A mais recente sensação da internet brasileira é o trailer de um filme que não existe. Lançado nesta semana, "As Panteras do Lula" já acumula mais de 1,5 milhão de visualizações, em plataformas como Facebook, Twitter, Instagram e TikTok.
Com só dois minutos de duração, o vídeo impressiona pela qualidade da produção. Tem edição ágil, fotografia impecável, efeitos especiais e letreiros que emulam os do cinema americano. Parece coisa de profissional, mas não é.
Quer dizer, não exatamente. Seu criador, o youtuber Zel Junior, se interessa por edição desde os 12 anos de idade. Agora com 24, ele se tornou um editor profissional, montando em seu próprio laptop vídeos para diversos clientes.
"Quando eu ganhei meu primeiro computador, gostava de um joguinho em que a gente vestia bonecas com modelitos fashion", conta ele, em entrevista por telefone. "Mas eu queria que elas se movimentassem, e assim fui conhecendo o Photoshop, o Adobe e outros programas."
Dono de um canal no YouTube há cinco anos, Zel Junior raramente lança mais de um vídeo por ano. São miniparódias de filmes de ação, com muita luta, tiroteio e sangue jorrando aos borbotões.
"Eu sempre gostei de thrillers, mas não me sentia representado por eles. Os protagonistas são, quase sempre, homens heterossexuais. Foi só quando eu conheci 'As Panteras' que eu me identifiquei. Elas são lindas e combatem os escrotos. Queria ver uma pessoa gay como protagonista de um filme de ação".
O longo intervalo entre um vídeo e o outro se deve a uma razão prosaica –Zel Junior banca toda a produção de seu próprio bolso. Não tem investidores nem patrocínios. E ainda faz questão de remunerar todo o elenco, sempre composto por amigos seus.
"Comecei a rodar 'As Panteras do Lula' em junho de 2021, uma diária por mês. Ia juntando dinheiro e chamando a galera para filmar. Aluguei a câmera e os figurinos. Paguei alimentação e transporte para todo mundo. Tivemos uma locação em Mogi das Cruzes, e cada viagem de Uber me custou R$ 400", conta rindo.
"As Panteras do Lula" segue a estrutura do trailer do mais recente longa da franquia original, que estreou em 2019 e tem Kristen Stewart como atriz principal. Mas a pantera favorita de Zel é Dylan, vivida por Drew Barrymore nos filmes de 2000 e 2003, que ele só conheceu por DVD.
O vídeo é cheio de "Easter eggs", ou ovos de Páscoa —pequenos detalhes que podem passar despercebidos, mas carregam significados. Uma das "panteras", por exemplo, dispara lâminas de barbear de seu bracelete. As lâminas são usadas por travestis para se defenderem, e Diana Martins, que interpreta a personagem, é uma mulher trans. Os outras agentes são vividos por Jade Mascarenhas, uma mulher cis, e pelo próprio Zel.
Zelito dos Santos Silva Junior nasceu em Jequié, na Bahia, e se mudou para São Paulo aos nove anos de idade. Mora até hoje com a mãe, o padrasto e a irmã em Cidade Tiradentes, uma comunidade na zona leste da cidade. Não cursou faculdade –tem apenas o ensino médio, e é autodidata em cinema. Tudo o que sabe, aprendeu com tutoriais do YouTube. Ou na marra.
"Eu cresci na Assembleia de Deus e fui muito bloqueado culturalmente. Acredita que até hoje eu não vi um filme do Harry Potter? Não me deixavam, diziam que era bruxaria. Mas 'As Panteras' eu podia assistir, e deu no que deu."
Zel Junior não conta quanto custou "As Panteras do Lula", "para não desanimar o pessoal que está começando e se inspira em mim". "Mas meu vídeo favorito até hoje, 'Anitta x Pabllo Vittar', custou R$ 100."
Não é a primeira vez que ele viraliza. Trabalhos anteriores, como as duas partes de "Gay x Crente", também tiveram centenas de milhares de visualizações. Com o tempo, foi se politizando cada vez mais.
"Eu tirei meu título de eleitor aos 16 anos, por influência de uma professora. Ela me contou que, antes do Lula chegar à Presidência, pobre não andava de avião. Por isso, eu sempre votei no PT."
Por isso mesmo, seus vídeos não são unanimidade. Irritados com "As Panteras de Lula", apoiadores de Bolsonaro fizeram um mutirão de denúncias ao TikTok, e conseguiram que a plataforma derrubasse o perfil de Zel Junior. Na terça-feira (4), porém, ele voltou ao ar, e já acumula 20 mil seguidores —o dobro de antes.
E o futuro? "Quero fazer séries. Quero continuar filmando, mesmo sem ainda ganhar nada. É o tal negócio –o pior dia no set de filmagem é melhor do que o melhor dia fora dele."
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