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'A Pior Pessoa do Mundo' tem tudo tão em seu lugar que soa monótono

Filme indicado ao Oscar 2022 parece pensar nas contradições de um mundo que promete e não entrega a liberdade total

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A Pior Pessoa do Mundo

  • Quando Estreia nesta quinta (24)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie, Herbert Nordrum
  • Produção Noruega, 2021
  • Direção Joachim Trier

É preciso um pouco de paciência para apreciar "A Pior Pessoa do Mundo". O filme de Joachim Trier se transforma a cada um de seus capítulos —são 12, mais um prólogo e um epílogo—, no que se parece um pouco com Julie, sua protagonista.

Julie deixa a impressão, a princípio, de ser só uma garota que não sabe o que quer. Passa da medicina para a psicologia, daí para a fotografia. Talvez todo mundo seja um pouco assim a certa altura da vida. Não pela indecisão, mas justamente pela capacidade de se transformar, de se ver em outra pele, de se imaginar vivendo outras coisas.

mulher branca corre na rua
A atriz Renate Reinsve em cena do filme 'A Pior Pessoa do Mundo', dirigido pelo norueguês Joachim Trier - Divulgação

Para o bem e para o mal, as coisas parecem se estabilizar quando ela passa a viver com Aksel, um autor de quadrinhos underground bem mais velho do que ela —é o que ele diz, embora as imagens não sejam muito claras quanto a isso.

Não demora muito para "A Pior Pessoa" criar a impressão de que está administrando a herança do dramaturgo August Strindberg, que dita que, na relação interpessoal, todos devem a todos. A paixão, que em Julie surgiu repentina, não desaparece de repente, mas arrefece. Estamos no século 21, não mais no 19 da virada para o 20 do autor sueco, afinal. As insatisfações podem continuar sendo mútuas, mas hoje a mulher tem desejos e direitos, e Julie está entre elas.

Do arrefecimento à insatisfação é um pulo. Desse pulo consta o desejo de Aksel de ter um filho, o que Julie busca evitar. Subtexto —Aksel sabe quem é e o que quer. Julie, nem tanto. Surge então um encontro quase ao acaso, em que a rigor ela o procura, entrando de penetra numa festa, e uma bela cena de sedução mútua entre Julie e Eivind. Talvez seja a melhor sequência do filme.

Não importa o que acontece. A partir daí, o filme se torna mais vivo. No entanto, é possível notar que o personagem de Eivind introduz um problema grave na dramaturgia. Ele está lá, mas, ao contrário, de Julie e Aksel, não sabemos quem ele é. Num filme de basicamente três personagens, um deles está lá apenas para servir de escada a Julie. Sintomaticamente, entramos em um beco sem saída, que desemboca numa sessão de LSD em que Julie tem uma espécie de "bad trip", que no entanto é também um acerto de contas, com o pai dela em especial.

Algum tempo depois, entramos no que parece ser o cerne do filme. Talvez o nosso mundo seja abstrato demais, rápido demais para todos. Aksel representa, de certo modo, o mundo antigo, o dos livros, que supõe algo mais concreto a que nos apegarmos. Já a instabilidade de Julie representa um mundo onde as coisas surgem e desaparecem em pouco tempo, e nas quais não tocamos —como os livros do Kindle, por exemplo.

O mal-estar da civilização sobre o qual Freud escreveu e que dá título a um dos capítulos ilustra bem essa ideia —que, por sinal, não nos chega por meio de Julie, mas na disputa entre Aksel e uma ultrafeminista que ataca seus quadrinhos. É nesse mundo que parece pensar Joachim Trier —um em que nos promete a liberdade total, a ausência de censura completa, até que caímos em nós mesmos e descobrimos que nenhuma liberdade é completa, que o palavreado da liberdade, tanto quanto o da correção política, esconde um mundo de restrições e não ditos.

O caminho que Trier trilha para chegar a esse ponto chega por vezes a ser árido, construído sobre a busca de um cinema em que a psicologia tem um papel importante, a história tem começo, meio e fim, os atores são bem dirigidos.

Ao mesmo tempo, tudo parece tão em seu lugar —as ênfases sobretudo, como o uso de contraluz em determinados momentos, reduzindo as personagens a sombras, quando certas coisas vão mal— que por vezes tornam a experiência do filme, tateante, e a do espectador, monótona. Em todo caso, não estéril.

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