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Óperas sobre peças de Plínio Marcos têm realização corajosa

Primeiras encomendas do Municipal em 111 anos representam um salto em relação às montagens do ano passado

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Navalha na Carne e Homens de Papel

  • Quando Dom. (10/4), às 17h; e de ter. a qui. (12, 13 e 14/4), às 20h
  • Onde No Theatro Municipal - pça. Ramos de Azevedo, s/nº, República, São Paulo
  • Preço De R$ 30 a R$ 120
  • Classificação 16 anos
  • Autor Leonardo Martinelli e Elodie Bouny a partir de peça de Plínio Marcos
  • Direção Roberto Minczuk

Antes de tudo é preciso enaltecer a coragem: coragem da direção do Theatro Municipal e seu regente titular, Roberto Minczuk, ao romperem com o círculo vicioso e, finalmente, após 111 anos, encomendarem óperas inéditas a nomes importantes da composição no Brasil; coragem também de cogitar fazer isso a partir de peças de Plínio Marcos (1935-1999); enfim, coragem dos compositores, Leonardo Martinelli e Elodie Bouny, por toparem o desafio.

Posto isso, é preciso dizer que não é nada fácil transpor Plínio Marcos para a linguagem operística. Seus textos diretos, pé no chão e pouco irônicos –que trazem a voz dos excluídos "que sofrem e nos fazem sofrer", nas palavras de Décio de Almeida Prado– contam com a força dos atores, a mágica da performance teatral como coautora. É uma dramaturgia que passa pelo texto sem tê-lo por fundamento.

As peças teatrais foram escritas há mais de 50 anos: "Navalha na Carne" é de 1967, "Homens de Papel", de 1968. A primeira tem apenas três personagens, e as relações entre Vado, Neusa Sueli e Veludo num quarto de bordel –pautadas pela violência física e psicológica, pelo machismo, homofobia, etarismo e dependência de drogas— não deixam espaço para bons sentimentos.

Cena da ópera "Homens de Papel", de Elodie Bouny, inspirada na peça homônima de Plínio Marcos e apresentada no Theatro Municipal de São Paulo
Cena da ópera "Homens de Papel", de Elodie Bouny, inspirada na peça homônima de Plínio Marcos e apresentada no Theatro Municipal de São Paulo - Stig de Lavor/Divulgação

Tendo adaptado ele mesmo o texto para o formato de libreto operístico, Martinelli sustenta com classe um discurso pós-tonal. Cuida bem da prosódia e tenta extrair melodias improváveis dos diálogos secos. Passa da fala ao canto com habilidade e conta com um pensamento camerístico na orquestração, com presença marcante de clarinete e clarone.

Em "Homens de Papel", Bouny lida com uma massa quase anônima de moradores de rua que tentam sobreviver como catadores de papel; à estrutura comportamental presente na outra peça, Plínio soma a intimidação opressora, o descontrole emocional, a pedofilia e o linchamento.

Com um uso híbrido de soluções técnicas e estilísticas, a compositora articula muito bem as transições entre as cenas, além de fazer uso impactante da massa orquestral, do coro e, comparativamente com "Navalha", de uma maior presença do pulso rítmico marcado.

Para tanto, conta com uma adaptação do texto (feita por Hugo Possolo) um pouco mais livre (como mostra o coro final, não presente na peça original). A guitarra elétrica (inclusive usada com distorção) em meio à orquestra acrescenta uma aspereza estranha ao som geral.

Martinelli é de São Paulo e tem escrito óperas encomendadas pelo Festival Amazonas e pelo Theatro São Pedro. Bouny cresceu na França e realizou sua formação acadêmica no Rio de Janeiro; suas obras orquestrais mais ambiciosas têm sido dedicadas ao violão. Compositor e compositora produziram obras de inegável domínio artesanal e conteúdo musical.

Os elencos das duas óperas saem-se bem. Obviamente, o trio da "Navalha" –Luisa Francesconi (como Neusa Sueli), Fernando Portari (Vado) e Homero Velho (Veludo)– está muito mais exposto, submetido a maiores exigências vocais e cênicas. Francesconi protagoniza alguns dos melhores momentos solistas do espetáculo.

É muito bom também ter no palco (em "Homens de Papel") tantas vozes belas, e não só as de cantores mais conhecidos, como Sebastião Teixeira (Berrão) e Rubens Medina (Chicão), mas também as de Elaine Morais (Maria-Vai), Elaine Martorano (Nhanha) –muito aplaudida na estreia– e Fernando de Castro (Coco), entre várias outras.

Totalmente integradas entre si, as excelentes direções cênicas de Fernanda Maia ("Navalha") e Zé Henrique de Paula ("Homens"), bem como luz, figurino e cenografia representam um salto em relação às montagens do ano passado no Municipal. Não tentam se sobrepor à música, ao contrário, escutam, salientam, acentuam, sublinham, ajudam a pensar e a sentir.

Regida por Minczuk, a Orquestra Sinfônica Municipal estava muito preparada, assim como o coro lírico. Além de novas, as obras são complexas, e uma performance segura como a da estreia na sexta-feira (8/4) só pode ocorrer com competência e dedicação.

Ainda assim, a despeito de tantos cuidados, frases como "para de me torrar o saco" ou os incontáveis palavrões usados como efeito expressivo por Plínio Marcos provocaram, às vezes, risos na plateia (sobretudo quando cantados). Há um efeito cômico na adaptação lírica que, certamente, não tem lugar nas boas montagens teatrais das peças.

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