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Laurentino Gomes expõe como tráfico de escravos manteve as elites do país

Terceiro e último livro da série 'Escravidão' vai da Independência do Brasil até a assinatura da Lei Áurea

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Tom Farias

Laurentino Gomes finalmente nos entrega o derradeiro volume da trilogia escrita sobre a escravidão no Brasil, um calhamaço de quase 600 páginas que, somado aos dois primeiros livros, lançados entre 2019 e 2021, tem mais de 1.500 páginas de uma triste história que ainda é uma ferida aberta na vida de todos os brasileiros.

Autor de obras já tidas como clássicas para a historiografia brasileira –é dele outra trilogia, que conta com os livros "1808", "1822" e "1889"—, que já venderam mais de 3,5 milhões de exemplares, Gomes é hoje uma das maiores autoridades na história social, política, cultural e econômica brasileira, tendo escrito a respeito de episódios cruciais para a nação, que vão do reinado à proclamação da República.

Segundo ele, revisitar o passado, refletir e entender o seu processo civilizatório é interpretar o Brasil, fundado numa economia que teve na escravidão a sua base de sustentação e sobrevivência e que duraria de 1538, data da chegada dos primeiros negros escravizados ao Recife, até a assinatura da Lei Áurea, em 1888, no Rio de Janeiro.

Na primeira obra da trilogia sobre a escravidão, Gomes percorre do primeiro leilão de cativos em Portugal, em agosto de 1444, até o assassinato de Zumbi dos Palmares, ocorrido no dia 20 de novembro de 1695, na serra da Barriga, em Alagoas. Na obra seguinte, publicada dois anos depois, ele fala da corrida do ouro na província de Minas Gerais à chegada da corte portuguesa de dom João 6º.

Escritas sob farta documentação, com base em fontes primárias e secundárias, muitas delas até então pouco conhecidas —mesmo entre historiadores tarimbados e recheadas de números estatísticos, tabelas de preços e viagens dos chamados navios negreiros—, as duas obras iniciais, por si só, já demonstrariam o quanto o país chafurdou no comércio escravista, que atravessou o Atlântico por três séculos.

E, igualmente, o quanto autoridades e traficantes de escravos jogaram contra toda forma de evitar sua manutenção.

No terceiro e último volume da série, Gomes redireciona seu olhar para os acontecimentos que vão da Independência do Brasil à decretação da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel.

São três livros que trazem o mesmo tema, mas que apresentam histórias diferentes. A escravidão, embora tenha durado mais de três séculos, se diversificou no fundo e na forma, se aperfeiçoando e se modernizando, razão pela qual se tornou o esteio da manutenção da elite brasileira, com resquícios ainda presentes nos dias de hoje.

Gomes, na introdução do livro, deixa isso claro ao falar na resistência em se acabar com "o regime escravista no continente americano", com o argumento de que a escravidão, apesar de todos os princípios cristãos, "era um mal necessário".

Como nos volumes anteriores, ele carrega nas tintas para mostrar quanto a escravidão brasileira não teve nada de branda ou cordial, como se apregoa, especialmente nos livros didáticos. Pelo contrário, relatos diversos dão conta da crueldade de um comércio que, já no continente africano, tratava pessoas negras abaixo do mais repugnante animal.

Outro dado importante são os números de escravizados lançados ao mar durante a travessia do Atlântico, mortos durante a viagem –só eles, relembrados neste terceiro volume, dão a dimensão da falta total de sentimento humanitário dos negociantes e compradores de escravos, aqui e além-mar.

O livro de Gomes fecha com um capítulo final sobre o dia seguinte, ou seja, o 14 de maio de 1888. Expõe uma dura realidade, reforçando a lógica de que o "racismo se mantém como um traço característico da sociedade brasileira", sem que haja outras providências.

A tal liberdade, preconizada na letra do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense que foi vencedor do Carnaval de 1989, diz muito sobre a fala deixada pelo político Tavares Bastos, em 1863, quando lançou uma pergunta relevante. "Como se poderá chegar à abolição sem revolução?" De certa forma, ainda precisamos dessa resposta.

Escravidão - Volume 3

  • Preço R$ 69,90 (592 págs.)
  • Autor Laurentino Gomes
  • Editora Globo Livros
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