Um fenômeno que já se desenrolava em 2019 se consolidou no ano que agora termina. A pisadinha, estilo de forró eletrônico feito com teclados e para os paredões de som, tocou nos quatro cantos do país, fazendo dos Barões da Pisadinha, principal nome do subgênero, um dos artistas mais ouvidos do Brasil.
Músicas como “Tá Rocheda” —principal hit da dupla baiana— invadiram as rádios, aparelhos de som e as playlists, sem contar as redes sociais, como foi com o TikTok. Mesmo num ano que foi marcado pelo isolamento social, a música nacional continuou dançante, e o Nordeste participou com ainda mais força da trilha sonora do brasileiro.
Os Barões da Pisadinha aparecem em todas as listas de mais ouvidas das principais plataformas de streaming, sendo os únicos artistas com dois álbuns —“Batom de Ouro” e “Agora Eu Pego Mesmo”— entre
os dez mais ouvidos do Spotify. No YouTube, são os únicos com dois vídeos entre os dez mais vistos no Brasil, “Recairei” e “Basta Você me Ligar”.
Em novembro, o Deezer informou que o forró e seus subgêneros tiveram um crescimento de 102% em novos ouvintes nos seis meses anteriores. “Investe em Mim”, de Jonas Esticado, e “Rita”, de Tierry, são alguns hits em alta, assim como “Romance Desapegado”, música romântica do grupo Conde do Forró, que se soma ao sucesso de cantores consagrados, como Xand Avião e Wesley Safadão.
Além do forró, o ano de 2020 manteve a relevância do funk e do sertanejo, os gêneros mais ouvidos no Brasil. Marília Mendonça, Gusttavo Lima, Jorge e Mateus, Henrique e Juliano e Zé Neto e Cristiano mantiveram a sofrência hegemônica ante outros estilos.
Mas foi um ano atípico. No primeiro semestre, músicas antigas —como “Tempo Perdido”, da Legião Urbana— frequentaram as listas de mais ouvidas, mostrando que, em tempos de isolamento, muita gente buscou conforto em faixas antigas e já conhecidas.
Diversos artistas também tiveram seus números no streaming turbinados graças às lives. As transmissões ganharam cara própria por aqui, muitas vezes com bebedeira e falatório envolvidos, e fizeram o Brasil responder por oito das dez lives mais vistas do planeta, entre elas as de Gusttavo Lima, Marília Mendonça e da dupla Jorge e Mateus.
A sambista Teresa Cristina dominou o formato, e consagrados da música brasileira também aproveitaram a onda —de Gilberto Gil e Caetano Veloso a Sandy e Junior, passando por Roberto Carlos, Zeca Pagodinho, Alcione, Alceu Valença, Milton Nascimento, Jorge Aragão e Gal Costa, entre muitos outros. Pagodeiros veteranos, entre eles Raça Negra, Pixote e Thiaguinho, fizeram lives bem-sucedidas.
Mas o auge de audiência dessas transmissões foi entre abril e maio, os primeiros meses depois que a Organização Mundial de Saúde decretou a pandemia de coronavírus.
Outras plataformas cresceram ainda mais em relevância na música. O TikTok revelou, entre outras músicas, o hit “The Box”, do rapper Roddy Ricch. Também fez “Dreams”, música de 1977 do Fleetwood Mac, voltar às paradas depois de mais de quatro décadas.
Marcelo D2 fez um disco inteiro ao vivo na Twitch, a nova plataforma queridinha dos DJs e de transmissões de programas sobre música.
A falta de shows e festas provocou uma crise que também marcou o universo da música. Muitos profissionais da área técnica da indústria fonográfica ficaram sem emprego, e artistas que dependem
inteiramente da vida nos palcos estão até agora sofrendo com a falta dos eventos.
Não foi o caso de Niack, o MC de 18 anos que emplacou dois dos maiores hits de 2020 sem nunca ter pisado num palco. “Na Raba Toma Tapão” e “Oh Juliana” ficaram meses na invejada posição de mais tocadas do Brasil no Spotify.
O funk ainda teve hits de Ludmilla, como “Rainha da Favela”, e de Don Juan com Dennis DJ, “Te Prometo”, mas sofreu com a falta de festas e voltou a estar na mira da polícia, que prendeu, entre outros funkeiros, o MC Poze do Rodo.
Entre os artistas mais ouvidos de 2020 no Brasil está Dua Lipa, a cantora britânica que fez um dos discos mais celebrados do ano, “Future Nostalgia”, resgatando e repaginando a música disco. The Weeknd teve em “Blinding Lights” um hit, mas acabou esnobado entre os indicados à próxima edição do Grammy.
A premiação, que vai acontecer em janeiro, evidenciou que as mulheres estão dominando o novo rock. Todas as indicadas ao prêmio de melhor performance do gênero são mulheres, entre elas Phoebe Bridgers e Fiona Apple. A última teve o disco mais aclamado pela crítica americana.
Beyoncé retornou à cena com um disco-filme deslumbrante, “Black Is King”, e uma música de protesto, “Black Parade”. A causa antirracista —evidenciada pelo Black Lives Matter— movimentou a indústria fonográfica, que esteve por trás de uma campanha que propunha a postagem de uma imagem toda preta nas redes sociais.
Promessas de combate ao racismo e de maior participação de negros nos quadros das gravadoras foram feitas, e elas certamente serão cobradas.
Este também foi o ano em que Drake deixou de ser o artista mais ouvido do Spotify no mundo. O dono do posto agora é o trapper e reggaetonero porto-riquenho Bad Bunny, que teve seu disco “YHLQMDLG” também celebrado pela crítica. Em dezembro, com seu terceiro álbum em 2020, ele se tornou o primeiro artista de todos os tempos a ter uma obra toda cantada em espanhol no topo da Billboard.
Na lista de artistas mais tocados no Spotify no mundo, o colombiano J Balvin está em terceiro lugar e o BTS, sul-coreano, em sexto. O crescimento perene desses nomes evidencia que os ouvidos estão mais abertos à música feita fora dos Estados Unidos e do Reino Unido.
TAMBÉM ROLOU EM 2020
- O rapper Djonga foi indicado ao BET Hip Hop Awards, premiação americana, depois de lançar mais um disco, ‘Histórias da Minha Área’. BK e Bivolt lançaram discos elogiados, e MCs brasileiros deram nova cara ao grime britânico em discos como ‘Brime!’, dos paulistanos Fleezus, Febem e DJ Cesrv, e ‘40º.40’, do carioca SD9. O trapper cearense Matuê alcançou números expressivos com seu primeiro disco, 'Máquina do Tempo'
- Taylor Swift abraçou o indie folk e lançou dois discos em pouco mais de seis meses. Lady Gaga fez um disco para as pistas de dança quatro anos depois da incursão country. Miley Cyrus virou roqueira em ‘Plastic Hearts’. Justin Bieber lançou o primeiro álbum desde 2015, ‘Changes’. Charli XCX desenvolveu o som fofo e estranho da PC music em um álbum temático de quarentena
- Ludmilla mostrou o lado pagodeiro no bem-sucedido EP ‘Numanice’. Anitta soltou uma música com a rapper americana Cardi B, que ao lado de Megan Thee Stallion teve o hit ‘WAP’. Pabllo Vittar finalizou o disco ‘111’ e lançou sua versão de remixes com um novo hit, ‘Bandida’
- Luedji Luna foi buscar na África os sons de ‘Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água’, disco que celebra a mulher negra. Marabu reuniu as mais diversas referências da música periférica em ‘Fundamento’. Kiko Dinucci mergulhou no violão em ‘Rastilho’. Negro Leo examinou a cultura das redes sociais em ‘Desejo de Lacrar’. Thiago Nassif se juntou a Arto Lindsay para embaralhar tropicalismo, no wave e música eletrônica em ‘Mente’. Os Boogarins revisitaram o material que rendeu os dois últimos discos da banda em ‘Manchaca Vol. 1’
- Mateus Aleluia, ex-Tincoãs, voltou a lançar um álbum solo que é pura espiritualidade. A sambista Geovana soltou o vozeirão em ‘Brilha Sol’, seu primeiro disco em mais de 30 anos
- Nomes consagrados da música brasileira aproveitaram a quarentena para gravar ou lançar discos inéditos. Martinho da Vila, Adriana Calcanhotto, Frejat, João Bosco, Arnaldo Antunes, Sepultura e Alcione foram alguns deles
- Neil Young resgatou um belo disco inédito gravado nos anos 1970. Bob Dylan buscou a imortalidade em ‘Rough and Rowdy Ways’. Paul McCartney resgatou uma ‘trilogia do isolamento’ iniciada há 50 anos. Os Rolling Stones cantaram a pandemia na primeira inédita desde 2012. Eric Clapton e Van Morrison se uniram para uma canção anti-isolamento social
- The Strokes se juntaram ao produtor Rick Rubin para ‘The New Abnormal’, primeiro disco da banda em sete anos. O Pearl Jam quebrou um hiato da mesma duração com ‘Gigaton’. Bruce Springsteen voltou a tocar com a E Street Band em ‘Letters to You’. O AC/DC lançou o primeiro disco depois da morte do guitarrista Malcolm Young
- Atrás de fitas supostamente roubadas do pai, Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, fez uma notícia-crime denunciando que gravações inéditas estavam sendo publicadas na internet. Uma investigação policial despertou uma antiga rixa do herdeiro com os ex-integrantes da Legião Urbana, que não gostaram de ver a apreensão de fitas da banda, agora sob posse de Manfredini, num depósito da gravadora Universal
- Perdemos Moraes Moreira, do Novos Baianos, um dos maiores compositores brasileiros, Aldir Blanc, Gerson King Combo, lenda da soul music brasileira, o ícone do samba Riachão, o cantor Paulinho, do Roupa Nova, Ubirany, percussionista do Fundo de Quintal, Zeca da Cuíca, dos Originais do Samba, Renato Barros, do Renato e Seus Blue Caps, Leo Canhoto, da dupla sertaneja com Robertinho e Rubinho Barsotti, baterista do Zimbo Trio, entre outros artistas
- Também nos deixaram Neil Peart, baterista do Rush, o jamaicano Toots Hibbert, do Toots and the Maytals; o lendário compositor de trilhas sonoras Ennio Morricone; Jimmy Cobb, baterista de ‘Kind of Blue’, de Miles Davis, Florian Schneider, um dos fundadores da banda alemã Kraftwerk; Tony Allen, ícone do afrobeat e diretor musical da banda de Fela Kuti; Manu Dibango, lenda do jazz; Kenny Rogers, grande da música country americana; Andy Gill, guitarrista da banda Gang of Four
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.