Volta dos shows: com João Gomes, festival de pisadinha marca retomada em SP

Evento reúne astros do forró e tem materialização de sucessos pandêmicos, bebedeira e liberação de energia contida

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Show do cantor João Gomes durante o evento Noite do Pzeiro, no Centro de Tradições Nordestinas de São Paulo

Show do cantor João Gomes durante o evento Noite do Pzeiro, no Centro de Tradições Nordestinas de São Paulo Divulgação

São Paulo

Já passavam das 4h da manhã de sexta, dia 3 de dezembro, quando uma chuva de papel picado marcou a entrada de João Gomes no palco do Centro de Tradições Nordestinas (CTN) de São Paulo. Mas para os mais de 7 mil presentes, ainda era quinta-feira, já que o evento, um festival inteiro dedicado à pisadinha —estilo de forró que é febre no Brasil—, havia começado na noite anterior, e voltaria na noite seguinte para um repeteco.

A festa Pzeiro (escrito assim mesmo) reuniu Gomes, sensação do ritmo com apenas 19 anos, Tarcísio do Acordeon, Vitor Fernandes e Biu do Piseiro em meio à onda de eventos que coincidem com a reabertura de casas e ao retorno dos shows com público de pé —e não sentados e separados em mesas. O momento de retomada depois de um longo período de isolamento social era perceptível não só na euforia do público, mas também na venda de ingressos.

O CTN, que também é conhecido por oferecer refeições nordestinas tradicionais, já vinha tendo shows há alguns meses, sob as regras mais rígidas de saúde, mas a procura nem de longe se comparava à do Pzeiro. Também graças ao avanço da vacinação e do afrouxamento nos protocolos sanitários, a primeira noite do festival esgotou as entradas em menos de um dia, o que levou a produção a abrir uma nova data, também esgotada em pouco tempo —assim como o lote extra disponibilizado depois.

Show do cantor João Gomes durante o evento Noite do Pzeiro, no Centro de Tradições Nordestinas de São Paulo
Show do cantor João Gomes durante o evento Noite do Pzeiro, no Centro de Tradições Nordestinas de São Paulo - Divulgação

Dentro do amplo espaço no bairro do Limão, se multiplicavam cenas que pareciam impensáveis —pelo menos para a parcela da população que ficou trancada em casa no período pandêmico— meses atrás. Estranhos trocavam beijos entusiasmados, porções de comidas variadas eram expostas nas mesas e uma muvuca suada dificultava o trânsito mesmo nos espaços mais distantes do palco.

Mas mais do que a urgência do contato, algumas cenas eram inimagináveis antes mesmo da pandemia. Quando o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado no Brasil, no fim de fevereiro de 2020, João Gomes era menor de idade e sequer tinha iniciado uma carreira na música. O próprio TikTok, aplicativo de vídeos curtos no qual ele estourou com a canção "Meu Pedaço de Pecado", ainda era uma novidade no país.

De lá para cá, Gomes lançou um dos discos mais ouvidos do ano, "Eu Tenho a Senha", se tornou um astro do forró e agora estampava a maioria dos bonés das pessoas que circulavam na noite do Pzeiro —especialmente na primeira fila da plateia, lotada de fãs do cantor. Só perdia para os chapéus de palha, símbolos do orgulho sertanejo vendidos a R$ 20 no CTN.

Atração principal do Pzeiro, Gomes atrasou o show em cerca de meia hora porque ficou preso no camarim. "Tem parente dele aparecendo de todo canto", disse uma de suas produtoras, justificando a demora para atender a imprensa, que sequer conseguiu acesso ao músico, preso entre selfies com funcionários da casa e encontros de última hora com VIPs e os tais primos distantes.

Emocionado com a recepção de gala, ele emendou hit atrás de hit, materializando um sucesso que até pouco atrás parecia a vida dos milhões de brasileiros isolados em casa —números numa tela de um computador ou celular. Foi durante a pandemia que a pisadinha se tornou um estilo dominante no forró, ouvido de ponta a ponta no país, dos sons automotivos às listas das plataformas de streaming.

E o impacto do estilo sintético de se fazer forró é perceptível também em cima do palco. Vitor Fernandes mostrou um repertório que mistura sanfonas com batidas de funk, inserções de músicas de rave e muitos momentos dançantes, dando vida ao processo de eletrização recente do ritmo nordestino.

Tanto Tarcísio do Acordeon quanto João Gomes têm influência forte da cultura de vaquejada —esporte em que duas pessoas tentam derrubar um boi montadas a cavalo—, muito forte no interior dos estados do Nordeste, e um estilo menos urbano comparados ao de Fernandes. O forró dos dois não vira rave, mas em cima do palco ficam evidentes as mudanças estéticas que eles representam.

Se nos anos 2000 os bateristas eram astros nas grandes bandas de forró eletrônico —o mais célebre é Riquelme na bateria do Aviões do Forró—, hoje eles são figuras ausentes nos shows de artistas do ritmo. A pisadinha é bastante calcada nas batidas eletrônicas e nos sons de teclado, e consequentemente nenhuma das bandas que passaram pelo CTN naquela noite tinha uma baterista.

Se Vitor Fernandes fez o público dançar até o chão, Tarcísio do Acordeon —que estourou entre o ano passado e este com o hit "Meia Noite (Você Tem Meu WhatsApp)"— veio com um som mais arrastado, quando a plateia aproveitou para dançar o forró agarradinho, no melhor estilo quadrilha de festa junina. Gomes encerrou a noite levando à catarse, quando os milhares de presentes uniram as vozes para cantar aqueles sucessos juntos pela primeira vez num show.

Quando Gomes saiu do palco, já era dia no entorno do CTN, e o público ia embora cambaleante de uma bebedeira que já se esticava por horas a fio. Era a volta dos shows, e também do lado menos glamouroso desse tipo de aglomeração —gente vomitando aleatoriamente, brigas que pipocam sem razão aparente, pessoas cansadas atiradas no chão. Na confusão para pegar um táxi ou Uber, nada lembrava que aquele era um dia de semana como qualquer outro.

Dias antes do Pzeiro em São Paulo, a internet havia transformado em memes as imagens de um show de Gomes em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Entre as cenas curiosas, havia um homem rasgando a camisa enquanto se esgoela para cantar uma música triste, uma mulher caindo e quebrando uma mesa e um casal fazendo sexo no meio da plateia. No CTN, a euforia não chegou a tanto, mas o espírito era esse —um reencontro extasiante com um velho normal. E muita energia contida.

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