jornal The Guardian definiu a edificação como casa para Teletubbies gigantes, e o príncipe Charles, crítico frequente da arquitetura modernista, descreveu o domo como "um manjar branco monstruoso".

O príncipe Charles vem dando bordoadas na arquitetura modernista desde que definiu uma proposta de ampliação da National Gallery de Londres, em 1984, como "um furúnculo no rosto de amigo amado e elegante". Ele criticou muitos edifícios novos, o que levou incorporadores de imóveis a evitar ou cancelar pedidos a Rogers e outros arquitetos, por medo de incorrer no desfavor da família real. Rogers era um dos oponentes mais vociferantes do príncipe.

"Se existe alguma forma de continuidade na história da arquitetura", ele escreveu em um longo artigo para o The Times de Londres em 1989, intitulado "Demolindo o Príncipe", "ela não está em uma estética ilusória, e sim no fato de que todo abandono da tradição provocou controvérsias ferozes e oposição".

Rogers defendia a sustentabilidade —seu National Assembly Building, em Cardiff, no País de Gales, que parece uma espaçonave feita de sequoia, reduziu à metade o uso de energia do Parlamento galês. Ele defendeu projetos imobiliários compactos, habitação de custo acessível e a proibição do uso de carros nas cidades. Por quase uma década, foi o principal assessor de arquitetura e urbanismo do prefeito de Londres. Rogers foi sagrado cavaleiro em 1991 e se tornou par vitalício do reino em 1996.

O populismo do arquiteto se estendia ao seu escritório. No Rogers Stirk Harbour + Partners, escritório de arquitetura londrino com 160 empregados, todos os trabalhadores têm participação nos lucros, e parte deles é doada para caridade. "Não acredito na propriedade do trabalho", disse o arquiteto ao The New York Times. Rogers se aposentou em 2020.

O legado dele são seus edifícios, é claro, mas também "a ideia de que o modernismo não precisa ser frio ou nos negar prazeres sensuais", disse Goldberger em entrevista. "Ele amava cores e queria que seus edifícios inspirassem uma conexão emocional. E, acima de tudo, ele queria que o urbanismo fosse uma força positiva —trabalhou a vida toda para fazer das cidades lugares civilizadores, e não apenas uma coleção de edifícios desconexos."

Além do filho Roo, Rogers deixa a mulher; três outros filhos, Ben, Zad e Ab; um irmão, Peter, e 13 netos. Seu filho Bo morreu em 2011 aos 27 anos.

Rogers se vestia de maneira tão colorida quanto o revestimento de seus edifícios —por exemplo, usando camisa laranja, calças azuis cintilantes e um par de meias coloridas.

Ruth Rogers, conhecida como Ruthie, conferiu o mesmo calor ao River Cafe, em Londres, o restaurante que ela abriu em 1987 com sua amiga Rose Gray, como ela chef de cozinha autodidata.

O café fica no Thames Wharf, uma antiga edificação industrial que na época era propriedade do escritório de Rogers, e inicialmente servia como uma cantina de almoço para arquitetos. Com sua culinária italiana rústica e um design vistoso de Rogers –o forno a lenha é um casulo cor de rosa brilhante–, o café logo se tornou parte de uma nova onda de culinária com ingredientes locais em Londres e ponto de encontro de roqueiros e políticos.

Ian Parker, em artigo para a revista The New Yorker, apontou que o casal Rogers tinha encorajado o Reino Unido "a se ver sob uma luz mediterrânea".

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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