Conheça artistas que questionam padrões e combatem o capacitismo

Arte plural exige diversidade de pessoas em todo o processo criativo, desde o roteiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Protagonizar suas histórias, seja no palco, seja nas telas, seja na música. Esse é o desejo expresso por João Paulo Lima, de 41 anos, artista e professor de dança na UFC, a Universidade Federal do Ceará. Ele se dedica à arte de contar histórias de pessoas que têm alguma deficiência, assim como a fotógrafa paulista Maria Paula Vieira, de 28 anos.

Performance de palco mostra quatro pessoas, duas em primeiro plano deitadas no chão com os braços estendidos e duas ao fundo, em cadeiras de roda, inclinando o corpo para frente
Apresentação do espetáculo 'Joy Lab Research' do Núcleo Dança Aberta, projeto que promove a democratização da dança para pessoas com e sem deficiência - Gil Grossi/Divulgação

Cadeirante desde a infância, por causa de uma síndrome neurológica que compromete a sua mobilidade, Vieira conta que a falta de representatividade sempre abalou sua autoestima. "Foram histórias apagadas por muito tempo", diz.

Hoje, ela trabalha no resgate da autoimagem de mulheres com e sem deficiência que não se veem representadas na mídia em geral. "Elas são bonitas, são potentes e minha forma de mostrar isso é através da fotografia."

Para Lima, o primeiro contato com a arte foi durante a faculdade, após participar de uma disciplina de teatro musical, quando cursava graduação em letras na UFC. "Descobri que pela dança consigo desobstruir meus incômodos e falar sobre empoderamento do corpo com deficiência."

De acordo com dados do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil tem mais de 17 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que corresponde a 8,4% da população.

A inclusão na arte passa pela presença de pessoas plurais em todo o processo criativo, desde o roteiro, afirma Eduardo Oliveira, ou Edu O., como é conhecido o dançarino, performer e primeiro cadeirante a lecionar dança na Universidade Federal da Bahia, a UFBA. "A partir das nossas experiências e das nossas especificidades, contribuímos para a construção de conhecimento", diz.

A opinião é compartilhada por Priscila Jorge, coordenadora do Núcleo Dança Aberta, projeto que promove a democratização da dança para pessoas com e sem deficiência. Para ela, o convívio entre pessoas com corpos que têm diferentes habilidades é essencial no processo de inclusão.

"É a partir do encontro e da experiência que se transforma a mentalidade das pessoas."

A iniciativa utiliza o método Dance Ability, que a partir do improviso promove a troca artística entre os participantes respeitando a linguagem de cada corpo. O projeto oferece oficinas e cursos, além de realizar performances e espetáculos para provocar reflexões sobre um convívio social mais consciente.

Abaixo, veja o trabalho de profissionais de diversas linguagens da arte.

Músicos


Amanda Lyra

Amanda Lyra, de 31anos, é cantora e compositora. Nasceu com atrofia muscular espinhal tipo três e é cadeirante há cinco anos. Em dezembro deste ano, lançou a música "Sem Reclamar", que questiona o capacitismo. O elenco do clipe é formado por pessoas com deficiência, e o vídeo tem legenda em Libras como recursos de acessibilidade —há também uma versão com audiodescrição.

Billy Saga

O rapper Billy Saga, de 44 anos, é paraplégico e aborda os direitos das pessoas com deficiência em suas letras. Seu lançamento mais recente é a música "Corpo Intruso", inspirada no conceito homônimo da performer e videoartista Estela Lapponi, na qual ele cobra por inclusão e acessibilidade.

Dudu do Cavaco

Dudu do Cavaco, de 31 anos, é músico com síndrome de Down e, além de cavaquinho, toca instrumentos diversos, como banjo, pandeiro, surdo e tamborim. A convivência com Dudu inspirou Leonardo Gontijo, seu irmão mais velho, a fundar o Instituto Mano Down, que desenvolve ações de inclusão e desenvolvimento de pessoas nascidas com Down.

Gabrielzinho do Irajá

Gabrielzinho do Irajá, de 25 anos, é sambista cego. Lançou dois álbuns: "Ninar Meu Samba" e "Na Ciranda da Vida". Participou do álbum "Mais Feliz", de Zeca Pagodinho, compondo a música "Não Vou Magoar Meu Amor". Na infância, atuou na novela "América", da TV Globo.

Herbert Vianna

Herbert Vianna, de 60 anos, é compositor, guitarrista e vocalista da banda Os Paralamas do Sucesso, importante na cena do rock nacional dos anos 1980 e 1990. Em 2001, ficou paraplégico após sofrer um acidente. Em quatro décadas, a banda lançou sucessos como "Meu Erro", "Óculos" e "Aonde Quer que Eu Vá". O álbum mais recente é "Sinais do Sim", de 2017.

Kátia

Kátia, de 59 anos, é cantora e compositora cega. Apadrinhada por Roberto Carlos, fez sucesso nos anos 1980 com músicas como "Qualquer Jeito", "Tão Só" e "Lembranças", faixa composta por Roberto e Erasmo Carlos para o álbum de estreia de Kátia.

MC Leozinho ZS

Alex Oliveira Santos, o MC Leozinho ZS, é cantor e compositor de funk consciente. Um de seus lançamentos mais recentes é "Perante aos Olhos do Pai", em parceria com outros nove artistas. A letra aborda capacitismo, desigualdade social e se inspira nas histórias de outras três pessoas com deficiência além de Leozinho, que é cego. O clipe possui legenda em Libras e recursos de acessibilidade.

Artistas Plásticos


Fábio Passos

O desenhista Fabio Passos é doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e cursa pós-doutorado em artes visuais na Universidade Federal da Paraíba. As obras de Passos, que é paraplégico, têm o objetivo de dar visibilidade aos corpos de pessoas com deficiência e questionar o conceito de corpo perfeito.

Irmãos Mamedes

O grupo Irmãos Mamedes é formado por Carolina, Gabriel e Ismael. Os desenhistas são irmãos e têm autismo. Trabalham juntos, utilizam os mesmos materiais, mas adotam estilos diferentes. Algumas das obras do grupo estão expostas no Centro de Convivência Marcus Matraga, em Belo Horizonte, até 3 de fevereiro de 2022.

Lucas Luciano

Lucas Luciano é artista plástico e integra a Associação de Pintores com a Boca e os Pés. Em 2021, expôs dez obras na galeria Celso Antônio de Menezes, localizada no Fórum Desembargador Sarney Costa, em São Luís.

Rogério Ratão

Rogério Ratão, escultor e ceramista, é professor do curso de escultura do programa Igual Diferente, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, desde 2011. Cria esculturas e peças utilitárias, como vasos e tigelas. Rogério, que é cego, utiliza o próprio corpo como referência para dar proporção aos objetos.

Escritores


Bartyra Soares

Bartyra Soares é poeta e contista. Em 2015, tomou posse da 37ª cadeira da Academia Pernambucana de Letras, tornando-se a primeira pessoa com deficiência visual a integrar a instituição. Publicou o primeiro livro, "Enigma", em 1976. Entre outros títulos, também é autora de "Labirinto das Águas" e "Três Curvas e Outras Reviravoltas", lançados em 2018.

Marcelo Rubens Paiva

O escritor Marcelo Rubens Paiva ficou famoso com seu primeiro livro "Feliz Ano Velho", autobiografia em que narra o cotidiano após o acidente que o deixou tetraplégico. Publicado em 1982, o romance foi adaptado para cinema e teatro. Paiva é autor de outros títulos, como "Ainda Estou Aqui", "Blecaute" e "Meninos em Fúria".

Markiano Charan Filho

Markiano Charan Filho é especialista em educação inclusiva pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Cego, escreveu três livros infantis que abordam a rotina de uma criança com deficiência visual: "Rodrigo Enxerga Tudo", "Rodrigo Bom de Bola" e "Rodrigo na Era Digital".

Cênicas


Juliana Caldas

Atriz e modelo, Juliana Caldas estreou na televisão em 2017, interpretando a personagem Estela, na novela "O Outro Lado do Paraíso", de Walcyr Carrasco. A atriz, que tem nanismo, é atuante nas redes sociais e busca conscientizar seu público sobre a importância da luta contra o capacitismo.

Estela Lapponi

Atriz, performer e videoartista, Estela Lapponi usa Libras, audiodescrição e legendas como linguagem para a criação de suas obras. Lapponi, que tem hemiparesia, paralisia que atinge metade do corpo, é autora do curta "ProfanAÇÃO" (2018), que discute a presença de corpos com deficiência em peças audiovisuais. Lapponi participou do seminário Somos Plurais, realizado pela Folha e pelo Itaú Cultural em dezembro de 2021.

Giovanni Venturini

Giovanni Venturini é ator com participações no teatro, televisão e cinema. Nascido com nanismo, lançou em 2017 o livro "Anão Ser" em que conta em poesia episódios de suas vivências. Na TV, sua primeira participação foi em 2012, na série "Família Imperial", do canal Futura. Já no cinema, Venturini estreou em 2018, com participação em três filmes, entre eles "Veneza" (2019), de Miguel Falabella.

Ariel Goldenberg

Ariel Goldenberg é ator conhecido por viver o jovem Stalone no filme "Colegas" (2012), de Marcelo Galvão. No longa, atuou ao lado de Rita Pokk, que interpreta Aninha, e Breno Viola, o Marcio do filme, os três são nascidos com síndrome de Down. O longa conta a história da viagem dos três amigos, que partem inspirados pelo filme "Thelma & Louise" (1991), de Ridley Scott.

Nando Bolognesi

Luis Fernando Bolognesi, ou Nando Bolognesi como é conhecido, é ator, palhaço e palestrante. Foi integrante dos Doutores da Alegria, criador e diretor do grupo Fantásticos Frenéticos –palhaços em hospitais psiquiátricos. Com um diagnóstico de esclerose múltipla, ele conta sua experiência no espetáculo solo "Se Fosse Fácil, Não Teria Graça".

Fotografia


João Maia

João Maia é idealizador do projeto Fotografia Cega, que oferece palestras e oficinas sobre acessibilidade e fotografia. Foi o primeiro fotógrafo com deficiência visual a registrar uma paralimpíada, no Rio de Janeiro, em 2016. Ele também marcou presença nas Paralímpiadas de Tóquio, em 2021.

Maria Paula Vieira

Maria Paula Vieira, de 28 anos, foi a primeira fotógrafa com deficiência física a expor no metrô de São Paulo, com "Mães Invisíveis", em 2020. A mostra trata de um assunto pouco falado de acordo com a artista: o cotidiano de mães que têm algum tipo de deficiência. Vieira, que é cadeirante, também foi curadora da mostra "Elas por Elas", que retrata a diversidade das mulheres brasileiras.

Teco Barbero

Antônio Walter Barbero, o Teco Barbero, é fotógrafo, jornalista e tem deficiência visual. Foi durante a faculdade de jornalismo que ele, que tem apenas 5% da visão, teve o primeiro contato com a fotografia. Atualmente, Teco ministra palestras sobre inclusão na fotografia e realiza cobertura de eventos.

Dança


Marcos Abranches

Marcos Abranches é coreógrafo e bailarino, autor de espetáculos como "O Grito", que faz referência à pintura de Edvard Munch (1863-1944). Sua trajetória foi retratada no documentário "O Artista e a Força do Pensamento" (2021), de Elder Fraga, premiado como melhor filme nacional no 6º Santos Film Festival, em 2021. O artista, que tem paralisia cerebral, condição que afeta o sistema motor, busca explorar sua motricidade específica para além do nicho de artistas com deficiência.

Geyza Pereira

A professora de balé clássico Geyza Pereira, de 36 anos, ocupa o posto de primeira bailarina na Cia. Ballet de Cegos Fernanda Bianchini, pioneira no desenvolvimento de técnicas de ensino de dança para pessoas com deficiência visual. Na dança há 26 anos, Geyza perdeu a visão na infância por causa de uma meningite.

Ela já se apresentou em diversos espetáculos, dentro e fora do Brasil, inclusive no baile de gala Art of Elysium, em Los Angeles, em 2017, em que dançou durante uma apresentação do cantor Stevie Wonder. "Minha mensagem é que devemos sempre ir em busca dos nossos sonhos, ir além e ser protagonistas da nossa própria história."

João Paulo Lima

Dançarino, ator e idealizador da plataforma de Dança e Acessibilidade da Bienal Internacional de Dança do Ceará, João Paulo Lima, de 41 anos, investiga processos de dança em que corporeidades múltiplas se encontram. Ele, que teve uma de suas pernas amputadas, atualmente é professor no curso de licenciatura em teatro da Universidade Federal do Ceará.

Edu O.

O artista baiano Eduardo Oliveira, o Edu O., é o primeiro cadeirante a lecionar dança na Universidade Federal da Bahia. Pesquisador do movimento, ele estuda as representações de corpos que fogem do que é tido como normalidade. "A dança é uma maneira que encontro de afirmar quem sou." Edu tem mobilidade reduzida desde a infância, condição causada pela poliomielite.

Daniel Gonçalves

Daniel Gonçalves, de 37 anos, é sócio-proprietário da produtora Seu Filme e diretor do documentário autobiográfico "Meu Nome É Daniel" (2018). O cineasta nasceu com uma deficiência que afeta a coordenação motora, e no filme narra seu cotidiano e as investigações genéticas sobre sua condição, que ainda hoje está sem diagnóstico preciso.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.