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Livros machismo

Roxane Gay defende as próprias contradições no livro 'Má Feminista'

Em nova edição, conjunto de ensaios da escritora sobre feminismo e cultura pop seguem relevantes e provocativos

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Stephanie Borges

Poeta, tradutora e jornalista, é autora de “Talvez Precisemos de um Nome para Isso”. Apresenta o podcast Benzina.

Má Feminista

  • Preço R$ 49,90 (320 páginas)
  • Autor Roxane Gay
  • Editora Globo Livros
  • Tradução Raquel de Souza

A cultura pop, a internet e o cenário político passaram por tantas mudanças nos últimos anos que livros centrados na crítica cultural a partir de livros, filmes e séries de TV correm o risco de se tornarem datados rapidamente. Não é o caso de "Má Feminista", de Roxane Gay, publicado em 2014, que volta às livrarias em uma nova edição da Globo Livros.

A mistura de senso de humor, memórias e referências do pensamento feminista faz com que os textos de Gay continuem instigando leitoras e leitores, embora tenham sido escritos antes de movimentos como o Black Lives Matter e o Me Too influenciarem o debate público sobre racismo, violência policial e assédio sexual.

Um dos pontos fortes de "Má Feminista" é a argumentação da autora sobre o seu direito de ser imperfeita. Embora a afirmação pareça óbvia, Gay observa com perspicácia como mulheres, especialmente as que se identificam como feministas, lidam com expectativas e cobranças excessivas para se mostrarem sempre coerentes e exemplares, de modo que toda vez que uma de nós comete um erro, todo um movimento por igualdade e justiça social é desqualificado.

A escritora Roxane Gay nos Estados Unidos, em 2021
A escritora Roxane Gay nos Estados Unidos, em 2021 - AFP

Gay defende as próprias contradições, como gostar de cor-de-rosa e ouvir raps que se referem a mulheres em termos ofensivos, enquanto argumenta em favor da igualdade salarial entre homens e mulheres. Assim, deixa claro para os leitores que seres humanos são complexos e que os interesses e gostos individuais das pessoas não as impedem de lutar por uma sociedade menos violenta e preconceituosa.

Assim, os ensaios de "Má Feminista" reúnem análises de reality shows e de best-sellers como "Jogos Vorazes" e "Cinquenta Tons de Cinza", misturados com as memórias da autora, referências a pensadoras como Judith Butler e Hélène Cixous e pitadas de humor.

Como uma apreciadora da cultura pop, Gay critica programas de TV populares e filmes com inteligência. A autora não julga esses produtos por características sensacionalistas ou pelo uso de clichês, mas questiona até que ponto a indústria do entretenimento reforça estereótipos e como a TV e o cinema poderiam contribuir para uma representação de mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+ com mais nuances e contradições.

Outro ponto forte do livro é a habilidade de Gay de rir de si mesma e mencionar seu gosto por romances para adolescentes, suas inseguranças e ressacas. Isso a aproxima dos leitores, uma vez que ela não tenta se colocar como um exemplo intelectual ou moral.

A autora reconhece que gosta de produções de qualidade duvidosa, mas isso não a impede de fazer provocações inteligentes que estimulam os leitores a prestar mais atenção aos roteiros e construções de personagens de suas séries e filmes favoritos.

Capa do livro 'Má Feminista', que reúne ensaios da escritora Roxane Gay
Capa do livro 'Má Feminista', que reúne ensaios da escritora Roxane Gay - Reprodução

Vários ensaios não tratam diretamente de conceitos feministas. No entanto, como bell hooks, Gay usa a teoria e a abordagem interseccional como base para seus textos.

Assim, ela critica escritoras como Hana Rosin e Sheryl Sandberg, que fazem análises generalizantes sobre as experiências das mulheres, ignorando recortes de classe e raça, mas também analisa como homens perdem a oportunidade de explorar na literatura e no audiovisual como o machismo também os afeta de várias maneiras.

Outro ponto comum entre hooks e Gay são os textos sobre a experiência como professora, relatando seus desafios e aprendizados na convivência com os alunos.

Muitas coisas podem ter mudado desde que "Má Feminista" foi lançado e se tornou um best-seller do jornal The New York Times, mas as mulheres ainda precisam lutar por melhores condições de vida em todo o mundo. Ler Roxane Gay hoje nos lembra a respeitar a própria humanidade e não nos levarmos tão a sério enquanto brigamos pelos nossos direitos.

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