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Cinema

'A Mulher de um Espião' pode ser o melhor filme do circuito em 2022

Em drama histórico levado com habilidade invejável, japonês Kiyoshi Kurosawa fala de delação, traição e tortura

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A Mulher de um Espião

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Yu Aoi, Issey Takahashi, Masahiro Higashide
  • Produção Japão, 2020
  • Direção Kiyoshi Kurosawa

Quando o melhor cineasta japonês dos últimos 30 anos encontra o mais celebrado dos últimos quatro anos, há o risco de que o melhor sucumba às características trazidas pelo mais celebrado, senão diretamente, ao menos espiritualmente.

Felizmente, a "hamaguchização" do cinema de Kiyoshi Kurosawa não aconteceu. Talvez porque "A Mulher de um Espião", de 2020, seja anterior aos dois filmes que consolidaram o nome de Ryusuke Hamaguchi na cinefilia internacional, "Roda do Destino" e "Drive My Car", ambos do ano passado —embora a consagração tivesse iniciado já com "Asako I e II", de 2018. Seja como for, Kurosawa sucede o excelente "Fim da Viagem, Começo de Tudo" com um longa da mesma estatura, embora em tom completamente diferente.

Pôster do filme 'A Mulher de um Espião', de Kiyoshi Kurosawa
Pôster do filme 'A Mulher de um Espião', de Kiyoshi Kurosawa - Divulgação

Cinema da precisão, da procura pelo tom justo, pelo ritmo mais adequado, por uma modulação narrativa que remete ao melhor cinema já feito, ou seja, ao cinema de Kenji Mizoguchi. Com "A Mulher de um Espião", Kiyoshi Kurosawa mostra mais uma vez que pertence ao restrito grupo de maiores do cinema contemporâneo. O Leão de Prata de melhor direção no Festival de Veneza de 2020 foi amplamente merecido, o que, convenhamos, está longe de ser uma regra.

Este é um filme de época, roteirizado por Kurosawa em parceria com Hamaguchi e Tadashi Nohara, que, por sua vez, colaborou no roteiro de "Happy Hour", que Hamaguchi dirigiu em 2015. A trama se passa entre os anos 1940 e 1945, um dos períodos mais difíceis do Japão, quando um nacionalismo exacerbado e um militarismo crescente nos anos 1920 e 1930 acabaram levando o país à invasão da Manchúria, a uma guerra com a China e ao ataque à base americana de Pearl Harbor, provocando a entrada definitiva dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Nesse contexto de flagrante tensão, encontramos Yusaku Fukuhara, empresário no ramo de importações e exportações vivido por Issey Takahashi, e sua mulher, Satoko, papel de Yu Aoi. Encontramos também Fumio, sobrinho do casal interpretado pro Ryota Bando, e Yasuharu, amigo de infância de Satoko, agora um militar poderoso na pele de Masahiro Higashide.

Quando vai à Manchúria, território conquistado pelos japoneses desde 1931, e lá descobre que experimentos cruéis estão sendo feitos com prisioneiros, Yusaku decide se arriscar e denunciar tudo para a comunidade internacional. Satoko, contudo, tem suas próprias ideias, além de ser tomada por ciúme da jovem testemunha que Yusaku e Fumio trazem para o Japão.

Delações, traições e torturas fazem parte dos códigos do drama histórico que Kiyoshi Kurosawa administra com uma habilidade invejável. Seu filme tem um tom parecido com o de "Desejo e Perigo", grande longa de 2007 dirigido por Ang Lee e ambientado no mesmo período.

Mas, enquanto o cineasta de Taiwan trabalha com um forte componente erótico, Kurosawa, à maneira de Yasujiro Ozu, está mais interessado no perigo da dissolução familiar dentro de um contexto bélico. E, à maneira de Mizoguchi, cineasta lembrado nominalmente por Yusaku, mostra que às mulheres não havia muitas saídas em um jogo de sobrevivência que passa pelo poder do dinheiro.

Estamos envoltos em cinefilia. Issey Takahashi interpreta como se fosse uma versão japonesa de Al Pacino em "O Poderoso Chefão". É surpreendente sua contenção e capacidade de atuar com o olhar. Seu personagem Yusaku é também um cineasta amador e usa uma pequena câmera para filmar as provas dos experimentos criminosos. Por fim, um filme se torna prova íntima de uma traição.

A contribuição de Ryusuke Hamaguchi não deve ser desprezada. Se este é o mais clássico dos filmes de Kurosawa, isso provavelmente se deve ao roteiro. Contudo, o sonho de Satoko, permeado por um duplo receio de adultério, e o final impressionante são inegavelmente característicos de Kurosawa e remetem a obras como "Sakebi", de 2006, "Pulse", de 2001, e "Karisuma", de 1999.

Difícil não terminar o texto com uma frase de impacto, mas uma crítica pode se fazer também com apostas e hierarquizações –"A Mulher de um Espião" já é um dos maiores favoritos ao título de melhor filme do circuito comercial brasileiro em 2022.

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