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'Eva' explora os efeitos perenes dos rótulos na vida das mulheres

Atormentada pelo próprio nome, narradora examina com obsessão o passado enquanto se separa da realidade presente

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Iara Machado Pinheiro

Eva

  • Preço R$ 54,90 (112 págs.); R$ 36,90 (ebook)
  • Autoria Nara Vidal
  • Editora Todavia

Narrado em primeira pessoa e com uma estrutura fragmentada, "Eva", novo romance da escritora mineira Nara Vidal, segue uma linha bem característica da ficção contemporânea. Com um enredo descontínuo, a dor da protagonista pela morte da mãe e a identificação com outra mulher que também sofre pela perda da genitora desencadeiam questionamentos sobre os efeitos duradouros que o passado exerce no presente.

Não teria como passar em branco o nome que dá título ao livro, que tem como epígrafe a passagem bíblica do pecado original. Para a narradora, o nome Eva é uma danação desde a infância, ambientada numa cidadezinha mineira, onde qualquer desvio do que seria esperado de uma mulher era entendido como sinal inequívoco de uma possessão demoníaca.

capa de livro
Capa de 'Eva', livro da escritora Nara Vidal publicado pela Todavia - Reprodução

O romance é divido em três partes. A primeira, "Superfície", e a terceira, "Fundo", são breves e, de certo modo, contextualizam a mais extensa, "Profundo". Na parte do meio, aos 50 anos, Eva é uma professora particular sem alunos e uma mãe que tenta se esquecer que tem filho, vivendo isolada num apartamento apertado.

Apesar da distância do local de origem, não cessam de ecoar lembranças de acusações do tipo "minha vó, quando ninguém via, dizia que eram meus pensamentos demoníacos a semear tragédias na família".

Outros rastros do passado, conservados com diligência obsessiva, são as cartas da mãe, com quem Eva mantinha um relacionamento entre o carinho e o ressentimento; a proteção e a dependência. Embora a mãe também a acusasse de ter "o Diabo no corpo", quando morta, faz uma falta tremenda, relegando a protagonista à orfandade por sentir que não tem a quem recorrer nem alguém que possa conferir importância à sua vida.

Nara Vidal, autora de 'Sorte'
Nara Vidal, autora de 'Eva' - Agência Ophelia/Divulgação

A mistura entre a resistência em largar a barra da saia da morta e a recusa de ser mais mãe do que filha acabam condenando a protagonista a um isolamento não só em termos físicos, mas também em relação à realidade material de modo mais geral.

Ela observa o mundo exterior através de uma cortina de tule marrom, cor que dá a tonalidade do livro como um todo, detecta nas relações humanas uma hipocrisia sem fim e toma chá da tarde com as suas amigas imaginárias –uma horda de mulheres órfãs e carecas.

O único furo dessa redoma é o espelhamento que a narradora traça entre si mesma e outra mulher que sofre pela ausência materna. E, a partir dessa identificação, ela decide que deve intervir nessa existência alheia, para a salvar de um destino parecido com o seu. Um furo parcial, porque também nisso Eva mede o mundo pela sua régua.

Como a ambiguidade dos sentimentos passa pela coexistência de extremos, não há muita margem de nuance, o que respiga no encadeamento do romance. É compreensível que, a nível de construção de personagem, o olhar de alguém que se divorcia da realidade tenha o alcance comprometido, mas também as divagações sobre a vida, muito presentes na estrutura do livro, tendem a não ultrapassar os limites da individualidade da narradora.

Já as articulações entre passado e presente, em alguns momentos, soam deterministas, como se a organização do enredo pretendesse explicar demais como a protagonista chegou aonde chegou.

De todo modo, Eva está em consonância com recortes de representação e temas atuais, como o caráter não inato da maternidade e a incongruência entre desejo sexual e prescrições. E pode ser que esse tipo de encadeamento se justifique pela intenção de relatar o sofrimento provocado pelos rótulos atribuídos às mulheres –só que talvez a intenção se sobressaia mais que o necessário.

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