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Artes Cênicas

Teatro recusa o virtual e se fecha à elite Rio-SP depois da pandemia

Após recorrer ao formato para sobreviver, arte se sente ameaçada por ele e relega grande público à mera imaginação

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Dirce Waltrick do Amarante

Tradutora e professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Autora, entre outros livros, de 'Para Ler Finnegans Wake de James Joyce' e 'James Joyce e Seus Tradutores'. Organizou e cotraduziu 'Finnegans Rivolta', que será publicado pela Iluminuras

Teatro, do grego "theatron", significa o local de onde o espectador olha uma ação "que lhe é apresentada em outro lugar", como completa o professor inglês Patrice Pavis. No século 20, esse local ganhou uma amplitude enorme, de modo que o espectador pode estar na Austrália, enquanto a cena acontece, por exemplo, no Brasil.

Mas isso é teatro?, perguntarão alguns misoneístas, os que têm repulsa a tudo o que é novo. Afinal, o teatro, em oposição ao cinema e à televisão, se enaltece por ser uma arte interativa, portanto, diferenciada. E, acreditam os mais conversadores, algumas tecnologias usurpariam o palco onde o teatro nasceu.

Ao fundo, o ator Marcelo Drummond no Teatro Oficina ensaia 'Esperando Godot' remotamente com os atores Gui Calzavara e Pascoal da Conceição, na interface do computador - Eduardo Knapp - 8.dez.2020/Folhapress

Além disso, diz a professora e crítica Bárbara Heliodora, o teatro "só existe quando ele é apresentado diante de uma plateia, porque a obra de arte é o que acontece diante do seu público, graças à interação emocional que existe entre palco e plateia".

O virtual no teatro ainda parece malvisto, embora a discussão não seja nova. Contudo, ela tem sido muito mais eficaz na teoria do que na prática. Nos últimos dois anos, é bem verdade, a pandemia obrigou até mesmo os mais conversadores a aderir a novas tecnologias e a buscar um outro local de onde o público pudesse assistir à ação teatral.

Se no princípio havia uma certa reserva em manter as atividades cênicas, não demorou muito para que as peças online se multiplicassem. Assim, no período de confinamento foi possível assistir a apresentações de grandes companhias de teatro dentro e fora do Brasil. Finalmente, os novos desafios do teatro digital pareciam ter sido assimilados tanto por quem atua nas artes da cena quanto por quem assiste a elas.

Nessas apresentações online estavam os quatro elementos fundamentais do teatro, que, de acordo com o diretor Peter Brook, são: o "performer", a audiência, o espaço particular e o tempo específico da ação. Esses elementos devem ser adaptados, obviamente, ao mundo interligado e virtual em que vivemos.

Tudo levava a crer que o teatro tinha dado um passo à frente e perdido o "medo" de se tornar irreconhecível ao fazer uso de uma nova possibilidade de acesso a ele por meio virtual.

Mas tão logo os teatros reabriram suas portas para os espectadores ao vivo, fecharam as portas para a plateia virtual. Quem perde com isso não é apenas o espectador que vive longe dos grandes centros, mas também o teatro e a arte.

Por que não conciliar as apresentações ao vivo com as virtuais? Serão duas experiências diferentes, mas uma não exclui a outra. Parece-me melhor ter a possibilidade de assistir a uma peça online do que não ter acesso a ela.

Em "Theatre and the Digital" —o teatro e o digital—, o autor Bill Blake afirma que o teatro sempre se sentiu ameaçado pela tecnologia. No entanto, a meu ver, não é ela quem ameaça o teatro —a grande ameaça está no fato de o teatro estar longe fisicamente do grande público, sobretudo dos espectadores que vivem longe dos grandes centros.

Vale lembrar que os livros se reinventaram em outros formatos (com os ebooks) e que o cinema provou sua força mesmo depois da ameaça dos videocassetes, DVDs, entre outros meios de acessar seu conteúdo, como o streaming da Netflix, Amazon et cetera. Os concertos e shows musicais não acabaram com o advento do rádio, dos CDs, nem mesmo do Spotify.

O teatro, que agora parece dar um passo atrás, abandona os espectadores que vivem fora dos grandes centros, muitos dos quais foram fiéis a ele durante o período em que precisou ser apenas virtual. Sabe-se que a cena teatral fora desses centros não é contínua e nem sempre é profissional. Ainda assim, há muitas faculdades de teatro espalhadas pelo "interior" do Brasil. A formação desses novos profissionais passa pela ampliação de repertório, e assistir a diferentes espetáculos deveria fazer parte dela.

E as críticas teatrais em jornais e revistas? A crítica é um convite a ir ao teatro, a pensar sobre a peça. Como fica quem não tem possibilidade de assistir aos espetáculos analisados?

Fora do centro, o teatro está nos livros. Não se assiste a Pirandello, mas se lê Pirandello. Fora do eixo Rio-São Paulo, tem-se o teatro da imaginação, como me disse uma aluna de artes cênicas, ou seja, lê-se um drama e assiste-se à cena que é imaginada. Até quando será assim?

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