'Floresta' com obras de Frans Krajcberg ocupa MuBE em grande mostra do artista

Polonês, que também ganha biografia, trouxe a questão ambiental para o cerne de seu trabalho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

No final dos anos 1970, os artistas Frans Krajcberg e Sepp Baendereck fizeram uma viagem de barco pelo rio Negro com duração de pouco mais de um mês. Aquela era a primeira vez que Krajcberg, polonês radicado no Brasil e reconhecido por trabalhar com questões ambientais em sua obra, ia para a Amazônia.

O artista voltaria para a região diversas vezes na década seguinte, mas não para fazer a viagem "idílica pelo rio Negro, que você fica no barco tomando cerveja e vendo o rio passar", diz seu biógrafo, João Meirelles. Viajando por terra, nas idas seguintes Krajcberg viu a colonização e o desmatamento.

"Quando ele teve o impacto da queimada, virou um ambientalista roxo. Ele aprimora seu discurso, no sentido de ‘eu sou um ambientalista, não sou um artista’", acrescenta Meirelles.

A vida e a obra do artista tornado ativista, já tratadas num documentário e bienais dentro e fora do país, ganham agora novo fôlego, tendo como mote os cem anos que Krajcberg teria feito no ano passado, se estivesse vivo.

'A Flor do Mangue', obra de Frans Krajcberg exposta no MuBE, em São Paulo - Leonardo Finotti

Uma exposição no MuBE, o Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia, em São Paulo, faz uma antologia de sua produção entre as décadas de 1950 e 2010. Em paralelo, o ambientalista João Meirelles, também ex-presidente da fundação SOS Mata Atlântica, conclui uma biografia de Krajcberg, enquanto uma série de trabalhos do artista são restaurados e catalogados pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, o Ipac.

Embora o curador da mostra no MuBE, Diego Matos, afirme não achar o termo "retrospectiva" adequado para descrever a exposição, quem visita o museu pode acompanhar a progressão da obra do artista em cerca de 160 trabalhos, dos quais mais de uma centena veio do sítio Natura —uma casa construída no topo de uma árvore, onde Krajcberg morava, no sul da Bahia—, e o restante, de coleções particulares.

Estão expostas suas pinturas, ainda bem pouco vistas, gravuras e desenhos figurativos feitos num período que compreende o final dos anos 1940, antes de o artista aportar no Brasil, e o início da década seguinte, quando ele já estava em solo brasileiro.

Dispostas no começo da exposição, as obras têm a figura humana e a paisagem como tema, mas também atestam como o interesse do artista progrediu para a abstração feita a partir de elementos da natureza.

Ele passou a representar no papel a textura de folhas, pedras e terra, materiais que também usava na composição das obras, aos poucos saindo do plano do quadro e se dirigindo ao espaço. Na década de 1960, começou a fazer grandes esculturas tanto com a madeira que sobrava da indústria de celulose do sul da Bahia quanto com a madeira residual de queimadas, material que se tornaria característico do seu trabalho.

As peças, dentre as quais exemplares das séries apelidadas de "gordinhos", "bailarinas" e "coqueiros", estão dispostas de modo a formar uma floresta no espaço expositivo do museu, e algumas delas se estendem do chão ao teto. Como não há faixas delimitando o quão perto se pode chegar das obras, o público caminha entre troncos retorcidos, raízes, pedras e demais materiais naturais que compõem o léxico do artista.

Krajcberg encontrou na mata atlântica e no cerrado abrigo para sua trágica história de vida, diz o curador. Judeu, o artista perdeu a família para os nazistas —sua mãe foi presa e enforcada e outros parentes morreram em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. A partir da flora brasileira, "criou uma arquitetura da natureza com sua obra, trazendo a questão ambiental como questão de ordem ética dentro da arte", acrescenta Diego Matos.

Ainda segundo o organizador, Krajcberg não está no eixo central da narrativa da história da arte brasileira, apesar ser um homem branco e europeu, porque ele tinha uma obra diferente da de seus pares em meados do século 20. Ele não trilhou o caminho da figuração nem o da abstração, embora tenha flertado com ambas as vertentes.

Essa história será contada na biografia do artista, resultado de um trabalho de 15 anos encampado pelo seu amigo João Meirelles, um ambientalista a quem Krajcberg encarregou de escrever um livro sobre sua vida.

Para compor a obra, que está em vias de ter o contrato de publicação fechado com uma editora, o autor entrevistou cerca de 80 pessoas que conviveram com o artista, entre amigos, funcionários e outros artistas, se debruçou sobre reportagens na imprensa brasileira e francesa e vasculhou os arquivos da Biblioteca Nacional. O título provisório do livro é "Frans Krajcberg, A Natureza como Cultura".

Meirelles, que andou Brasil afora com Krajcberg coletando madeira queimada, define o artista como um provocador permanente. "Ninguém sai ileso ao conviver com as obras dele relacionadas a queimadas, sejam esculturas ou fotografias. Ele me provocou a vida inteira, durante 40 anos. ‘O que você está fazendo pela Amazônia, o que você vai fazer?’ Ele fazia isso com todo mundo. É isso o que nós estamos precisando no Brasil de hoje, na Amazônia de hoje", afirma.

O biógrafo conta que o artista não deixou herdeiros e doou suas obras para o governo da Bahia. O Estado recebeu o acervo em 2009, mas só pôde de fato acessar as obras depois da morte de Krajcberg em 2017, aos 96 anos, diz João Carlos, diretor geral do Ipac.

A mostra do MuBE vai depois ser exibida no museu Wanderley de Pinho, em Candeias, na região metropolitana de Salvador, espaço que também abrigará um ateliê de restauro e catalogação dos trabalhos do artista. Uma vez renovados, eles voltarão para o sítio Natura, a casa do artista, que também deve passar por restauro.

Frans Krajcberg: por uma Arquitetura da Natureza

  • Quando Até 31 de julho; terça a domingo, das 11h às 17h
  • Onde MuBE - Rua Alemanha 221, Jardim Europa, São Paulo
  • Preço Grátis
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.