Britânicos são pervertidos, diz Claire Foy, intérprete de duquesa com 'nudes' vazados

Caso de Margaret Argyll, aristocrata cuja vida sexual foi exposta em tribunal na década de 1960, inspira a série 'A Very British Scandal'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Matthew Anderson
The New York Times

Todo mundo adora um escândalo sexual, e um escândalo sexual entre os poderosos é ainda melhor. Ricos e famosos caídos em desgraça —eis uma história que as pessoas querem ouvir.

Em "A Very British Scandal", minissérie em três episódios que entrou no catálogo americano da Amazon Prime Video no final deste mês, Claire Foy interpreta a duquesa de Argyll, uma aristocrata verdadeira cuja vida sexual foi exposta em um caso judicial da década de 1960 que criou um frenesi de mídia e fascinou o Reino Unido. Quando a BBC transmitiu "A Very British Scandal", em dezembro, quase 7 milhões de pessoas assistiram à série.

Cena de filme representando o busto de uma mulher branca vestida com um chapéu e uma blusa lilases, além de um colar e um brinco de pérolas douradas
Cena da série 'A Very British Scandal', com a atriz Claire Foy - Divulgação

A série serve como companheira para "A Very English Scandal", outra coprodução imensamente popular da Amazon e da BBC em que Hugh Grant interpreta um político da elite que sofreu destino semelhante.

Histórias como essas, disse Foy em uma entrevista recente, atraem certos elementos do caráter nacional britânico. "Somos pervertidos, não é?", disse Foy. "Lá no fundo, o povo britânico adora essas coisas: amamos fofocas, amamos as coisas provocantes que outras pessoas fazem sem que saibamos", ela acrescentou. "Tudo que aconteça por trás de portas fechadas nos obceca totalmente".

No episódio final da série, uma das amigas aristocratas da duquesa lastima o desejo do público britânico de saber o que as classes altas estão aprontando. "O povinho em suas pocilgas repulsivas nos contempla com inveja, porque não somos como eles", diz a amiga, interpretada por Julia Davis. Mas as histórias sobre a vida sexual da duquesa, ela diz, "nos arrastam para baixo e nos fazem parecer com ele".

A personagem de Foy jamais foi parte do "povinho", mas nem sempre foi aristocrata, tampouco.

Margaret Whigham nasceu na Escócia, em 1912. O pai dela, um homem que veio de baixo mas enriqueceu na indústria têxtil, transferiu a família a Nova York, onde Whigham viveu até os 14 anos. De volta ao Reino Unido, ela se tornou uma debutante muito fotografada, com um brilho transatlântico especial, e era presença constante nas páginas de sociedade. Depois de uma sucessão de relacionamentos vistosos e de um primeiro casamento que terminou em divórcio, ela se tornou duquesa de Argyll em 1951, ao se casar com o duque, Ian Campbell —interpretado por Paul Bettany na série—, cuja família era parte da aristocracia escocesa desde o século 15.

Glamorosa e perpétua convidada dos eventos mais importantes, a duquesa tinha colunistas de sociedade entre seus amigos e cultivava uma imagem de elegância, na mídia. E percebeu desde muito cedo que podia ganhar dinheiro com o que hoje chamaríamos de "sua marca pessoal", aceitando pagamento de jornais sensacionalistas para aparecer em artigos lisonjeiros. ("Linda! Rica! Distinta!", dizia a divulgação de um desses artigos, publicado em 1961 pelo jornal Daily Mirror. "É essa a duquesa de Argyll que o mundo conhece".)

Mas, quando seu casamento com o duque se dissolveu, ela perdeu o controle da narrativa. O brutal caso de divórcio –no qual fotos íntimas da duquesa foram apresentadas no tribunal– a tornou assunto de artigos extremamente lascivos em jornais e de fofocas suculentas, e mais tarde de "A Very British Scandal" e até mesmo de uma ópera.

Durante o julgamento, o duque submeteu à Justiça uma lista de 88 homens com quem ele disse que a duquesa havia dormido durante os anos em que os dois foram casados, bem como Polaroids que ele roubou dela e a mostravam fazendo sexo oral em um homem cujo rosto não aparecia nas fotos.

O juiz que decidiu em favor do duque e lhe concedeu o divórcio em 1963 declarou que a duquesa era "uma mulher completamente promíscua", que havia se envolvido "em atividades sexuais repulsivas a fim de gratificar um apetite sexual degradado".

Os detalhes da foto do "homem sem cabeça" foram revelados alegremente pelos jornais britânicos, que faturaram com o caso por meses. Margaret, a socialite reluzente, se tornou Margaret, a "duquesa safada".

Pelo restante de sua vida, ela desperdiçou a fortuna que tinha herdado de seu pai em uma série de processos judiciais mal-sucedidos e investimentos dúbios. Seus relacionamentos pessoais tampouco prosperaram: ela se distanciou de muitos de seus amigos e de uma filha de seu primeiro casamento. A duquesa morreu na penúria, aos 80 anos, em uma casa de repouso londrina. O primeiro hino a ser cantado em seu funeral, em 1993, principiava por "Ó Senhor, Pai da humanidade, perdoai nossa insensatez".

Sarah Phelps, a autora do roteiro de "A Very British Scandal", diz que o caso da duquesa e o turbilhão de mídia em torno dele representaram "o final de uma era". Foi "o nascimento de um tipo diferente de jornalismo, e de uma forma de escrever sobre sexo e escândalos de uma maneira muito, muito lúbrica", ela fala. E abriu caminho para as futuras descrições de Britney Spears, Amy Winehouse e Meghan Markle na mídia –"aquela crueldade e ira dirigida contra as mulheres expostas ao olhar público", ela diz.

Quando a indignação inicial desapareceu, a duquesa continuou a ser alvo de insinuações maliciosas por décadas. Homens posavam sorrindo ao lado da placa de embarque de um barco escocês que levava o nome dela: "Façam fila aqui para o duquesa de Argyll."

As audiências televisivas atuais podem ter mais simpatia pela duquesa, que hoje parece ter sido exposta ao ridículo público por atividades sexuais privadas, e a distribuição não consensual de suas fotos seria definida como "pornografia de vingança". Muitos espectadores não a julgarão com aspereza por um ato sexual que revistas femininas dão dicas de como executar, hoje em dia. Mas ainda assim o púbico pode ter dificuldade para simpatizar com a duquesa, que Foy interpreta como uma esnobe arrogante e manipuladora.

"Ela mentia, trapaceava e fazia toda espécie de coisas horríveis, diz a atriz. "Em sua defesa, essas mesmas coisas foram feitas contra ela."

Como pessoa exposta ao olhar do público, Foy simpatiza com a duquesa e lamenta o tratamento que ela recebeu da imprensa. "Ela era uma coisa, e de repente decidiram que tinha se tornado outra", diz a atriz. "No meu ramo, os jornalistas ditam a percepção do público a nosso respeito", ela acrescenta. "Você fica completamente nas mãos das pessoas que escrevem a história."

Cena de série representando uma mulher de casaco de peles marrom se apoiando no braço de um homem branco e loiro de terno azul claro
Cena da série 'A Very British Scandal', estrelada pela atriz Claire Foy - Divulgação

Outro autor que usou a história da duquesa é o compositor britânico Thomas Adès, cuja ópera "Powder Her Face", de 1995, usa a duquesa como anti-heroína. Produzida inicialmente no Festival de Cheltenham, na Inglaterra, quando Adès tinha apenas 24 anos, a ópera já foi encenada mais de 300 vezes, na Europa e Estados Unidos, de acordo com a editora Faber, que controla os direitos de edição da obra.

Adès diz que começou procurando por uma trama clássica de ópera. "Alguém em posição grandiosa, aparentemente muito forte e impressionante, mas que é desmantelado e derrubado por forças externas. O libretista da ópera, Philip Hensher, se lembrou do caso do divórcio de Argyll", diz Adès. "E a duquesa se enquadrava perfeitamente à descrição."

Enquanto "A Very British Scandal" termina com o julgamento do divórcio, "Powder Her Face" narra a história começando pelo final da vida da duquesa, com ela falida e hospedada em um hotel que não pode pagar. Em uma série de flashbacks oníricos, Adès recria alguns dos momentos cruciais da história de sua vida, entre os quais a ligação com "o homem sem cabeça", na forma de uma ária na qual a duquesa começa cantando e termina assobiando.

"Não se pode fingir que ela fosse uma personagem inteiramente simpática, que ela é Mimì", diz Adès, se referindo à frágil costureira que morre de tuberculose em "La Bohème", de Puccini. "Mas acho que ela é uma figura trágica". Ele acrescenta que a duquesa "era formidável, e fez muitas coisas bastante questionáveis".

A despeito do odor persistente do escândalo, a duquesa continuou a levar uma vida ativa na alta sociedade londrina pela maior parte dos anos que lhe restavam, diz Lady Colin Campbell, parente dela por casamento. "Ela era certamente notória, mas nunca se tornou uma pária", diz Campbell, 72. "As pessoas fofocavam e diziam: ‘Olha só, é Margaret Argyll’."

"Mas ela nunca se deixou abater, na verdade", acrescenta Campbell. "Simplesmente ignorava."

Em seus anos finais, com o dinheiro escasseando, a duquesa voltou a tentar "converter sua fama em renda" diz Campbell. Em 1986, ela publicou "My Dinner Party Book", um guia sobre como receber convidados, dirigido às donas de casa. Ainda assim, o texto incluía recomendações do tipo "jamais convide o lorde Chanceler e dois embaixadores para um jantar ao mesmo tempo". (O livro não vendeu bem, diz Campbell.)

Dois nos mais tarde, aos 76, a duquesa apareceu em Wogan, o principal talk show da BBC. O anfitrião, Terry Wogan, foi cuidadoso ao tratar do incidente que a tinha tornado mais famosa, perguntando, gentilmente: "E quanto à sua história pessoal? Sua história foi muito colorida –você acha que ela daria uma boa trama?".

"Oh, vamos rezar que não", respondeu a duquesa. "Melhor nem pensar sobre isso."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.