Volta dos shows: Ludmilla retorna ao palco consagrada como uma estrela do pagode

Cantora de funk e pop finalmente estreia ao vivo e para casa cheia com o projeto lançado durante a pandemia

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Ludmilla apresenta seu projeto de pagode, 'Numanice', pela primeira vez em SP

Ludmilla apresenta seu projeto de pagode, 'Numanice', pela primeira vez em SP Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo

Pouco acontecia na entrada do aeroporto Campo de Marte, na zona norte de São Paulo, numa noite de sábado, no início de dezembro. Vendedores de doces e cigarros ofereciam seus produtos e um único trailer dava conta dos que queriam forrar o estômago para as quase dez horas de bebedeira e música que se desenrolariam a seguir. Era a data escolhida por Ludmilla para a estreia paulistana de sua empreitada pelo pagode.

Depois de uma rápida fila e do pedido de comprovação da vacina contra a Covid-19, praxe atual, o cenário era outro. Enquanto a música abafada ganhava sentido, pessoas circulavam por uma estrutura decorada com luzes coloridas e energia praiana, cenários para selfies, uma pequena pista de skate e um painel que seria grafitado ao longo da noite.

Sob uma enorme tenda, parte do público berrava sucessos brasileiros e internacionais lançados na pandemia. Os hits que iam do americano Lil Nas X ao mineiro FBC eram emendados por uma DJ que esquentava o público com a ajuda do open bar de cerveja, energético e drinques.

A noite seria de casa cheia, com os 3.000 ingressos —um terço da capacidade do espaço, escolha feita para o momento pandêmico— que partiam dos R$ 300 esgotados. Neusa, segurança que observava uma fila de pessoas esperando para tirar fotos sob um letreiro de neon, disse que era a primeira vez em quase dois anos que via tanta gente por ali.

Foi o começo de um fim de semana que marcou um retorno à vida como ela parecia ser antes do vírus, com shows, festas e eventos espalhados por toda a cidade num momento de protocolos sanitários flexibilizados ao máximo. Na incerteza do impacto da variante ômicron, que chegara há pouco ao Brasil, a aposta era aproveitar enquanto era possível.

Do camarim improvisado num contêiner atrás do palco, no entanto, Ludmilla só conseguia ouvir a música e o coro de quem se divertia à espera do expurgo há muito aguardado —quem mostrou para ela um vídeo do espaço cheio foi Brunna Gonçalves, bailarina e mulher da cantora.

Depois de oferecer um cafezinho ou uma cachaça, ela se sentou no sofá para dizer o quanto se sentia viva. "É uma ansiedade, uma vontade de querer subir logo no palco e agitar a galera. Parece que são os primeiros shows da minha vida", contou.

Três semanas antes, no Rio de Janeiro, ela havia feito a primeira apresentação do "Numanice", também com os ingressos esgotados. "O meu show de pop é muito animado, mas era a primeira vez que eu estava fazendo o de pagode, não sabia como ia ser. E a energia foi absurda, foda para caralho. As pessoas estão mais entregues. Elas só pegam o celular nas primeiras músicas e vão viver", disse.

Lançadas em abril do ano passado, as cinco faixas que formam o EP "Numanice" partiram de um amor antigo pelo gênero musical e de inúmeros pedidos de fãs, que ficaram obcecados por uma versão de "Teu Segredo", gravação de Exaltasamba e Jeito Moleque que Ludmilla cantou no DVD do grupo Vou pro Sereno.

O lançamento oficial teve de ser transformado numa live —formato usado por boa parte dos artistas naquele momento e quase extinto atualmente. Em novembro daquele ano, Ludmilla ainda fez um show fechado no Pão de Açúcar que rendeu um DVD e um disco do projeto, com 14 faixas cantadas ao lado de nomes como Thiaguinho e Sorriso Maroto.

Ela contou que o isolamento foi difícil, mas também um momento de pôr a criatividade para fora. "Tudo o que eu tinha dentro de mim e não tinha tempo para parar e fazer eu fiz." Agora era hora de ver o filho nascer.

Cerca de meia hora depois, Ludmilla subiu ao palco com uma banda numerosa ao som de "Amor Difícil", composta por ela e também a canção mais famosa do projeto.

A energia era de catarse, com o público gritando trechos como "é a Ludmilla na cidade" a plenos pulmões. "Não chora não", ela pediu a alguém aos prantos na plateia —não se sabe se pelo reencontro com a artista ou pela letra de fossa da música.

Pelas próximas três horas, Ludmilla comandou uma maratona de pagode, costurando faixas que formaram um repertório fino, com composições autorais e de estrelas do gênero.

Tocou tantã, homenageou Marília Mendonça com uma versão de "O Que Falta em Você Sou Eu" e chamou ao palco convidados como Luísa Sonza, Jão e Gloria Groove, que improvisaram um karaokê dos famosos cantando versões pagodeiras de seus sucessos.

Na plateia, amigos se abraçavam, pessoas tocavam cavaquinhos imaginários, casais se beijavam e fãs cantavam de olhos fechados e com a mão para o alto, regando o chão e a si próprios com o que escapava do copo. "Vocês não saem da frente do palco, não? Vão aproveitar o open bar, gente", brincou a cantora.

Afiada, Ludmilla aproveitou a deixa do refrão chiclete de "Ela Não", outra composição própria, e encerrou a música dizendo "ele não também, fora Bolsonaro"—posicionamento que veio a público durante a pandemia, após cobranças por ela não se manifestar politicamente. Mais tarde, deu bronca em alguém que atrapalhava seu show da plateia. "Alguém leva esse menino para tomar uma água. Eu não vou deixar você estragar meu ‘Numanice’ não, viu?"

No meio do setlist, uma pausa no clima romântico do pagode também foi comandado por ela, que assumiu a persona da DJ Ludbrisa, anunciada com um sonoro "é putaria que vocês querem?", para o delírio do público.

Ao som de uma sequência de hits do funk, que incluiu um medley da maconha, com seus sucessos "Verdinha" e "Não Encosta" e "Erva Venenosa", de Rita Lee, jovens botaram para jogo dois fenômenos pandêmicos —as dancinhas do TikTok e a fumaça branca e doce dos "vapes", os cigarros eletrônicos.

Foram quatro horas de Ludmilla no palco e mais algumas de sets comandados pelos DJs da noite. Pouco antes das duas da manhã, os mais guerreiros ainda dançavam, cantavam e se abasteciam nos bares.

A cantora, que entrou na pandemia como uma estrela do pop e do funk, começa a sair dela também como uma referência do pagode, que inclui histórias de amor entre mulheres no mapa do ritmo musical e apresenta para um público jovem clássicos da música brasileira que não chegaram a alcançar parte da geração Z. Como diria seu próprio bordão, é mais uma canetada da Lud.

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